sábado, 8 de maio de 2010

E a histeria em torno da “pedofilia” nos mangás e animes cresce no Japão



Essa nota saiu no Missión Tokyo esta semana e deixei aqui aberta sem ter postado. Vocês devem ter percebido que o fluxo de postagens no blog caiu um pouco. É falta de tempo e acredito que nas próximas semanas a coisa não melhore muito. Pois bem, esse post vai ficar com cara de coluna do Anime-Pró, afinal, demorei muito a comentar o caso. Bem, bem, vamos lá!

Há toda uma discussão sobre legislação que reprima a produção de material considerado como lolicon no Japão e se filia a discussão internacional sobre pedofilia. A pressão vem de fora do país, da UNICEF e outros órgãos. Por princípio, eu não sou contra esse tipo de legislação, desde que penalize material com crianças reais e que é vendido sem freios no Japão e despejado na net (*comentei aqui faz muito tempo*). Por que as crianças virtuais são mais importantes do que aquelas de carne e osso? E olha que eu acredito que as representações em mangás, animes e games são importantes, ou não criticaria o Rapelay, mas gente de verdade em primeiro lugar.

Há todo um grupo de mangá-kas, gente importante como Machiko Satonaka, pedra angular da revolução dos shoujo mangá, que foi, não sei se ainda é, presidente da Associação dos Quadrinistas do Japão, o louco genial do Go Nagai, a quem é creditada a “invenção” do fanservice, e Tatsuya Chiba, autor de Ashita no Joe. A lista de nomes que está pressionando para que a legislação seja clara e não penalize os mangás é enorme. Segundo eles, a legislação limitaria a capacidade criativa dos autores e autoras, além de violar a liberdade de expressão. Eu acredito que neste caso a regulação deveria partir de um esforço conjunto entre editoras, artistas e editores, mais do que de diretrizes criadas por gente que, muito provavelmente, não entende nada de anime e mangá.

Mas eis que o Missón Tokyo publica parte de uma lista de materiais que, segundo o Departamento de Tokyo para Assuntos Juvenis e Segurança Pública, deverão ser censurados junto, imagino eu, com coisas realmente perigosas: cenas de banho de Shizuka-chan em Doraemon; a calcinha de Wakame-chan aparecendo em Sazae-san; a cena de transformação de Cutey Honey (*para quem não sabe, a personagem é uma adolescente e sua cena de transformação inspirou a de Sailor Moon e tantas outras heroínas*); cenas de Shinozuke mostrando o bumbum em Crayon Shin-chan; nudez de Asuka e Rei em Evangelion.

Se isso passar, e a votação está prevista para setembro, acredito que teremos algo similar ao “comics code” que quase matou a indústria de quadrinhos americana. Censurar qualquer nudez é absurdo, banir o sexo de materiais juvenis simplesmente por ser sexo, também. E há fatores de ordem cultural que precisam ser pesados, e que nada tem, que fique bem claro, com podridões como Kodomo no Jikan ou Kindan - Himitsu no Hanazono da Osakabe Mashin.

Pare terminar, duas palavrinhas sobre essa histeria sobre “pedofilia”. Eu estou cada vez mais preocupada aqui no Brasil com a implementação de leis que alterem a idade de consentimento, atualmente em 14 anos, ou que comecem a caracterizar como “criança” adolescentes de 14-17 anos. Acredito que por trás de uma preocupação legítima com a violência contra crianças e meninas, especialmente, há uma agenda conservadora que deseja duas coisas, a primeira é atrelar pedofilia à homossexualidade, estigmatizando ainda mais os homens gays (*vide a campanha que se faz quando se perseguem os “supostos” padres pedófilos*); a segunda é exercer um controle sobre o livre exercício da sexualidade por parte dos adolescentes.

Lembro que tive um bate-boca muito tempo atrás em um fórum de fãs de shoujo americanas que diziam ser “pedófila” a relação entre Mamoru e Usagi (Serena) em Sailor Moon, porque ela tinha 14 e ele 17 (*ou 18, não lembro direito*) no início do namoro. Ora, uma garota de 14/15 anos não é uma criança e em um país como o Brasil um rapaz de 17/18 não está muito distante dela em termos emocionais ou de amadurecimento. O mesmo valeria para um casal gay ou em que a moça fosse mais velha, ainda que a resistência da sociedade pudesse ser muito grande. Será que ainda veremos, como aconteceu recentemente nos EUA, um rapaz de 18 anos ser denunciado por pedofilia e estupro pelos pais de sua namorada que não queriam que ela transasse e respondendo processo ou indo preso por causa disso? Parem e reflitam.

O mesmo valeria para um adulto de 30 que se interessasse por alguém de 15 anos. Pode ser um sentimento genuíno, ainda que me desagrade; pode ser simplesmente a fixação pela juventude ou mesmo a idéia machista de que o ideal é uma parceira (*ou parceiro*) com a menor experiência possível. Se não houver violência ou qualquer outra atitude criminosa (*drogas/bebidas alcoólicas*) envolvida, passa a ser uma questão de cunho privado a ser decidido pela família e pelo adolescente, não pelo Estado. A castidade é uma opção, não uma obrigação. E cabe aos pais orientarem os filhos e filhas sobre relacionamentos que possam acarretar dano emocional ou físico. Não tenho filhos, mas lembro bem que quando eu tinha lá meus 7 ou 8 anos, meu pai apontou para uma moça de uns 16 e disse algo assim “Minha filha, agora que você é criança, papai diz o que você deve e pode fazer, mas quando você for grande como ela, a maioria das escolhas será sua, papai só poderá aconselhar.”. Ah, mas é mais fácil entregar para o Estado legislar. E é assim que se cria a censura.

Preocupa-me que na ânsia de proteger os mais fracos, alguns sujeitos com uma agenda ditatorial, repressiva e conservador incentivem a histeria para melhor controlar a vida das pessoas. E, para isso, o controle das mídias é fundamental, seja aqui no Brasil, ou no Japão. Trata-se de um fenômeno globalizado e querem pautar a legislação de vários países a partir do modelo americano. Sei que me desviei do ponto, mas precisava comentar aqui. Se eu escrevo no Formspring, nem todo mundo lê. O blog tem muito mais visibilidade. É isso!

P.S.: Para quem não lê inglês, um resumo do “caso Genarlow Wilson” em português “Um juiz da Geórgia (EUA) mandou libertar ontem Genarlow Wilson, 21, condenado a dez anos de prisão por ter praticado sexo oral consentido com uma garota quando ambos eram adolescentes - ele tinha 17 anos, ela, 15. O procurador do Estado disse que vai recorrer da decisão. Wilson, então uma estrela de futebol americano no colégio, foi mandado à prisão em 2005 por assédio a menor de idade, com agravante, após um vídeo do casal vir a público. Ele já cumpriu 27 meses na cadeia. Agora, a Justiça decidiu que sua pena é de 12 meses. O caso mobilizou os EUA, e até o ex-presidente Jimmy Carter entrou na defesa de Wilson.”. O texto saiu na Folha de São Paulo.

7 pessoas comentaram:

Valéria não seria o contrário? digo pois eu vi uma outra versão da mesma nóticia aonde a "lista" feita pela tal secretária na real é um exemplo do que passaria (sendo o funil largo) o que iria realmente se proibir seria a venda deste tipo de material a menores. Mas pode ser que o lugar aonde eu vi, que cita uma fonte japonesa, tenha traduzido errado, ou o próprio texto da lei esteja confuso.

Fonte (vi no animeforces)
http://www.itmedia.co.jp/news/articles/1004/27/news049.html

Olha, João, eu confio no pessoal do Missión Tokyo. É um site bem sério e eles nunca dariam uma bola fora dessas, eu acredito.

É cara, censura demais nunca gera coisa boa...E esses pais hein? Parece que a maioria não pensa nas consequências que é ter um filho. Ficam só ligados nesse lance "ai, meu sonho é ser pai, meu sonho é ser mãe". Ignoram a enorme responsabilidade que filhos trazem e ainda querem ter ajuda do governo para facilitar a criação. Eu espero que que a coisa não se encaminhe pra caminhos extremos. Eu, como leitor de mangás e como filho que não saiu bem o que papai queria (mas ainda sim amado), agradeço.

Oi Valéria tudo bem?
Acompanho seu blog já algum tempo e hoje finalmente resolvi deixar um comentário.
Olha, sempre que vejo essas notícias sobre censura eu fico com medo. Explico.
Você chama de podridão algo como Kodomo no Jikan, por exemplo. Aí um belo dia este tipo de material vai pro limbo e você, claro, vai gostar. Só que logo depois um outro material, que você não tem nada contra, também vai pro saco e aí... você não gosta, vai reclamar que exageraram, que vai contra a cultura local, que os caras são conservadores demais, coisas do tipo.
E sabe por que o material que você gostava tanto foi censurado? Porque a porta foi aberta, quando deixaram passar a faca no KnJ.
Quem censura só quer um desculpa e jamais estará 100% satisfeito. Simples assim.
Portanto mesmo que um material me ofenda, mesmo que ele me cause repulsa, mesmo que eu odeie que o produz eu jamais vou desejar a censura do mesmo. Não podemos dar aos censores um milésimo de espaço que seja - a liberdade de expressão tem que ser total e irrestrita, por mais que isso nos doa.
Hoje eles dizem que A é nojento. Amanhã A vira crime. E depois B, C, D...
Eu já vi este filme antes... lembra do poema do Bertold Brecht?
Abração Valéria.

Shikus, toda a ação regulatória é arriscada. Eu entendo a ação dos mangá-kas e sei que se ninguém gritar contra abusos da legislação a coisa pode descambar para uma tragédia. Mas eu também não acredito que materiais racistas, misóginos, pedófilos, facistas, que façam apologia á violência possam circular somente porque isso seria "liberdade de extressão".

Eu não sou contra regulamentação, ou selos de "desaconselhável para XXX". E eu sou a favor de que lixos como Kodomo no Jikan ou Kindan Himitsu no Hanazono sejam lançados no limbo, sim.

A comparação com Brecht não me parece justa, porque perseguições às quais ele se referia eram baseadas em preconceitos, não em evidências como no caso da apologia à pedofilia em Kodomo no Jikan. Não há defesa para esse material e eu não vou jamais me postar ao lado de quem defenda que esse tipo de coisa circule livremente - ou material ainda mais hardcore - com base em princípios que podem ser usados ao bel prazer como "liberdade de exrepssão".

"liberdade de expressão" não pode se tornar "liberdade de opressão".

concordo com a Valeria, censura é uma coisa assustadora e odiosa,porem tem que haver sim controle e sobre certas obras,tudo que faça apologia á preconceitos e abusos sexuais contra menores tem que ser barrado.

Faço das palavras da Valéria as minhas, concordo com tudo o que ela disse e ainda acrescentária material homofóbico na lista.

Eu modero uma comunidade do Clamp (Tsubasa BR) e sempre tem algum animal lá que entra para ofender sistematicamente as fangirls e fanboys de yaoi. Depois quando eu dou ban eles aparecem com outro profile pra reclamar do ban. O direito de um começa onde termina o do outro, todo mundo deveria respeitar o gosto das outras pessoas sim, desde que não fira a liberdade de ninguém, como os tipos de materiais citados acima. As pessoas acham que ter liberdade é oba-oba e que podem sair falando qualquer merda, não, não é. As pessoas precisam se responsabilizar por aquilo que falam, escrevem e publicam.

Related Posts with Thumbnails