sábado, 13 de novembro de 2010

A geração Harry Potter



Aproveitando a última matéria para assinantes que pude abrir da Época, já que cancelei a assinatura por conta da cobertura da eleição, e peguei esta aqui, já que Harry Potter estréia semana que vem. A imagem da Hermione na Marie Claire não estava na matéria, só queria mostrar para elogiar. Ela ficou bem bonitinha com esse cabelo, ainda que eu ache que ela pode passar como imitadora da Carey Mulligan, que usa esse corte bem curtinho.

A geração Harry Potter

Como a série de maior sucesso do cinema e o maior best-seller infantojuvenil de todos os tempos ajudam a moldar os valores e as atitudes dos jovens de hoje
Alexandre Mansur e Luís Antônio Giron. Com Renato Tanigawa, Eliseu Barreira Junior e Julio Lamas

A magia vai se desfazer. A última aventura do menino feiticeiro Harry Potter estreia mundialmente nesta semana com o longa-metragem Harry Potter e as relíquias da morte – Parte 1. A segunda parte, como o epílogo, entrará em cartaz em julho do ano que vem. Ao final, serão oito megaproduções baseadas na série de sete romances da escritora inglesa J.K. Rowling. Publicados de 1997 a 2007, os livros foram traduzidos para 69 idiomas e venderam mundialmente 400 milhões de exemplares. Formam a série infantojuvenil de livros mais vendida da história. No cinema, o sucesso não foi menos espantoso. Harry Potter já é a franquia de maior êxito em 115 anos de existência do cinema. De 2001 a 2009, os seis filmes da saga faturaram US$ 5,4 bilhões em bilheteria. Ou US$ 1 bilhão por sequência, um recorde no gênero. Quase o dobro do que rendeu cada uma das três partes da franquia Homem-Aranha. Mais que o dobro do que ganhou cada filme da série Guerra nas estrelas – de 1977 a 2005.

A estimativa do estúdio Warner, detentor dos direitos da história, é que em 2011 a “saga de Harry” atinja a marca de US$ 8 bilhões – mesmo tratando-se de uma narrativa cujo final os fãs já conhecem antes de entrar em cartaz. A explicação mais convincente para o fato de multidões aguardarem ansiosamente a penúltima première que envolve seu ídolo é que, na sala de cinema, os fãs não apenas reencontram os heróis Harry Potter, Ron Weasley e Hermione Granger. Eles têm a oportunidade de confrontar a si mesmos.

Não se trata de um fenômeno novo. Toda geração adota, cultiva e acaba se moldando de acordo com seus símbolos culturais. Obras de arte não se tornam obras de arte de magnitude se não conseguirem cativar, captar, definir e até antecipar os anseios dos jovens de um determinado tempo. Às vezes, esse fenômeno é tão extenso que pode definir uma geração. Foi o caso do “mal do século”, um sentimento ultrarromântico que dominou o final do século XVIII, iniciado com o romance Os sofrimentos do jovem Werther, do poeta alemão Wolfgang von Goethe. Lançado em 1774, o livro provocou uma onda de suicídios em toda a Europa – e criou um padrão de comportamento, o jovem pálido, com olheiras e tendências autodestrutivas.

Nos “loucos anos 20”, as histórias de Scott Fitzgerald se acoplaram à dança do charleston e à era do jazz e traduziram o nascente hedonismo de uma geração. Nos anos 50, o rock de Elvis Presley e os filmes de Marlon Brando (O selvagem) e James Dean (Juventude transviada) fizeram a cabeça da geração rock-and-roll. Os hippies, a música psicodélica e a pop art de Andy Warhol formataram a mentalidade libertária dos anos 60. Os geeks atuais se formaram entre doses de música eletrônica, romances de ficção científica de Philip K. Dick e filmes como Guerra nas estrelas e a trilogia Matrix.

Será que Harry Potter se configura um fenômeno semelhante? Seu sucesso comercial – global – é um forte indício de que a obra tem alcance, aderência. E sua longa duração permite influenciar as pessoas durante um amplo período – que abarca a entrada e a saída da adolescência, uma época fértil para a adoção de valores, quando as pessoas enfrentam dilemas existenciais complexos.

Mas a aderência e a duração não são suficientes. O que dizer da mensagem?

Como em qualquer boa escola de bruxaria, os acadêmicos se dividem em dois grupos. O psicólogo Robin Rosenberg, autor do ensaio A psicologia de Harry Potter, se alinha aos que consideram a série escapista. “J.K. Rowling cria um mundo completo”, disse a ÉPOCA. “Ela forneceu a seus fãs a possibilidade de unir suas imaginações à dela e viver nesse mundo fantástico.” Para o crítico americano Harold Bloom, a série é perniciosa. Em entrevista a ÉPOCA, ele disse que Rowling “é subliteratura, um catálogo de lugares-comuns”. De acordo com Bloom, “os livros e os filmes induzem o jovem a acreditar em bobagens como magia negra e superstição e que sua vida pode mudar com uma varinha de condão”. O que eles precisam é “ler os clássicos da literatura fantástica”.

O crítico inglês Colin Duriez, estudioso das histórias fantásticas de C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien, está no grupo que defende Harry Potter. Para ele, a série é carregada de simbolismo. E isso tem uma função pedagógica: os jovens aprendem ética por meio de noções básicas. “As imagens do bem e do mal agora são parte do vocabulário das crianças de todo o mundo”, disse Duriez. “Do ponto de vista da educação, trata-se de uma façanha. Em um mundo aparentemente dominado por personagens seculares, a compreensão tradicional e antiga do mal é incorporada nessa fábula contemporânea e pós-moderna.”

A corrente dos que acreditam no poder formador de Harry Potter parece ser mais forte. Ela inclui desde professores de escola até organizações cristãs, como a rede Beliefnet americana. A relação da série com magia e ocultismo gerou uma polarização entre os que viam nela mensagens éticas, até cristãs, e outros que enxergavam influências pagãs e agnósticas (não há Deus no mundo de Harry). Em 2003, o papa Bento XVI (então cardeal) condenou a série afirmando que sua “sedução sutil” podia “abalar a alma da cristandade antes que ela pudesse se desenvolver apropriadamente”. Seis anos depois, o jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, elogiou a obra por “pregar valores como amizade, altruísmo, lealdade e autossacrifício”.

Esse é, talvez, o maior trunfo da série. J.K. Rowling conseguiu contar uma história com mais ação que digressão, mais valores que peripécias. No livro final, que agora chega ao cinema, Harry Potter depara com dois problemas: a perda de seu mestre, Dumbledore, e a perseguição de Lorde Voldemort e os Comensais da Morte. O órfão escolhido pelas forças da magia para salvar o mundo do Mal completa 17 anos e perde a proteção de que gozava desde pequeno. Sem pai nem mãe e longe da escola de Hogwarts, ele enfrenta os desafios da idade adulta. Vai contar apenas com sua inteligência e a ajuda de seus amigos, Hermione e Ron.

Dividir um livro em dois filmes parece uma jogada comercial. Segundo o produtor David Barron, a motivação foi outra. “Muitas vezes cortamos cenas agradáveis de ler, mas que não ajudavam a avançar a história”, diz. No último volume, isso não foi possível, porque, segundo ele, o livro resolve todos os conflitos e mistérios da série.

Não apenas os conflitos da série, mas também os da vida real, a julgar pelo que dizem os fãs. Ao longo desta reportagem, testemunhos de leitores mostram lições práticas que eles extraíram da série. José Flávio de Bessa Júnior, de 21 anos, estudante de medicina na Universidade Federal de Campina Grande, conta que fazia parte da equipe de um site de fãs de Harry Potter quando sua melhor amiga começou a sofrer uma série de ataques de um dos membros do grupo. Ante as intrigas e acusações, todos se afastaram dela – exceto José. Um tempo depois, os colegas descobriram que as histórias sobre ela eram mentirosas. “Harry Potter me ensinou a importância de cultivar a confiança em alguém quando a amizade é colocada à prova”, diz José.

André Luiz de Almeida, de 18 anos, estudante de música na Universidade Federal de Santa Catarina, diz ter aproveitado os ensinamentos do bruxo dentro de casa. Foi quando ele percebeu que sua madrasta não era tão perfeita quanto idealizava. André diz que se inspirou em Harry – no livro, o bruxo se decepciona ao saber que seu mentor Dumbledore errou na juventude. “Consegui entender que os adultos têm seus defeitos”, afirma.

É claro que a magia da transmissão de valores não é feita por uma obra de arte apenas, por mais bem-sucedida que ela seja. É difícil dizer até onde a série de J.K. Rowling incute valores, até que ponto ela capta características latentes na geração de leitores. O que se pode, sem dúvida, dizer é que ler Harry Potter permite compreender melhor o espírito de nosso tempo.
As 7 lições de Harry Potter

1. Agir com ética
É a grande questão da série. O principal dilema de Harry Potter é permanecer fiel a seus valores diante dos desafios. As pesquisadoras Lauren Binnendyk e Kimberly Schonert-Reichl, da Universidade de Colúmbia Britânica, no Canadá, mostram como os personagens da série se situam em vários estágios do desenvolvimento moral. O mais básico é a obediência baseada na punição, representada pelo elfo Dobby. Ele foi encantado de forma que, toda vez que comete uma falta, é obrigado a infligir castigos físicos a si mesmo. O segundo estágio moral seria o individualismo. É a fase de Draco Malfoy, o jovem inimigo de Harry. Para vencer na disputa de pontos da escola, Draco passa por cima dos sentimentos de qualquer pessoa. O terceiro estágio representa a orientação interpessoal, quando o mais importante são as pessoas queridas. É a característica de Ron Weasley, melhor amigo de Harry. O quarto estágio, mais sofisticado, é o da lei e da ordem. É Hermione Granger. Ela fica revoltada quando Harry e Ron quebram uma regra, como dirigir um carro voador sem idade para isso. O estágio mais elevado da razão moral, representado pelo próprio Harry, é quando o mais importante são os direitos individuais. Harry desobedece as leis do mundo dos bruxos quando considera isso necessário para enfrentar um mal maior.

Essas questões éticas são uma das características da nova geração. Segundo uma pesquisa da consultoria americana Chartered Management Institute, 85% dos jovens empregados dizem querer trabalhar para uma organização que faça algo em que eles acreditem. E 62% admiram funcionários que têm “valores fortes”. Aparentemente, essa geração acha que os fins não justificam os meios. Um exemplo disso é o sucesso, entre jovens, de campanhas de ONGs ambientais e sociais em prol de marcas mais “corretas” ou “verdes”.

2. Adquirir conhecimento
A primeira lição em Hogwarts, a escola de magia de Harry Potter, é a importância dos estudos. Em cada episódio da série, os ensinamentos, truques, poções ou encantamentos que os heróis Harry, Ron e Hermione adquirem são usados para combater seus inimigos. Não há atalhos. Em um dos episódios, o próprio Harry sonha em virar um “auror” (que combate os feiticeiros do mal), mas sofre com as notas baixas em algumas matérias e periga não passar no exame de Níveis Ordinários de Magia. Hermione é premiada várias vezes por estudar com afinco e conseguir soluções para alguns enigmas.

Essa lição é coerente com as exigências para a geração que agora chega à maturidade. Uma pesquisa feita pelo Censo americano mostra que 70% dos jovens acreditam que o sucesso depende de um bom diploma universitário. E 40% dos universitários querem um mestrado. A geração atual é a mais angustiada com melhor qualificação e com formação continuada para evoluir na carreira. Na era do conhecimento, a riqueza é gerada por inovações e por trabalho qualificado. Mesmo países ricos, como os Estados Unidos, debatem como melhorar sua educação.

3. Lidar com a diversidade
Os heróis da série acolhem pessoas diferentes, como Neville Longbottom, que era discriminado por ser inseguro e desajeitado. Ou como Rúbio Hadrig, mestiço de humano com gigante, rejeitado por suas origens. Hermione inaugura um movimento abolicionista para libertar os elfos domésticos, como Dobby, da família Black, do padrinho de Harry. Os centauros, que vivem isolados na floresta, ajudam os heróis em algumas passagens. Até os monstros aterrorizantes como a aranha gigante Aragog têm sentimentos. E um dos talentos de Hadrig é saber lidar com eles. Essas situações fictícias ajudam a orientar as noções de tolerância à diversidade, uma questão essencial para a geração atual, formada em escolas que incorporaram, na última década, políticas de inclusão e aprenderam a lidar com colegas com necessidades especiais e, no caso de Europa e Estados Unidos, imigrantes. Aviva Chomsky, pesquisadora da Universidade Salem, nos EUA, e filha do linguista Noam Chomsky, afirmou que a saga de Potter é uma parábola dos direitos dos imigrantes.

Mas o ponto politicamente mais forte da série é a crítica ao racismo. A campanha de terror do vilão Voldemort passa por uma perseguição aos bruxos que não têm sangue puro, porque têm pais não feiticeiros (chamados “trouxas”). Hermione, uma das melhores alunas, tem pais dentistas “trouxas”. A própria J.K. Rowling falou sobre o paralelo com o nazismo: “As pessoas gostam de se sentir superiores e, se não podem se orgulhar de nada mais, se apegam a uma suposta pureza”.

4. Usar a tecnologia
Você não vai encontrar nenhum herói com superpoderes no mundo de Harry Potter. As mágicas são tecnicamente explicáveis. Os jovens magos precisam aprendê-las. Os professores mais sábios pesquisam como melhorá-las. E os encantamentos são usados no cotidiano, como usamos nossa tecnologia. Os consumidores do Beco Diagonal visitam a loja Genialidades Weasley, que vende traquitanas mágicas, e se deslumbram com as novidades, como nós nos maravilhamos com os lançamentos eletrônicos. A feitiçaria da série de J.K. Rowling é uma metáfora da revolução tecnológica. No mundo criado por ela, “a mágica simplesmente funciona, e de forma tão confiável, nas mãos de magos treinados, como a tecnologia que faz os aviões voar ou os refrigeradores gelar”, diz Alan Jacobs, da Faculdade Wheaton, nos Estados Unidos. O problema é que a magia que opera milagres também pode gerar desgraças, se usada de forma errada.

Esse sempre foi o dilema da tecnologia. Nessa geração em que as inovações se sucedem aceleradamente, a preocupação é ainda maior. A série permite fazer analogias com a necessidade de usar de forma responsável tecnologias como as câmeras no celular e as redes sociais, sem ultrajar a intimidade alheia nem destruir a própria privacidade.

5. Reconstruir a família
Apesar de órfão, a família tem um papel central na evolução de Harry Potter. Na batalha contra Voldemort, sua mãe, Lilian, o protegeu com um último feitiço. Seu pai, Thiago Potter, foi um dos melhores estudantes de Hogwarts e Harry quase sempre é comparado a ele. As realizações de Thiago e outros de sua geração parecem quase sempre inalcançáveis para Harry. Quantos filhos já não se sentiram assim em relação aos pais? Para o psicólogo Robin Rosenberg, é o típico sentimento de inadequação dos filhos nos caminhos traçados pelos pais. Na falta de uma família, o órfão Harry encontra uma entre os amigos de Hogwarts Ron Weasley (e sua família estruturada, com quem ele passa os verões) e Hermione Granger, além de professores como Dumbledore e a professora McGonnal. Esse é o retrato de uma família contemporânea, não mais centrada na figura paterna ou materna. Assim como Harry, muitas crianças vêm de lares com arranjos familiares diversos ou famílias desestruturadas. Segundo o crítico Duriez, autor de Guia para Harry Potter, a família e os amigos se tornam referências ainda mais importantes em um mundo em que a vida social é convulsionada pela internet.

6. Administrar a globalização
A globalização chegou ao universo mágico. Embora a ação se concentre na Inglaterra, o resto do mundo está na trama. No Torneio Tribruxo, de Harry Potter e o cálice sagrado, os campeões de Hogwarts disputam com outras escolas, Beauxbatons (da França) e o Instituto Durmstrang, de algum lugar no norte da Europa, ou noroeste da Rússia. A bela Cho Chang, primeiro amor platônico de Harry, tem aparência chinesa. Parvati Patil, que divide o dormitório com Hermione, é indiana. É o mix global das grandes universidades e multinacionais. Ao entrar no mercado de trabalho, os fãs de Harry Potter não estranham a complexidade das relações. Já a conhecem.

7. Desenvolver a paciência
O impulsivo Harry Potter gostaria de quebrar a cara do professor Severus Snape, que o maltrata e atua como agente infiltrado entre os Comensais da Morte. Mas passa anos obrigado a se conter por ordens expressas de Alvo Dumbledore, seu mentor. Harry só perde a paciência quando Snape mata Dumbledore. No final da série, descobre que Dumbledore tinha razão em obrigá-lo a confiar em Snape. E que até sua morte fazia parte do plano para derrotar o grande inimigo Voldemort. É a grande lição da sabedoria e da paciência – que a geração de jovens leitores de J.K. Rowling também precisa aprender, segundo a pesquisadora Anna Kelner, da Universidade Colúmbia, nos EUA. Para ela, esses jovens foram criados para adquirir autoconfiança e buscar realizações. “Eles são ambiciosos, exigem muito e questionam tudo. Aparentemente, têm tudo, mas falta algo, que você pode chamar de paciência, obediência ou disposição. Os traços que essa geração precisa adquirir são exaltados em sua história infantil favorita.”

Nem todos esses valores são novos, ou exclusivos da série de Harry Potter. Mas os personagens expressam um idealismo necessário hoje, afirma o cientista político americano Ari Armstrong, autor do livro Os valores de Harry Potter. Ele espera que Rowling ilumine a geração atual. “Vivo a poucas milhas da escola de Columbine onde houve um massacre em 1999. Os assassinos eram niilistas, como vários de minha geração. Você vê isso com o abuso de álcool e drogas nas universidades. A obra de Rowling é um recado forte de que uma vida virtuosa vale a pena.”

Peter Hunt: "O sucesso de Harry Potter será repetido?"

Com a primeira parte de "Harry Potter e as Relíquias da Morte" chegando aos cinemas no dia 19/11 e as salas de cinema mais uma vez se enchendo de fãs, a pergunta que todo editor de livros gostaria de poder responder é: "Onde está o próximo Harry Potter?" ou "Como conseguir sucesso igual com um livro infantil?".

Segundo o crítico e doutor em Literatura Infantil Peter Hunt, talvez a série Harry Potter tenha sido um fenômeno cultural por fornecer os valores morais que faltam aos nossos tempos, dentro de uma narrativa que reflete as incertezas e dúvidas da pós-modernidade e que afligem tanto os jovens quanto as suas famílias.

O Dr. Peter Hunt é autor de Crítica, Teoria e literatura infantil (Cosac&Naify;), editor da International Companion Encyclopedia of Children's Literature (Rutledge). É também professor emérito de Literatura Infantil da Cardiff's University, o primeiro curso do gênero na Grã-Bretanha e como um dos críticos mais importantes de literatura infantil do mundo obteve reconhecimento internacional com os prêmios International Brothers Grimm Award (Japão) e o Distingued Scholarship Award (Estados Unidos).

ÉPOCA – O que a série Harry Potter representa para literatura infatil contemporânea?
Peter Hunt - Coisas boas e coisas não tão boas! A mais óbvia é que a série elevou o perfil da literatura infantil - mais pessoas estão pensando e falando sobre isso. Eventos e conferências relacionadas aos livros infatis agora ganharam mais publicidade e a discussão sobre a alfabetização aumentou. O número de filmes sobre fantasia também aumentaram muito. No entanto, em países de língua inglesa principalmente, isso não tem se traduzido em crianças lendo mais. O efeito negativo é que todos os editores e publishers parecem estar procurando pelo 'clone' do Harry Potter - uma cópia que alcançará o mesmo patamar de sucesso - e o resultado tem sido um monte de imitações um tanto chatas, que limitaram ainda mais a publicação de material original.

ÉPOCA – Além do enorme sucesso comercial, quais são as principais características dos livros de J.K. Rowling que são tão apelativas aos jovens desta geração? E como a série se diferencia de outros fenômenos culturais do século XX?
Hunt - Essa é uma pergunta que muitos editores gostariam de ter a resposta para! O sucesso de Harry Potter deve ter muito a ver com o fato de ser o livro certo na hora certa. Contem muito dos valores e das idéias tradicionais - disciplina, um mundo paralelo no qual as crianças são importantes, o retratos dos adultos do mundo real como incompetentes - os trouxas -, um forte apelo para o trabalho em equipe, amizade,o núcleo familiar, honestidade, lealdade e sacrifício tudo em face da crueldade e da maldade. Quase todas essas coisas parecem atender uma demanda, tanto de crianças quanto de adultos, num tempo em que o mundo ocidental parece ausente desses elementos. Mas o fato da série ter sido tão comercializada e copiada, pode ter diluído esse efeito e seu sucesso se prolonga, porque o seu marketing é bem feito. Eu acho que esse é o caso raro de um livro que falou com a necessidade das pessoas no momento exato - por isso acredito que esse tipo de sucesso não será repetido por um bom tempo.

A maioria dos elementos no livro - escola, mágica, o anti-herói - são tradicionais e não são por si garantia desse apelo que o Harry Potter tem com as massas - na verdade uma história que se passa num colégio interno inglês exercer essa atração é um mistério.

O fato de Rowling criar uma grande e detalhado mundo possa ser a maior fator na popularidade do livro, basta comparar com [J.R.R.] Tolkien e sua "Terra Média" (a série 'O Senhor dos Anéis"). Os leitores podem "aprender" esse mundo e se tornar "locais".

ÉPOCA – Quais são os principais valores encontrados em Harry Potter? De alguma forma eles entram em conflito com os valores da realidade, como os da religião?
Hunt - Como eu disse, muitos dos valores que encontramos nos livros são negligenciados no 'nosso' mundo, o mundo dos 'trouxas'. A única coisa que falta na obra é religião, apesar de agregar muitos dos valores cristãos e da ética ocidental. É muito estranho que livros com elevação da moral humana, amor, generosidade, valores familiares e trabalho duro, assim como todas essas coisas tradicionalmente idealizadas, acabam sendo atacadas por líderes da Igreja. Talvez o sucesso do livro devesse mostrar para os adultos o que as crianças realmente querem, e não está sendo dado pelo mundo adulto.

ÉPOCA – Harry Potter de alguma forma moldou ou reflete a maneira de pensar e agir de seus leitores?
Hunt - Não estou certo de que isso possa ser mensurado, mas suspeito que os livros que absorvem os seus leitores, como os livros do Harry Potter fizeram, devem transmitir suas posições ideológicas. Então, a sua influência não deve ser refletida no comportamento a curto-prazo, mas nas suas atitudes subjacentes lá no futuro. E isso é o que preocupa quem não aprova os livros, porque tudo o que eles veem é mágica e feitiçaria e eles não conseguem ver que se trata de uma peça, uma ficção. O maior problema de Harry Potter é com as pessoas que acreditam de fato em mágica, feitiçaria e no mal como algo encarnado, real. E como essas crenças geralmente tendem a ir junto com a fé religiosa, há muitos pensamentos confusos ao redor.

ÉPOCA – Como Harry Potter sobreviverá ao tempo e como será lembrado no futuro?
Hunt - Impossível dizer. Muitos best-sellers são completamente esquecidos, mas pode acontecer de Harry Potter ter sido tão grande e ter quebrado tantos recrodes de venda que manterá seu lugar na história. E como os livros infantis são passados dos pais para os filhos, e muitos pais e futuros pais foram influenciados pela série, que podemos contar com a certeza de que os livros do Harry Potter estarão por aí por um bom tempo. Mas depois disso, o mundo dá voltas e a vida segue, e Harry Potter ainda é, como eu disse, um livro de seu tempo e em 50 anos pode não ser tão interessante.

5 pessoas comentaram:

Curti bastante essa matéria, valeu por publicar! A parte das 7 lições em especial tem pontos muito interessantes - e sempre que eu vejo outras interpretações sobre personagens e eventos, dá uma vontade de ler tudo de novo!

A única coisa que lamento é que os filmes tenham se grudado na reputação da série Harry Potter como um todo. Muita gente diz que os livros fizeram sucesso mesmo por causa dos filmes quando na verdade é claramente o contrário. Eles são bem produzidos mas não funcionam por si só. A qualidade aumentaria muito se a Warner tivesse a série completa como referência e não fosse motivada simplesmente em pegar carona no sucesso presente.

Aliás, eu tava vendo aqui (http://www.hpana.com/news.21220.html) uma reportagem de 1999, quando saiu "Prisioneiro de Azkaban" e o fenômeno literário explodiu de vez. É a prova definitiva de que os livros não são sustentados por filmes ou marketing.

Eu gostei muito do post. Acho que sou da Geração HP. Eu lamento que tanta gente deixe de ler a série por achar que os filmes por si só já contam a estória. E também acho chato essa perseguição religiosa. É um livro de ficção, afinal! Deve-se ver as mensagens positivas que ele traz para os leitores, e não ficar remoendo que é um livro ruim porque trata de magia.

Harry Potter fez parte da minha adolescência e ela não teria tido a mesma graça sem essa saga. Li o primeiro livro de HP quando eu tinha 14 anos (antes do filme sair)e foi o que me despertou o interesse por livros.

O que eu mais gosto em Harry Potter com certeza são os ensinamentos em relação a tolerância (citados no texto). Como eu fui vítima de bullying na minha adolescência, nem preciso dizer como foi incrível ler uma estória que trata do tema né? Harry, Neville, Hermione e Luna são as personagens que vemos passando por essa terrível experiência e é fascinante ver como cada um deles dão o seu jeito para se livrar desse tormento, aliás, em HP temos professores atenciosos, coisa que não vemos sempre nas nossas escolas (e aí o bullying corre mais solto!)...

Sou suspeito pra falar de HP, já que sou fã, mas acho HP uma das cosias mais fantásticas que eu já li.

PS¹: Não vou mais postar como Pedro Monção. Não curto esse meu sobrenome, muito menos o outro (Alves)

PS²: Na festa de halloween que eu fui de um grupo que eu pertenço chamado QNNRJ (queer nerds niterói e Rio de Janeiro)fizemos a cerimônia de entrada a hogwarts, com direito a escolha do chapéu seletor e tudo! Lógico que o chapéu escolheu grifinória pra mim. Preciso admitir que essa casa é a minha cara!

Achei essa matéria linda ^_^

Me considero da geração Harry Potter, apesar de ser meio velhinha pra isso XD Mas essa série me foi tão inspiradora (comecei a ler justamente em 2000, quando comecei a trabalhar efetivamente com HQ) que estará pra sempre atrelada a minha vida.

Deveria haver uma matéria falando da influência de HP para o público adulto. Afinal, muitos esquecem que Harry Potter foi um fenômeno não só entre crianças, mas leitores mais velhos também, principalmente por ter um elenco de personagens adultos e idosos extremamente amplo e tratando de assuntos complexos -- as coisas terríveis que um ser humano é capaz de fazer pela obsessão de não envelhecer e morrer (Voldemort), uma geração de lutou contra uma "ditadura do mal" e os resultados que se vê disso anos depois, dificuldade de adequação, mesmo na idade adulta (vide Sirius e Lupin), amor obsessivo e amor pela família (Bellatrix e Molly Weasley), traumas e sacrifício pra redimir erros do passado (Snape)...

(Se ninguém escrever essa resenha, eu escrevo, mas ia ser legal ver profissionais do ramo falando a respeito). =)

Quer escrever sobre isso para o Shoujo Café, Petra?

Eu não sou da geração HP, não me considero parte mesmo. Mas li os livros adulta, e comecei por causa dos filmes e somente por isso tenho simpatia por eles. E vejo as boas mensagens que a série passa. Triste é ver HP sendo substituído por coisas como Crepúsculo...

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