Comentando Scott Pilgrim contra o Mundo

Assisti Scott Pilgrim (finalmente) na quinta-feira. Depois de uma campanha no Twitter liderada pelo Thiago Siqueira do Rapaduracast, o filme acabou estreando no Brasil. Como não tinha feito uma boa carreira internacional, a distribuidora segurou o lançamento e somente a pressão dos fãs na internet fez com que ele aparecesse à conta gotas aqui em nosso país. Em Brasília, ele estreou faz duas semanas, em uma sala somente. A informação errada no principal jornal local, e em vários outros sites, que diziam que o filme era dublado, quase me fizeram não assistir. Mas eu fui e vou comentar algumas coisas aqui.

Em linhas gerais, a história é a seguinte: Scott Pilgrim é um jovem de 23 anos, canadense, morador de Toronto. Divide a casa e a cama (*sem nenhuma conotação sexual*) com um amigo gay, Wallace, e faz parte de uma banda de rocky, a Sex Bomb-Omb. Scott em um péssimo histórico de quebrar o coração de várias garotas (*coisa que não dá para explorar adequadamente em um filme*) e foi chutado por uma namorada uma vez e isso o traumatizou. No início da história, Scott namora com uma colegial de 17 anos, o que é motivo de chacota entre os amigos dele (*questão cultural, uma moça de 17 anos não é criança e a diferença de idade não é grande*), mas ele conhece uma moça chamada Ramona Flowers e se apaixona por ela. Só que Ramona tem um passado, sete namorados malvados que formam uma liga e decidem desafiar Scott até a morte. Ele só poderá namorar Ramona se vencer todos eles.

Vou começar dizendo que minha percepção do filme foi um pouco prejudicada e preciso explicar. Primeiro ponto: o filme já nasceu cult entre os nerds. Então, ainda que não tenha dado lucro nos cinemas, o filme conseguiu um imenso fandom. Algumas pessoas que conheço, insistiram muito que eu assistisse. Já fui ao cinema com isso na cabeça. Segundo ponto: meu marido baixou o filme, comentou a exaustão, achou o protagonista um babaca, devorou o quadrinho, e me contou tudo, já que ele gostou mais do original. Isso acabou moldando um pouco a forma como assisti ao filme, ainda que eu não tenha visto a cópia baixada, nem lido o quadrinho (*ainda*). Terceiro ponto: eu não sirvo para assistir filmes à noite. Se o filme for excelente, como Toy Story, eu vou ficar acordada, mas se for menos que isso, vou cochilar em algum momento. Batata, acabei dormitando na última luta entre Scott e Gideon.

Bem, achei Scott Pilgrim muito interessante na forma como casa a linguagem dos games com o cinema. A piadinha no início do filme – que não está no quadrinho – com Knives Chau, a namorada chinesa, perguntando para o amigo de Scott “What do you play?”, e que só funciona em inglês, porque “play” pode ser jogar ou tocar um instrumento musical, e o moleque responde “I play Zelda, Tetris,...” já define o tom do filme. Na verdade, acho que isso já está dado desde a musiquinha inicial. As caixas de diálogo, dão aquela impressão que você está passando um mouse e lendo as legendas “Scott Pilgrim, 23 anos” ou “armário do Wallace”, enfim, essas coisas, também foram divertidíssimas.

O filme é bem desencanado em relação à questões de orientação sexual (*o quadrinho é mais ainda*), pois temos o amigo gay de Scott, feito pelo irmão do Macaulay Culkin, que é engraçadíssimo e cheio de tiradas inteligentes, e aparece o tempo todo com um cara novo na cama (*sem sexo, só houve um beijaço*), além da namorada lésbica de Ramona e uma série de outras pequenas referências e piadas. Mas não há uso de drogas ou cigarro e álcool só aparece moderadamente. Não que eu me importe, mas é só para pontuar como se pode ser moderninho e conservador ao mesmo tempo.

Algumas lutas de Scott são bem legais. A com o ator skatista que usa seus dublês contra o protagonista é engraçadíssima, com o Wallace paquerando o cara. A outra luta excelente é a com o baixista vegan, Scott e ele duelando com seus baixos e o cara com uma aparência de super sayajin. As referências aos games com a dificuldade aumentando e acada vitória Scott ganhando mais moedinhas e uma vida. No quadrinho ele ganha itens, também. A primeira e ótima, também. A do Gideon, com o Scott morrendo e voltando, porque tinha ganho uma vida em uma luta anterior. A luta com a ex-namorada da Ramona é curiosa, porque Scott não bate em mulheres, daí, Ramona usa o corpo dele para lutar. Lembrou Popeye e a Bruxa do Mar. Lembram que nessas horas era a Olívia que comia o espinafre? Pois é, mas Ramona, de quem eu gostei bastante, acho que a atriz tem muita personalidade em cena, sabe lutar e tem o poder de abrir portas interdimensionais, por isso, ela faz entregas com maior rapidez para a Amazon Canadá. As mudanças de cor de cabelo da Ramona, minam a auto-confiança do Scott, que acha que isso é sinal de que ela é volúvel e poderá largá-lo.^_^

Enfim, eu gostei muito, além do Wallace e da Ramona, da Knives Chau, a namoradinha chinesa, e da Kim, a bateirista. Knives é uma graça e está apaixonada pelo Scott, que, concordando com meu marido, é um babaca. A forma como ele trata a menina, agindo covardemente, é bem cretina. Aliás, vale ler o quadrinho para conhecer um pouco mais do Scott, e lá ele tem um pouco de tempo para se redimir. No filme ele é muito bobinho, salvam-se os momentos chave das lutas, que são divertidos. Não consegui simpatizar com ele mesmo. A piadinha cultural em relação à diferença de idade é compreensível, mas é muito non sense para nós aqui no Brasil, ou pelo menos para a minha geração, e, se levada à exaustão, é cansativa. A Kim – e vamos deixar de falar de Scott – e seu grito iniciando os shows do Sex Bomb-Omb. Ela tem personalidade e é dura com o Scott que, obviamente, também partiu o seu coração. No último show, ela aparece vestida de gothic lolita. Aliás, há várias referências aos animes e mangás ao longo do filme. Aliás, há referências para todos os gostos.

Eu gostei de Scott Pilgrim. É um filme simpático, algumas piadas (*a que citei lá no início, por exemplo*) são bem sacadas e foram inventadas para a película, mas o quadrinho deve ser melhor. Eu vou tentar ler o material. O último volume sai agora no início de 2011 no Brasil. Agora, comparativamente, gostei muito mais de Kick Ass, porque apesar de toda a inovação estética de Scott Pilgrim, as personagens do primeiro eram mais simpáticas, interessantes, e a trama me pareceu melhor construída. Mas vejam bem, Scott Pilgrim é um quadrinho muito mais extenso que Kick Ass, adaptar é muito mais difícil neste caso. E, como comentei antes, não gostei de Kick Ass em quadrinhos, Já Scott Pilgrim é simpático nas duas mídias. Ah, sim! Apesar de ter várias personagens femininas interessantes, e com nomes, conversando entre si, Scott Pilgrim não cumpre a Bechdel Rule, porque sempre que elas conversam o assunto é o mesmo: o protagonista.