terça-feira, 23 de novembro de 2010

Comparando as versões de Ivanhoe de 1982 e 1997



Como não agüentei e acabei assistindo as versões de 1982 e 1997 de Ivanhoe, preciso comentar algumas coisas. Já disse que o livro tem duas personagens que eu adoro, Bois-Guilbert e Rebecca, e se falar mais deles do que das outras personagens, desculpem. Vamos lá:

Definitivamente, a adaptação de 1997 toma muitas liberdades em relação ao livro. Muitas mesmo! No entanto, ela consegue ser muito mais fiel às condições materiais do período, retratando uma Idade Média suja, na qual mesmo os ricos não eram lá tão limpinhos assim. Cabelos, roupas, unhas sujas, tudo parece bem real. Já s série de 1982 chega a ser caricata. Todo mundo é muito limpo, Sam Neill, que faz Bois-Guilbert, parece recém saído do banho sempre que está em tela... E, de fato, ele até toma banho em uma cena (*nada como o banho fanservice do Colin Firth em Orgulho & Preconceito, que fique claro*). Tudo é muito colorido, o que é até compreensível em material dos anos 40, 50, quando o pessoal estava comemorando a novidade que era o Technicolor, mas em 1982?! Os cabelos são totalmente anos 80, com Rowena com um cabelo ao estilo “As Panteras”. Mas, sim, o pior são os cavaleiros sempre limpinhos, penteados, barbeados, com roupas novas e riquíssimas em qualquer situação. Até os fora da lei são arrumadinhos. Robin Hood é tão alinhado que parece ter pulado de uma gravura de livro infantil.

A série de 1982 pode até recorrer com mais freqüência aos diálogos do livro, mas corta muita coisa, como a passagem na casa de Cedric, quando ele recebe Bois-Guilbert, o Peregrino e Isaac, o judeu. Já vai direto para o torneio com cavaleiros tão enfeitados que parecem umas árvores de Natal. Sem comparação com o torneio realmente emocionante de 1997 com quedas, ferimentos e morte. Um dos problemas da série de 1997 a meu ver é que as mulheres não cobrem a cabeça, além de ser o mais adequado na época, era moda mesmo naquele momento. A única que aparece devidamente arrumada ao estilo do século XII é Leonor da Aquitânia (*que não aparece nos livros*). E a série de 1982, embora se preocupe mais com isso, não é melhor no quesito figurino com seus vestidos hipercoloridos e mil véus diáfanos para Rebecca e com Rowena sempre de cabelo solto, escovado e visível. Aliás, morre a bela cena final em que Rebecca pede para ver os cabelos da mulher que é a amada de Ivanhoé. Se pediu para ver, é porque ela os mantinha cobertos quando as duas se viram antes.

Enfim, Ivanhoe, o protagonista, recebe um tratamento especial na série de 1997 e é isso que o torna interessante. Já disse que acho a personagem um chato de galocha, que passa boa parte da história ferido. Na série mais recente, ele é uma personagem ativa e isso para um herói é fundamental. É complicado ler/assistir um material em que todo o mundaréu de coadjuvantes (Ricardo/Cedric/Frei Tuck/Wamba/Robin Hood) e vilões (Bois-Guilbert/Testa de Boi/De Brace) são muito mais interessantes que o herói. A série de 1997 mostra um sujeito determinado, coloca ótimas cenas de batalha, um pouco mais de romance com Rowena e com Rebecca. E a cena em que ele enfrenta e se submete ao pai é excelente. O Ivanhoé de 1982 parece sempre estar declamando para a câmera, fazendo poses heróicas, com seus belos dentes brancos, cabelinho picotado e barba sempre feita. Mesmo a cena terna com Rebecca parece posada e é mesmo. De que adianta as palavras do livro, sem a emoção que o livro sugere? O ciúme de Rowena na série de 1997 incomodou muita gente, e eu entendo os motivos, já que Rebecca e a amada de Ivanhoe se respeitam e estimam, mas a cena final não foi lá muito respeitada na série de 1982. Eu até preferia a dignidade mostrada no livro, mas a Rowena humana de 1997 não foi tão ruim, fora que a moça que fez passa uma vitalidade que a bonequinha Barbie fashion de 1982 não consegue mostrar.

A série de 1997 transforma De Brace, que queria casar com Rowena à força e participa do seqüestro, em um cavalheiro. O sujeito é o mais limpinho, penteadinho, dentro dos limites de uma série realista na sujeira, tem uns olhos lindos e trata Rowena com muita cortesia. Eu até tive pena dele... Bem, ele não parece com a personagem do livro e tem muito destaque na minissérie. Já o De Brace de 1982 é um canalha de marca que tem "eu sou muito mau" escrito na testa. As falas do livro são utilizadas, mas sua maldade é tão over, e sua pinta de psicopata tão evidente que ele se tornou risível, exagerado. Já ambos os Testa de Boi (Front de Beauf) são bons, se equivalem, e convencem na maldade. Já o Príncipe João de 1997 é um achado. Que ator irônico! Cada cena dele é uma delícia de vilania e humor, a forma como ele olha, conspira, se move. Tudo perfeito. A cena dele com Leonor da Aquitânia no fim é um fechamento espetacular. Já o Cedric de 1982 é tão exagerado que parece piada, não convence com as frases do livro e beira o ridículo. O de 1997 já ganha dele só com sua presença em cena, não precisaria nem abrir a boca, mas ele fala e muito. O mesmo vale para o Wamba. Já Gurth nem aparece na série de 1982. Como conseguiram fazer isso, não sei até agora...

A Rebecca de Susan Lynch pode não ser tão bonita, mas deu muita dignidade (*depois da primeira seqüência em que dá em cima de Ivanhoe na cara dura*) à personagem. As falas do livro podem ter sido deixadas de lado, mas ela consegue dar vida à trágica judia e suas cenas com Ciarán Hinds são as melhores da série. Seus embates iniciais, com o templário a ameaçando, tentando abusar dela, o respeito que vão desenvolvendo um pelo outro e, por fim, o desespero da fogueira. Já a Rebecca de Olivia Hussey (*mais famosa por ter feito Julieta*) pode ser lindíssima, mas as cenas com Ivanhoe são fracas e as com o Bois-Guilbert de Sam Neill não aprecem muito emocionantes. E a culpa é dos três. Fora que ela entra em desespero quando levada para a fogueira. Isso contraria o livro que diz que Rebecca só se deixou desmontar emocionalmente quando Ivanhoé aparece, ferido, para lutar por sua vida. Ou seja, fidelidade ao texto do livro não torna a série de 1982 melhor que a adaptação mais ousada de 1997.


E, por fim, Bois-Guilbert. O vilão é o melhor do livro. Sua paixão por Rebecca e a tragédia que se segue é fonte das melhores cenas. Na série de 1997, eles exageram a rivalidade entre Bois-Guilbert e Ivanhoe, mas isso não pesa contra. Já em 1982, Bois-Guilbert é tão arrumadinho, tão limpinho, que não convence. Sam Neill é excelente ator, mas melhorou com a idade e com a experiência. Ele faz um Bois-Guilbert que parece estar posando para fotos. Já Ciarán Hinds é um turbilhão de emoções e me conquistou desde o primeiro momento. Seu Bois-Guilbert é tão apaixonado em todas as suas ações, as ruins e as nem tão ruins, que vai em um crescendo de contradições e angústia conforme toma consciência do seu amor por Rebecca e das bobagens que fez. Eu achava que o melhor papel dele era o Capitão Wentworth, me enganei, é Bois-Guilbert.

E que fique claro Ciarán Hinds não é bonito, ele é feio mesmo, já Sam Neill estava bonitinho demais em Ivanhoé, não parecia um cavaleiro experiente e testado em muitas batalhas. Mas Hinds passa força e intensidade impressionantes. A interação dele com Susan Lynch é perfeita. Podemos não ter o diálogo da pobre Rebecca imaginando que o Templário queria se casar com ela (*eu adoro esse diálogo*) e ele retrucando que jamais se casaria com uma judia, mas que como templário não se casaria com mulher nenhuma. Mas a Rebecca de Susan Lynch não é uma ingênua, ela sabe desde sempre o que Bois-Guilbert deseja. A cena em que ela sorri a primeira vez para ele, o rosto do sujeito se ilumina e ela prontamente recolhendo o sorriso., é brilhante Mais adiante, depois de tanta desgraça, Rebecca se desculpa com ele por não poder/conseguir amá-lo. Por mais absurdo que a coisa seja, essa Síndrome de Estocolmo, por assim dizer, afinal, ele a seqüestrou, ameaçou estuprá-la, tentou-a com um tour intelectual pela Europa (*sim, a Rebecca de 1997 é muito instruída e não somente uma curandeira*), e foi responsável por sua condenação à fogueira, ela compreende os sentimentos dele, e ainda que os rejeite, não vai desprezá-los por toda a trama. No fim das contas, é o relacionamento mais complexo e instigante da série, ainda que os momentos de Rebecca com Ivanhoé sejam bem ternos.

Ah, sim, mudaram a ordália final nas duas séries. Já tinha dito que o duelo da série de 1997 foi excelente, a melhor luta de toda a produção, mas preferia Bois-Guilbert morrendo com o leve toque de Ivanhoe, por “castigo de Deus”. Já na série de 1982, Bois-Guilbert se esforça muito para salvar Rebecca (*uso intenso dos diálogos do livro*), mas há, também o duelo. E, bem, Ivanho é estava muito ferido, não daria conta. A saída encontrada, com o vilão se deixando matar, não me convenceu. Ciarán Hinds pelo menos luta até o fim, sem abrir bracinhos para ser atingido no coração.

É isso, eu recomendo muito a série de 1997, a de 1982 é muito fiel aos textos do livro, mas é muito colorida, muito limpinha, e parece artificial em muitos momentos. E não tem o Ciarán Hinds que faz uma diferença danada.

1 pessoas comentaram:

Bem, eu cheguei até o blog pesquisando sobre Ivanhoé que foi o meu livro de infância e começo de adolescência, minha versão era adaptada claro, só depois cai na versão adulta... Mas quando vi o filme de 1982 a primeira coisa que pensei foi: "Era assim mesmo que eu imaginava a Idade Média quando tinha dez anos!" rsrsrsrs...
Realmente é um trabalho que soa muito artificial e se eu antipatizo com Rowena desde os nove anos não foi através dele que eu fiz as pazes com esse personagem aguado e chato, mas confesso também que gostei foi como voltar aos dez anos, quando eu sonhava com a Idade Média.

E a parte tudo isso Rebeca sempre será minha heroina e minha queda mal confessada por Bois-Guilbert continua em pé \o/.

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