sábado, 28 de agosto de 2010

Comentando Ōoku #4: É tão triste ter que dizer adeus!



Esta semana eu fui buscar meu volume #4 de Ōoku (大奥) na Livraria Cultura e, bem, depois de quatro meses de espera, simplesmente devorei tudo rapidinho. Acredito que foi o volume de Ōoku que li mais rápido, talvez por ansiedade, talvez por já estar acostumada com o estilo que a VIZ escolheu para a tradução, e de todos até agora, foi o único para o qual eu não daria nota dez, teria que ser nove. A humanidade das personagens, a capacidade de sentir as suas dores, tristezas, alegrias, continua tão intensa quanto no volume #1, Yoshinaga é brilhante nisso, mas faltou emoção em seqüências de batalha. Mas explicarei os motivos ao longo da resenha, mas aviso dos possíveis spoilers. Não poderei evitá-los.

Coloquei que é triste dizer adeus, porque neste volume ocorreu a despedida de mais duas personagens bem carismáticas, a shogun Iemitsu, que assumiu o poder no último volume, e o doce Arikoto. Eu esperava pelo menos mais um volume com os dois, ou que Arikoto permanecesse por mais algum tempo no Ōoku, mas não foi assim. Iemitsu assume que é mulher diante de todos os daimios, esse é o final do volume #3, mas o que terminou em um gancho fenomenal, emocionante mesmo, recomeçou já com a shogun aceita, sem discussões, e com um salto de tempo, pois a filha do barão que era criada como rapaz, já estava em vestes femininas prestando reverência à soberana. Acredito que aqui, Fumi Yoshinaga precisava estender a questão, mostrar o susto, as filhas criadas como filhos saindo das sombras. É minha primeira crítica.

Pensei, também, que Iemitsu assumiria como mulher e sem lamentar a velha ordem, mas me enganei. Ela se assume como mulher, mas continuando o reinado do pai. Ela é o pai, no fim das contas. E afirma que o domínio das mulheres é um interregno, até que a praga recue e os homens reassumam suas funções, por isso, os títulos devem permanecer no masculino. Bem, ela foi criada pela velha Kasuga, então, é difícil romper com tudo, está além das condições de produção da personagem. De fato, a praga recua, mas se os homens eram 1/5 da população, passam a ser ¼ e nada muda em relação à necessidade das mulheres se manterem ocupando os postos de mando, de fazerem todos os trabalhos pesados, ainda que não assumam os postos militares... Pelo menos, não nesse volume.

Arikoto vê Iemitsu se tornar uma governante sábia, forte, mas duríssima. É aquela lógica de que “uma rainha não pode ser perdoada pela fraqueza, mas pode ser perdoada pela sua maldade”. Um exemplo é quando ela dispensa 100 homens do Ōoku, mas, ao contrário do que faz a shogun Yoshimune no volume #1, ela não lhes dá um dote para que se casem ou o que seja, ela simplesmente envia todos eles para o distrito do prazer. Eles são engajados compulsoriamente na prostituição. Obviamente, tais práticas sempre existiram, mas as vítimas eram as mulheres. Iemitsu, no entanto, está pensando na necessidade de oferecer “boa semente” para as mulheres do povo que não podem ter um marido próprio, já que ela vira com os próprios olhos no volume passado, que os prostitutos eram em sua maioria velhos e sifilíticos.

Arikoto visivelmente lamenta, mas não tem como se opor, da mesma forma que se submete quando Iemitsu determina que o primeiro amante que uma shogun tomar no Ōoku seja executado no dia seguinte. Ela quer que isso seja feito em memória ao estupro que sofreu e é mostrado no volume #2. Essa regra absurda foi peça chave no primeiro volume da série e será no filme que vem por aí. No entanto, quando ela o chama para a sua cama de novo, e essa é uma das melhores cenas do mangá até agora, ele enfim coloca toda a sua frustração e ciúmes para fora. Iemitsu compreende, afinal, ele é o único homem que ela realmente ama, amou e amará e diz isso para ele, mas o dispensa de qualquer serviço sexual. Arikoto passa a ser o Supremo Camareiro e controlar oficialmente (*já o fazia de fato*) tudo o que acontece no Ōoku. Mais tarde, Iemitsu morre aos 27 anos, depois de várias tentativas frustradas de dar a luz ao filho homem que reinstalaria a velha ordem. É muito triste.

Antes de partir, ela pede que Arikoto eduque a próxima shogun, a menina Chiyo, como se fosse sua filha. E eu acredito que é a única coisa que o impede de se matar como fizeram os outros conselheiros. Iemitsu deixa para trás três meninas e os pais delas, inclusive o discípulo de Arikoto, Gyokuei, chamado pela shogun de O-Tama, pai de sua segunda filha, assume o hábito de monges budistas. Para se ter uma idéia, esse capítulo ocupa somente 45 páginas do volume.

Lady Chiyo, ou Lorde Ietsuna, é educada com todo o esmero por Arikoto, mas se torna uma jovem absolutamente desinteressada em relação ao exercício do poder, outros governam por ela. Quando ela tem 11 anos, há uma tentativa de revolta de um grupo de ronin, samurais sem mestre, cujos senhores não tiveram descendência e tiveram seus bens confiscados. Esses homens querem retomar o poder político. Aqui, é outro dos pontos que não foram bem explorados por Yoshinaga. Eu esperava que houvesse algum conflito, que a revolta gerasse alguma comoção dentro da história. Nada. Tudo é desbaratado de forma muito rápida. Talvez, porque ela tenha se baseado em uma tentativa frustrada de revolta da época, ela está compondo uma linha alternativa de História que usa ao máximo fatos e personagens reais. Mas não teria certeza. Faltou emoção e ação.

Voltando ao Ōoku, a primeira-ministro de Chiyo, chama a atenção de Arikoto para o desinteresse da menina, e ele percebe pela primeira vez que a garota, talvez, não consiga governar como sua mãe o fez. Só não percebe outra coisa, a mocinha está apaixonada por ele. Aos 14 anos, ela toma seu primeiro amante; Arikoto o aponta para ela, pois o rapaz voluntariou-se para morrer em troca de uma pensão para a esposa e as filhas. O ritual é cumprido. A menina, no entanto, preferia que fosse Arikoto e confessa isso para ele em um momento bem dramático desse capítulo, quando um grande incêndio destrói quase toda Edo (Tokyo) e o palácio. Ela só não o havia escolhido, porque sabia que ele teria que morrer. Arikoto percebe finalmente a enrascada, afirma sua devoção paternal, diz que é mais velho que o próprio pai da menina, lembra da mãe dela, a única mulher que amou, e, por fim, pede para ser dispensado do serviço no Ōoku.

Ietsuna, mostrando de novo sua índole bondosa, mas, também, sua falta de personalidade, aceita. Ele volta a ser um monge budista. Fiquei aliviada de não termos um encaminhamento incestuoso aqui, pois o Arikoto de Fumi Yoshinaga é uma das personagens mais dignas que já vi na ficção; qualquer ficção. Queria que ele prosseguisse na série, achei que era ele na capa do volume #6, mas me enganei. Ietsuna reina até os 41 anos, sem filhos, e passa o poder para a sua irmã. Está explicado agora a capa do volume, afinal, uma profecia dizia que o discípulo de Arikoto, Gyokuei, seria o pai do shogun. E eis que sua filha com Iemitsu assume o poder com o nome de Tsunayoshi.

Agora, sim, a temperatura do volume subiu: humor, perfídia, personagens interessantes sendo introduzidos, politicagem suja, tragédia. Tsunayoshi é apresentada no início do volume como uma ninfomaníaca que reclama o tempo inteiro da falta de “variedade” do seu harém, mas, também, como uma governante com mão de ferro que quer apagar a imagem de um shogunato fraco deixado por sua irmã. Seu marido é um príncipe de Kyoto muito pomposo e dado à fofocagens e intrigas. O concubino (*percebam o quanto essa palavra está carregada de um peso de gênero, não há masculino dela, soa mal aos ouvidos*) da shogun, o pai da sua filha, vive histérico temendo perder o seu posto de nº1 e quando o pai da shogun, Gyokuei, ou O-Tama, como é chamado no harém, manda que o sujeito use “a cabeça”. O que a criatura faz? Toma uma tigelona de gemas de ovo. Cabeça errada, eu suponho... Mas o que irrita a shogun é a subserviência do moço, que por ser de origem humilde, só falta se arrastar aos pés dela.

Enquanto isso, Tsunayoshi é instada pelo pai a produzir pelo menos mais um filho, que pode ser um menino, o restaurador da ordem. Ela reclama das regras do Ōoku, da opressão do lugar, de como ele é chato. Para fugir do tédio, ela recebe a sugestão de uma de suas conselheiras para sair do Ōoku, e propõe que ela peça a outra de suas conselheiras, Narisada, para assistir um espetáculo de Kabuki. Narisada, uma daquelas mulheres gordinhas simpáticas que Yoshinaga desenha muito bem, sabe que deve encher a casa de jovens bonitos, bem ao agrado da shogun. Pois bem, a família dessa nobre é bem feliz e singular, já que Narisada, que Tsunayoshi diz ver como uma mãe, é muito feliz no casamento com um marido bonitão e simpático. Além disso, teve somente um filho homem que irá assumir o domínio no lugar da mãe, por concessão da shogun. O rapaz também é muito feliz com a esposa.

A shogun, no entanto, não se interessa por nenhum dos rapazes bonitos, mas decide levar para a cama o marido de Narisada, que foi seu amante na juventude. Pelas regras do Ōoku, nenhum homem com mais de 35 anos poderia passar a noite com a shogun. A família de Narisada, que definha a olhos vistos, passa a ser visitada constantemente pela shogun, que usa do seu poder para obrigar o marido da conselheira a passar a noite com ela. Temendo pela saúde do sujeito, que parece cansado e doente pelo excesso de “esforço”, ela transfere seu interesse para o filho e leva o rapaz para o Ōoku. Não vou dar mais detalhes, mas o fim da família é muito triste. E sabe que estava tudo armado? A outra ministra, por sinal amante do pai da shogun Tsunayoshi, queria o lugar de Narisada, e consegue.

Enquanto isso, o marido pavão da shogun quer trazer de Kyoto um sujeito bonitão para ganhar a atenção da esposa. Sim, ele quer que a esposa fique grato a ele “pelo pequeno favor”. O-Tama duvida que possa sair de Kyoto alguém de longe parecido com seu antigo mestre, Arikoto, de quem todos guardam boas memórias. Mas eis que chega Emonnosuke, o jovem aristocrata, muito parecido na sua postura, beleza e maneiras com o antigo Supremo Camareiro. O-Tama e o concubino de Tsunayoshi temem perder seu espaço e influência, o marido da shogun vibra com a antecipação, mas eis que Emonnosuke tem uma agenda secreta...

Pois é, Emonnosuke é o “dark Arikoto”, por assim dizer, e sabe tudo sobre o Ōoku. Ele atrai a atenção da shogun primeiro por suas capacidades intelectuais, pois Tsunayoshi não pensava somente em sexo nas horas vagas, mas, também, em Confúcio e seus ensinamentos. Mas quando a shogun põe os olhos no rapaz, claro que deseja usufruir do corpinho dele, também. Só que Emonnosuke, raposa felpuda, como diria a Nazaré de Senhora do Destino, consegue levar a melhor sobre todo mundo – a shogun, O-Tama, o concubino, e o consorte – e termina Camareiro Chefe, o primeiro nesse cargo depois de Arikoto. Como? Bem, não vou contar, já dei spoilers demais. Acredito que Emonnosuke seja o homem idoso na capa do volume #6.

Outras curiosidades sobre Tsunayoshi é o fato dela ser mãe amorosíssima, e a cena dela com a filha é um dos momentos mais ternos do volume. Como foi nos outros volumes, Fumi Yoshinaga mostra a situação do povo comum, fala dos progressos tecnológicos que aconteceram para ajudar as mulheres nos trabalhos pesados, coloca esquema de máquinas agrícolas japonesas da época. Acredito que sejam mecanismos reais, dado o detalhismo.

Como estamos em um momento de transição, ela mostra, também, o esforço de algumas mulheres, no caso a da família camponesa que apareceu nos volumes 2 e 3, para conseguir sobreviver e aponta que a perda de poder dos homens não significou perda de privilégios, mas muito pelo contrário. Há uma cena, que deve se repetir em muitos lugares do mundo e até do Brasil, da mãe que deixa de alimentar a filha para dar a comida para o filho, porque ele é importante, ela é somente uma mulher. Só que junto com essa cena, mostra o conselho de uma aldeia, formado por muitas mulheres, quase nenhum homem, e liderado por um ancião. É preciso tomar uma decisão urgente, o ancião diz que as mulheres não poderiam decidir, que era algo muito importante que os pais e maridos deveriam opinar. As mulheres mandam o velho calar a boca, afinal, se elas trabalham duro, elas é que devem tomar as decisões sobre a produção, não os homens que, em muitos casos, nem existem no núcleo familiar. É mostrado, também, a “bondade” e alguns homens em servir o máximo de mulheres possíveis, para que todas possam procriar, ainda que não tenham maridos. Outra questão mostrada no volume é o abandono dos homens velhos das famílias camponesas pobres, afinal, eles não têm nenhuma serventia para a comunidade, já que não trabalham e tampouco podem procriar...

Enfim, já escrevi demais. Foi um excelente volume, mas as duas situações que descrevi poderiam ser melhor aproveitadas. Também a insistência em dizer que o equilíbrio entre homens e mulheres na população ocorreu em um tempo remoto, me incomoda. Não se passaram ainda 50 anos do início da praga, não há a possibilidade de um esquecimento tamanho. Esse fator temporal continua sendo o único defeito da série de Yoshinaga, mas Ōoku é, sem dúvida, o melhor que ela já fez até agora. Acredito que com o sucesso do filme, que deve ocorrer, tenhamos outros. A autora já anunciou que o mangá terá 12 volumes ou por volta disso. Ela poderia até esticar mais, pois assim, teríamos certas questões, como as que apontei nesse volume, trabalhadas com mais vagar. É isso. Próximo volume agora só em dezembro... ou janeiro para mim.

1 pessoas comentaram:

Demorei mas finalmente estou com o vol. 4 em mãos. A espera é sempre uma agonia...

Também achei esse volume muito corrido, a Yoshinaga-sensei contou pelo menos umas quatro linhas de enredo diferentes. Fora isso, foi mais um volume excelente.

Eu fiquei muito, muito triste com o final de Iemitsu e Arikoto. Eu já imaginava que o amor deles não terminaria em flores, mas doeu acompanhar o destino deles e vê-los partir.

E concordo quando você diz que a sensei deixou passar a chance de aproveitar o gancho sensacional do volume passado. Eu fiquei um pouco decepcionada ao ver as nobres já aparecendo como soberanas/ herdeiras sem contestação. E os velhos que partilhavam da opinião da Kasuga? Acho que aí a sensei pecou por falta.

Quanto à Ietsuna, achei que a sensei voou ao contar seu governo. Ela era uma shogun fraca, mas com tantas revoltas ocorrendo, teria ali assunto para metade do volume.

Já parte com a Tsunayoshi foi sensacional, mas apareceram tantas caras novas que confesso que me perdi num certo momento. O Emonnosuke é mesmo uma raposa, eu fiquei surpresa ao descobrir que ele conseguira enrolar a todos. O drama da família arruinada pela Tsunayoshi foi bem triste, e serviu para mostrar no que a corte da shogun se tornou.

Enfim, mesmo com tanta coisa junta desenvolvida muito rapidamente, também gostei bastante desse novo volume de Ōoku. =D

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