domingo, 15 de agosto de 2010

Comentando o filme A Jovem Rainha Vitória


Já deveria ter comentado A Jovem Rainha Vitória (The Young Victoria) faz um bom tempo. Assisti ao filme em casa, afinal, não havia previsão de estréia nos cinemas aqui do Brasil e fiquei muito surpresa quando ele estreou finalmente em junho, mas em circuito tão restrito que acabei não conseguindo ir ver no cinema. Porque eu queria, visualmente o filme ficou muito bom e o roteiro bem coeso, além das belas interpretações de Emily Blunt, Rupert Friend, Mark Strong e Paul Bettany, principalmente. Gosto de biopics, mas nos últimos tempos tinha visto uns realmente fracos, como A Duquesa, nesse sentido, A Jovem Rainha Vitória foi um presente.

Eu conhecia muito pouco da infância e juventude de Vitória, na verdade, conhecia quase nada. A Rainha Vitória que aparece nos livros de história raramente é a jovem cheia de vida, que gostava de dançar e cavalgar e disposta a ser rainha em todos os sentidos possíveis, a mulher dos livros de história é geralmente a senhora com grandes olhos tristes, uma cara parecida com a de um bulldog e o eterno luto pelo marido morto, que jogou uma nuvem cinza sobre o humor dos ingleses. Como pessoas não nascem velhas, o filme nos mostra uma outra Vitória. E foi bom ver somente um pedaço da sua vida, não toda ela. É essa tentativa de abraçar tudo que muitas vezes prejudica filmes biografia. Mas o título é injusto, pois deveria ser Vitória & Albert, já que os dois têm quase o mesmo peso no filme e é o romance dos dois – parte dele real, parte dele inventado – que alimenta o roteiro do filme.

Conroy é o vilão do filme.
Muito foi dito, especialmente nas resenhas aqui no Brasil, que Emily Blunt não se parecia com a Vitória original por ser bem magra e muito bonita. Por tudo o que li, e o filme me fez querer ler sobre a rainha Vitória, a crítica se aplica. Mas eu perguntaria “E daí?”. É cinema, afinal. Acho que me incomodou mais que ela fosse tão alta, pois a Vitória original era muito nanica. Só que, provavelmente, optaram por formar um par mais harmônico e eliminar qualquer "defeito" físico que Vitória pudesse ter.

O seu tamanho diminuto só foi mostrado na cena da coroação, quando a câmera foca nos pés de Emily Blunt balançando, porque não chegavam ao chão. O trono era alto demais para ela. No entanto, foi somente ali, não se buscou criar a ilusão de que ela seria pequenina, especialmente do lado do garboso Príncipe Albert. Emily Blunt, que periga ser uma das melhores atrizes de sua geração, defendeu com força e altivez a sua Vitória, especialmente nos momentos de confronto antes de se tornar rainha, quando ainda era uma quase prisioneira do Palácio de Kensington. É a minha parte favorita do filme, talvez.

Coroação.
Sobre Albert, interpretado de forma encantadora por Rupert Friend, eu só sabia que era alemão e que Vitória tinha sido apaixonada por ele a ponto de cumprir um luto de 40 anos. Bem, comprei uma biografia dos dois chamada We Two: Victoria and Albert: Rulers, Partners, Rivals. O livro é ótimo e eu estou caminhando para a metade. Fiquei sabendo, portanto que o filme não mente ao mostrar que o jovem foi preparado cuidadosamente para ser “o marido ideal” para a jovem rainha, que era sua prima. O que o livro me diz, e que o filme não tem interesse em ressaltar, é que ele não causou boa impressão no primeiro encontro, que não estava na coroação de Vitória e que certamente ele não estava tão apaixonado por ela ao se casar, mas estava plenamente satisfeito por “ter vencido a corrida”, afinal, ele não tinha terras ou dinheiro para herdar. No filme, ele nem pensa nisso, afinal, está apaixonadíssimo pela prima.

O filme mostra o papel do rei Leopoldo da Bélgica como articulador do casamento. Tio de ambos por ser irmão da mãe de Vitória e do pai de Albert, ele deve ser um dos maiores alpinistas sociais da história da nobreza européia. A vida desse homem é que dava um filme e dos melhores! Caçula de uma família ducal falida, abriu caminho através da vida militar e do uso da sua beleza (*se os quadros não mentem...*) e inteligência, casou com a herdeira do trono inglês (*a prima de Vitória*), enviuvou (*e a autora do livro que eu comprei narra a agonia da Princesa Charlotte de tal forma que eu tomei horror aos médicos ingleses do século XIX... e olha que eu já tinha lido muita coisa de História Social da Medicina!*), e deu a volta por cima iniciando uma dinastia e costurando casamentos para seus sobrinhos. Um casou com a rainha de Portugal, outro com a rainha da Inglaterra. Foi Leopoldo quem guiou a educação do jovem príncipe Albert para que ele fosse perfeito (*bonito ele já era*), ilustrado, austero, casto, enfim, um "príncipe encantado" para a jovem Vitória.

Albert faz a corte à Vitória e termina por ser o escolhido.
O filme não mostra a jovem Rainha, coroada aos 18 anos, tendo outros interesses românticos antes de Albert, mas ela teve. Toda a narrativa tem o objetivo de reforçar a idéia de amor romântico, de almas gêmeas e tudo mais que a literatura desse tipo reforça a cada página. Mas, de novo, tudo se arruma de forma tão perfeita que eu não reclamo. Interpretações marcantes, um figurino que mereceu o Oscar, cenários requintados. Quem não acredita que Vitória e Albert eram realmente o casal mais apaixonado do mundo?

Mas eis que o filme tem um vilão, Sir John Conroy, Mark Strong fazendo de novo o papel de “malvado” (*Kick-Ass, Robin Hood, Sherlock Holmes*). E ele é mau, além de alpinista social, como Leopoldo, e como secretário da mãe da menina Vitória, ele a manipula, desvia verbas, consegue enriquecer e almeja se tornar regente da Inglaterra em nome da futura rainha. E ele está igualzinho o quadro de Conroy que tem no meu livro, assim como Paul Bettany ficou idêntico ao Lord Melbourne dos quadros.

Ainda como herdeira do trono.
Eu não sabia nada sobre o Kensington System, que é citado no filme, mas fui ler sobre ele e realmente Conroy e a mãe de Vitória tentaram o máximo para isolá-la e torná-la medrosa (*ela não podia dormir sozinha no seu quarto, ela não podia subir escadas sozinha, ela raramente saia, quase não via outras crianças, etc.*) e incapaz (*humilhando-a, ridicularizando-a, impedindo-a de expressar seus pensamentos, etc.*). E tudo isso está muito bem documentado. E perderam! A única ajuda de Vitória era a governanta, Lehzen, que Conroy não teve forças para demitir, pois ela era apoiada pelos reis da Inglaterra e da Bélgica. Leopoldo nunca deixou de ter algum poder sobre a irmã e a usou isso em favor da menina, pelo menos neste caso.

Os confrontos entre Mark Strong e Emily Blunt são das melhores cenas do filme. Conroy quer dobrar a princesa, ele e a mãe da jovem chegam a colocar sua vida em risco, quando ela adoece gravemente, para que ela assine um documento se declarando incapaz de exercer o cargo e pedindo que ambos administrem o reino até que ela tenha 25 anos, mas ela resistiu. Pensei que era invenção do filme, um exagero dramático mesmo, mas não era, não. Os dois ambiciosos por pouco não mataram a "galinha dos ovos de ouro".

Ele aprende a dançar.
Quando Vitória é coroada,, ela se vinga proibindo sua mãe de vê-la sem requerer audiência, isolando-a em uma ala distante do palácio, e fazendo o possível para se livrar de Sir John Conroy, a quem odeia. O filme mostra bem esse processo, mas ele resiste e usa da influência sobre a mãe da Rainha para permanecer nas proximidades do poder. Lorde Melbourne, o primeiro ministro, tem medo de que o homem possa fazer um escândalo e manchar a honra da Rainha de alguma forma. Cabe à Albert, no filme pelo menos, pressioná-lo de forma mais efetiva. Não gosto que escalem Mark Strong somente para vilão, mas ele arrasou de novo. E eu esqueci de incluí-lo entre os meus "galãs" no último Shoujocast. Preciso lembrar de falar dele nos comentários.

Por fim, o filme comete algumas imprecisões sérias, ou, pelo menos, para mim foram. Ele coloca a teimosia da rainha em relação a escalação das suas damas de companhia (*a chamada Bedchamber Crisis*) e a sua impopularidade subseqüente. Mas tudo sem entrar em muitos detalhes. O filme não mostra uma maldade cometida pela jovem rainha, pois Vitória permitiu que seu médico incompetente, Sir James Clark (*dentro do contexto da época, ser médico inglês parece ser sinônimo de incompetente*), e sua fiel governanta, a Baronesa Lehzen, disseminassem um boato sobre uma dama da corte, Lady Flora Hastings. A dama, que era de uma família muito poderosa, servia a mãe de Vitória e era próxima de John Conroy.

Vitória resiste, mas Albert termina por moldá-la.
Lady Flora passava mal com freqüência e sua barriga começou a inchar visivelmente, consultado, o médico de Vitória diagnosticou que ela estava grávida, provavelmente de Conroy. A jovem dama era solteira, passou por um humilhante teste de virgindade, e acabou morrendo pouco depois de câncer no fígado. Isso manchou a reputação da Rainha, da Baronesa Lehzen, e do médico. Esse incidente deveria estar no filme, afinal, Vitória não era santa e uma frase que é creditada a sua governanta é que “ela perdoava a maldade em uma rainha, mas, não, a fraqueza”. Vitória não podia ser fraca, mas, com certeza, foi má em vários momentos de sua vida.

O filme não coloca esse incidente e mexe em outros. Albert e Lehzen vão brigar pelo poder, até aí, OK, mas a demissão da governanta está ligada a um incidente gravíssimo e, não, a questão menor inventada pelo filme. Victoria manteve Sir James Clark como médico real e Lehzen passou a gerenciar o berçário da jovem princesa Vitória, a primeira filha do casal. Albert queria que ele fosse demitido, provavelmente por causa do caso de Lady Flora, no que ele tinha toda a razão, e criticava a forma como a criança era cuidada. A Vitória real, parece não ter querido ser uma mãe modelo, se recusou a amamentar, quando isso já estava se tornando regra entre os costumes burgueses (*a mãe da Rainha a amamentou vinte anos antes, quando era novidade*), tampouco engravidar tantas vezes. Ela passava muito pouco tempo no berçário, e muito mais tempo no gabinete.

Os dois tem ótima química no filme.
A menina termina por adoecer, o médico queria administrar calamel – um “remédio” a base de mercúrio (*médicos ingleses*) – Albert tentou intervir, Vitória se impôs usando do fato de ser rainha e defendeu Lehzen e o médico. A criança quase morreu e Albert pediu a demissão dos dois dizendo que ela poderia até recusar, mas que se a menina morresse, a culpa seria toda dela. Vitória recuou, e Lehzen teve que ir embora. O Príncipe venceu. O filme sobre Victoria & Albert, que eu assisti no SBT muitos anos atrás (*nem sei qual é o filme*) mostrou essa passagem, até porque é das poucas coisas que eu me lembro dele, mas A Jovem Rainha Vitória omite o fato dramático. E ainda deforma o incidente do tiro que não acertou Albert. Ele realmente se jogou na frente da esposa grávida, foi corajoso e galante, mas não sofreu nenhum ferimento. O drama inventado no filme não existe e tem muito menos impacto, por assim dizer.

As imprecisões, a romantização e uma certa santificação de Vitória não estragam o filme. Ele também tem um forte viés patriarcal disfarçado, pois coloca o jovem Albert na função de corrigir moralmente as poucas “falhas” que a esposa possuía, como sua teimosia, e isso está presente no trailer. O livro que eu estou lendo, aponta para essa “missão” e "direito" que o Príncipe se atribui, mas mostra uma Vitória bem mais perceptiva do processo e resistente, ainda que apaixonada. A película mostra como Albert vai afastando as pessoas mais próximas de Vitória, primeiro Lehzen, depois Lord Melbourne, o “primeiro” primeiro-ministro da rainha, e que se comportava quase que como seu pai. Afasta até o vilão Conroy!

O figurino do filme é espetacular.
Ao não omitir essa questão, é possível, sim, fazer uma leitura feminista do filme, pois na sua proposta de proposta de exaltação do romance, dá ao jovem Albert a razão em seus atos de "proteção". Ele sabe o que é certo para Vitória, porque a ama. Assim, dentro do filme, e talvez na vida real, ele se tornou a figura mais importante na vida da Rainha. O filme é bem fiel ao mostrar o processo, sempre ressaltando que essas pessoas não eram boa influência para a jovem rainha.

Bem, já escrevi demais. A Jovem Rainha Vitória é muito bom e, coisa rara, contempla a Bechdel Rule. Muito bonito. Historicamente bem preciso até chegar nos seus últimos 15 minutos, quando toma algumas liberdades. Ele merecia ter estreado no cinema com destaque, mereceu o Oscar que ganhou e merecia outras indicações, mas filmes sobre reis e rainhas não são muito populares na Academia, salvo para os prêmios de “melhor figurino” e “direção de arte”. E raras vezes eu vi um casal tão bonito na tela. A Jovem Rainha Vitória é uma pequena jóia, mas deveria se chamar Victoria & Albert para fazer justiça ao que vemos na tela.

4 pessoas comentaram:

Valéria,

amei os seus comentários detalhados. Descobri bastante coisas sobre a Rainha Vitória.

Amei este filme e concordo com vc que deveria chamar Vitória & Albert.

O filme não chegou aos cinemas do Recife ainda e não sei se ainda chegará... É uma pena.

Ah, você já assistiu a série "Os Pilares da Terra"? Mudaram algumas coisas do livro, mas no geral está muito boa.

Bjs

Valéria do céu! Eu estou doida para ver este filme e você me vem com tantos comentários! Adorei!

Eu preciso voltar à minha rotina de internet e visitar mais os blogs das amigas. Estou meio que fora do ar, devido à inúmeros compromissos. Queria te pedir autorização para publicar seus comentários sobre o filme, pode ser?

O filme realmente é ótimo, nem lembrava que você tinha comentado quando assisti (só reparei por causa do link na resenha de Discurso do Rei).

Amei esse filme e só tenho uma crítica, apesar de ter atuado muito bem a Emily Blunt é velha demais pro papel, ela não consegue fingir estar na casa dos 30, quanto mais ser uma garota de dezoito anos. Não cola mesmo, fora isso é tudo muito lindo e romântico.

P.s. Você escreveu sobre Elizabeth - A Era do Ouro?

Eu só vi o primeiro Elizabeth, no cinema, aliás, e ainda não assisti Elizabeth - A Era do Ouro. Eu não gostei do primeiro filme, fiquei desestimulada em ver o segundo, ma spreciso pegar para ver, sim.

Emily Blunt não tem nem 30 anos ainda. Ela me pareceu suficientemente convincente no papel.

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