Como achei que a pergunta poderia dar um bom post, decidi trazer para cá. Poderia dar mais um post da série “Me perguntaram no Formspring”, mas acho que merece tratamento diferenciado, tipo coluna do Anime-Pró. A pergunta foi seguinte:
Lembro de um professor de literatura que disse isso em sala de aula uma vez, que a maioria dos romances de banca era escrito por homens, na verdade, um homem só, que nunca tinha saído do Brasil e que simplesmente lia muito e tinha muitos mapas e escolhia suas locações assim, e que usaria vários pseudônimos diferentes que soassem “estrangeiros”, americanos ou ingleses de preferência. O resto, vocês sabem, livros para mulheres têm sempre a mesma história (*ruim*), mulheres são facilmente enganadas, especialmente leitoras de romance popular que deveriam ser todas pobres (*no sentido literal e figurado*) donas de casa que mal teriam o primário ou pouco mais. Mulheres assim são idiotas, e muita gente não tem vergonha de dizer esses absurdos em voz alta.
Às vezes, acredito que essa idéia nos contamine quando pensamos o shoujo mangá. “Ah, deve ter muito homem produzindo shoujo!”. Ué? Por que será isso se por muito tempo eram os homens a maioria dos autores de shoujo e eles usavam seus próprios nomes sem problema? Nomes do peso de Leiji Matsumoto e Shotaru Ishinomori? Por que homens precisariam obrigatoriamente fingir serem mulheres se há um monte de autoras fazendo shounen, seinen, hentai com seus nomes femininos e fazendo sucesso? Contraditório, não?
Eu até acredito que há algumas autoras de shoujo que podem até ser homens. Podem, não quer dizer que são. No entanto, como há homens autores de shoujo bem sucedidos ainda hoje, caso de Mineo Maya e Shinji Wada, não acredito que as editoras devam exigir que seus autores sejam mulheres ou finjam que são. Simplesmente, os interessados em produzir shoujo, josei, BL, são em sua maioria mulheres, e os que dão certo nesse nicho feminino, também. Não deve ser assim no caso do shounen e do seinen? Por que nunca vejo ninguém questionando se não há um monte de mulheres disfarçadas de homem fazendo mangás para garotos?
Eu não sabia que havia editoras que contratavam "pessoas bonitas" para fingir que são autores, até porque acho que a maioria das leitoras e leitores não leia um livro ou mangá imaginando que seus autores favoritos precisem ser bonitos para escreverem bem, para convencerem e criarem personagens inesquecíveis. Será que eu sou uma exceção e o público em geral tenha essa fantasia? Eu lembro no tempo de faculdade que uma vez um colega, muito preocupado com sua própria aparência e que tinha um problema muito sério com o Brad Pitt, comentou com um livro da Mary Del Priore nas mãos que finalmente tinha visto uma historiadora que parecia “mulher”, leia-se que parecia “bonita”.
A maioria de nossas professoras não era realmente bonita, segundo os altos padrões desse colega, e a única que era bonita sob qualquer ponto de vista, não era boa professora, mas a maioria delas dava ótimas aulas, as que eram bonitas e as que não eram, também. Felizmente, para nós mulheres, muitos empregos exigem de nós (*somente*) competência e currículo, não que sejamos “mulheres”, leia-se “bonitas”, para que consigamos fazer bem o nosso trabalho.
Agora, uma fantasia que parece habitar a cabeça de muitos é que muitas autoras bem sucedidas são homens, precisem ser homens. Talvez acreditem que mulheres não consigam manter ritmo de trabalho, no caso de literatura popular e mangá é literatura popular, afinal, elas devem ter “roupa para lavar” e “filhos para criar”. A Gloria Perez falou sobre isso ao pontuar que era a única mulher entre os top novelistas hoje. Para uma mulher não é socialmente aceitável dizer para os filhos e/ou filhas “Vá brincar, mamãe está trabalhando!”. Como assim? Mamãe tem que estar 24 horas disponível, papai é que pode usar essa desculpa. Pegue qualquer episódio da Super Nanny ou do S.O.S. Babá para confirmar isso.
Outra idéia recorrente é que somente homens possam ser criativos e ter idéias, essa é bem forte, inclusive no mundo da ciência. Mas não são a maioria dos grandes escritores e cientistas homens? As mulheres não são minorias. Mas se esquecem dos critérios de exclusão, das mulheres que tiveram seus trabalhos apropriados por irmãos, pais e maridos. Do fato de muitas escolas durante muito tempo fecharem as portas para as mulheres e que nas escolas “para elas” o foco era na educação para a domesticidade. Ainda assim, é chocante pegar a belíssima bolsa que a Livraria Cultura fez com lombadas de livros e procurar e procurar e somente achar uma mulher. Jane Austen, claro! E as irmãs Brönte? Cristine de Pisan? Virginia Woolf? Raquel de Queirós? Cecília Meireles? Simone de Beauvoir? Poderia listar um monte delas, mas no meio de umas três dezenas de autores e grandes livros que enfeitam a bolsa, só encontro nossa querida Jane Austen e seu óbvio Orgulho & Preconceito.
Mais uma das idéias é que mulheres não podem "pensar" e "escrever" como homens. Olha, vou contar uma coisa, nós mulheres somos bombardeadas por um discurso falogocêntrico (falo+palavra/pensamento+centro) o tempo inteiro, é relativamente fácil para uma mulher replicar as maneiras de pensar e se comportar dos homens, o inverso, não, já que ser homem é a “norma”, ser mulher é a “exceção”. E dá menos prestígio ser mulher, vocês sabem. Ainda que eventualmente uma Rowling ou uma Meyer possam ganhar muito, muito, muito dinheiro, elas continuam sendo depreciadas. Um Paulo Coelho, também, mas há muito menos Paulo Coelhos entre os autores do que entre as autoras populares. E isso, claro, não o impede de ser respeitado por um monte de "gente respeitável".
Aliás, falando de Rowling, J.K. é diferente de Joanne. Vejam quão neutro isso soa. Será que algumas pessoas não rejeitariam um livro sobre um garoto mágico se descobrissem de cara que era obra de uma mulher? Quanta gente que curtiu Karekano, o anime, acreditava que o autor era homem? Afinal, a série era tão dinâmica, tão legal que não poderia ser coisa de mulher, mesmo sendo shoujo! Tinha que ser um homem! Mas não era, e houve quem ficasse decepcionado. Voltando ao ponto, na história da literatura é muito mais comum mulheres escreverem usando pseudônimos neutros ou masculinos para venderem seus livros, para serem respeitadas pelo que escrevem, para conseguirem especo em gêneros tidos como masculinos. Isso era muito é comum na ficção científica, e isso no século XX, não na época em que Jane Austen assinava “a Lady” para não envergonhar a família. Um homem não precisaria se esconder. Mas “J.K.” não é um esconderijo? Só que faz muito tempo que Rowling não precisa mais dele.
Falando nisso, essa semana passei por uma experiência meio surreal. Estava lendo no ônibus The Jane Austen Book Club, um romance sobre um grupo de leitores de Jane Austen, e na hora em que o mp4 tocava o tema da série Pride & Prejudice de 1995, fui abordada por uma senhora idosa. Aquelas senhorinhas muito gentis e arrumadas que são comuns em bairros como Copacabana no Rio de Janeiro. Ela parecia com a minha tia avó favorita. Ela sentou do meu lado e puxou conversa. Perguntou se eu estava lendo uma biografia de Jane Austen, se desculpou por estar atrapalhando. Ela achou que estava confundindo a Jane Austen com outra autora. Esclareci que não e ela começou a falar que leu todos os livros dela e citou o básico (Orgulho & Preconceito, Razão & Sensibilidade), disse que viu todos os filmes. Depois, baixou a voz e perguntou “Mas ela era mulher mesmo, não era?”. Eu fiquei surpresa e respondi que “Sim, Jane Austen com certeza era mulher”. Ela suspirou aliviada, eu me controlei para não rir, se desculpou de novo e me deixou lendo o livro, apesar de eu estar doida para conversar com ela.
Talvez a dúvida seja pelo fato dela fazer tanto sucesso ainda hoje. Daí, deve ser homem. Dito isso, eu realmente acredito que a maioria das autoras de shoujo e josei sejam mulheres, e que no Japão não deve ser tão complicado para os homens produzirem mangás femininos. Simplesmente, muitos abandonaram o barco ao longo dos anos 1970, entre outras coisas porque achavam que estavam fazendo algo “menos importante” ou para camuflar que não estavam dando conta de falar para meninas adolescentes e jovens mulheres com a mesma facilidade com que falavam com crianças antes. Mas se, por acaso, realmente houver uma discriminação, lembrem-se do seguinte: segundo o Matt Thorn, a maioria dos editores, mesmo das revistas femininas, são homens. Logo, seriam homens que acreditam que homens não são capazes de produzir mangás para mulheres. Bizarro, não?
Já publiquei aqui no blog entrevistas e materiazinhas nas quais Hagio Moto, Machiko Satonaka e outras grandes pioneiras falam sobre isso. Para quem acha que estou exagerando, basta pegar o capítulo sobre shoujo do livro Mangá de Paul Gravett que saiu aqui no Brasil. Ele também fala sobre isso. Mas acho que o que muita gente aqui no Brasil e no Ocidente ainda estranha é o fato de mulheres poderem viver de quadrinhos no Japão, de serem respeitadas por isso, de produzirem para outras mulheres e para homens, também. E, pior, de muitos homens fora do Japão gostarem das suas histórias. Ora, bolas, muitas devem ser homens. A outra saída é esconder os rótulos, assim, ninguém tem que explicar o que é “shoujo”, “josei” ou “yaoi”, mas isso já daria assunto para outro post.
P.S.: Obviamente, não eram somente as mulheres que tinham que se esconder. Escritores judeus ou negros muitas vezes também tinham que fazer este jogo. Sobre esse assunto recomendo o excelente episódio de Deep Space Nine chamado Far Beyond the Stars em que temos a tripulação da estação em uma realidade paralela (?) na qual o Capião Sisko é um escritor relativamente bem sucedido de um semanário de ficção científica, até que cisma de dizer que o capitão de sua estação espacial é negro. Algo inaceitável, porque os leitores não iriam "se identificar" com o herói. Na mesma revista trabalha uma mulher que usa como pseudônimo K.C. Hunter, pois assim os leitores também não iriam saber que era uma mulher, afinal, ficção científica não é coisa de mulher. Lembra J.K. Rowling em alguma coisa? Se não me engano o mesmo drama é descrito em Billy Bat de Takashi Nagasaki e Naoki Urasawa , só que o autor do mangá dentro do mangá é nipo-americano.
Valéria, você acredita que todas as autoras shoujo são realmene mulheres ou há muitas "Jewel Sachibana" espalhadas por aí? É comum editoras contratarem pessoas bonitas para "interpretar" determinados autores, acha isso possível com os mangás?Para quem não sabe, Jewell Sachibana é o nome artístico de uma das personagens de Otomen (オトメン), um rapaz que usa um nome neutro, jewell/jóia poderia ser um homem, também, para produzir shoujo mangá e que usa seu colega de escola, Asuka, como personagem de seu “mangá dentro do mangá”, chamado Love Chick (ラブチック). No mangá, Asuka é mulher e a menina que é seu interesse romântico, Ryo, é homem. Trata-se de uma paródia, aliás, Otomen é todo uma grande brincadeira, mas parece que a série mexe com a fantasia presente no nosso imaginário que é a de que muitas autoras de livros, neste caso mangás para mulheres, são, na verdade, homens disfarçados.
Lembro de um professor de literatura que disse isso em sala de aula uma vez, que a maioria dos romances de banca era escrito por homens, na verdade, um homem só, que nunca tinha saído do Brasil e que simplesmente lia muito e tinha muitos mapas e escolhia suas locações assim, e que usaria vários pseudônimos diferentes que soassem “estrangeiros”, americanos ou ingleses de preferência. O resto, vocês sabem, livros para mulheres têm sempre a mesma história (*ruim*), mulheres são facilmente enganadas, especialmente leitoras de romance popular que deveriam ser todas pobres (*no sentido literal e figurado*) donas de casa que mal teriam o primário ou pouco mais. Mulheres assim são idiotas, e muita gente não tem vergonha de dizer esses absurdos em voz alta.
Às vezes, acredito que essa idéia nos contamine quando pensamos o shoujo mangá. “Ah, deve ter muito homem produzindo shoujo!”. Ué? Por que será isso se por muito tempo eram os homens a maioria dos autores de shoujo e eles usavam seus próprios nomes sem problema? Nomes do peso de Leiji Matsumoto e Shotaru Ishinomori? Por que homens precisariam obrigatoriamente fingir serem mulheres se há um monte de autoras fazendo shounen, seinen, hentai com seus nomes femininos e fazendo sucesso? Contraditório, não?
Eu até acredito que há algumas autoras de shoujo que podem até ser homens. Podem, não quer dizer que são. No entanto, como há homens autores de shoujo bem sucedidos ainda hoje, caso de Mineo Maya e Shinji Wada, não acredito que as editoras devam exigir que seus autores sejam mulheres ou finjam que são. Simplesmente, os interessados em produzir shoujo, josei, BL, são em sua maioria mulheres, e os que dão certo nesse nicho feminino, também. Não deve ser assim no caso do shounen e do seinen? Por que nunca vejo ninguém questionando se não há um monte de mulheres disfarçadas de homem fazendo mangás para garotos?
Eu não sabia que havia editoras que contratavam "pessoas bonitas" para fingir que são autores, até porque acho que a maioria das leitoras e leitores não leia um livro ou mangá imaginando que seus autores favoritos precisem ser bonitos para escreverem bem, para convencerem e criarem personagens inesquecíveis. Será que eu sou uma exceção e o público em geral tenha essa fantasia? Eu lembro no tempo de faculdade que uma vez um colega, muito preocupado com sua própria aparência e que tinha um problema muito sério com o Brad Pitt, comentou com um livro da Mary Del Priore nas mãos que finalmente tinha visto uma historiadora que parecia “mulher”, leia-se que parecia “bonita”.
A maioria de nossas professoras não era realmente bonita, segundo os altos padrões desse colega, e a única que era bonita sob qualquer ponto de vista, não era boa professora, mas a maioria delas dava ótimas aulas, as que eram bonitas e as que não eram, também. Felizmente, para nós mulheres, muitos empregos exigem de nós (*somente*) competência e currículo, não que sejamos “mulheres”, leia-se “bonitas”, para que consigamos fazer bem o nosso trabalho.
Agora, uma fantasia que parece habitar a cabeça de muitos é que muitas autoras bem sucedidas são homens, precisem ser homens. Talvez acreditem que mulheres não consigam manter ritmo de trabalho, no caso de literatura popular e mangá é literatura popular, afinal, elas devem ter “roupa para lavar” e “filhos para criar”. A Gloria Perez falou sobre isso ao pontuar que era a única mulher entre os top novelistas hoje. Para uma mulher não é socialmente aceitável dizer para os filhos e/ou filhas “Vá brincar, mamãe está trabalhando!”. Como assim? Mamãe tem que estar 24 horas disponível, papai é que pode usar essa desculpa. Pegue qualquer episódio da Super Nanny ou do S.O.S. Babá para confirmar isso.
Outra idéia recorrente é que somente homens possam ser criativos e ter idéias, essa é bem forte, inclusive no mundo da ciência. Mas não são a maioria dos grandes escritores e cientistas homens? As mulheres não são minorias. Mas se esquecem dos critérios de exclusão, das mulheres que tiveram seus trabalhos apropriados por irmãos, pais e maridos. Do fato de muitas escolas durante muito tempo fecharem as portas para as mulheres e que nas escolas “para elas” o foco era na educação para a domesticidade. Ainda assim, é chocante pegar a belíssima bolsa que a Livraria Cultura fez com lombadas de livros e procurar e procurar e somente achar uma mulher. Jane Austen, claro! E as irmãs Brönte? Cristine de Pisan? Virginia Woolf? Raquel de Queirós? Cecília Meireles? Simone de Beauvoir? Poderia listar um monte delas, mas no meio de umas três dezenas de autores e grandes livros que enfeitam a bolsa, só encontro nossa querida Jane Austen e seu óbvio Orgulho & Preconceito.
Mais uma das idéias é que mulheres não podem "pensar" e "escrever" como homens. Olha, vou contar uma coisa, nós mulheres somos bombardeadas por um discurso falogocêntrico (falo+palavra/pensamento+centro) o tempo inteiro, é relativamente fácil para uma mulher replicar as maneiras de pensar e se comportar dos homens, o inverso, não, já que ser homem é a “norma”, ser mulher é a “exceção”. E dá menos prestígio ser mulher, vocês sabem. Ainda que eventualmente uma Rowling ou uma Meyer possam ganhar muito, muito, muito dinheiro, elas continuam sendo depreciadas. Um Paulo Coelho, também, mas há muito menos Paulo Coelhos entre os autores do que entre as autoras populares. E isso, claro, não o impede de ser respeitado por um monte de "gente respeitável".
Aliás, falando de Rowling, J.K. é diferente de Joanne. Vejam quão neutro isso soa. Será que algumas pessoas não rejeitariam um livro sobre um garoto mágico se descobrissem de cara que era obra de uma mulher? Quanta gente que curtiu Karekano, o anime, acreditava que o autor era homem? Afinal, a série era tão dinâmica, tão legal que não poderia ser coisa de mulher, mesmo sendo shoujo! Tinha que ser um homem! Mas não era, e houve quem ficasse decepcionado. Voltando ao ponto, na história da literatura é muito mais comum mulheres escreverem usando pseudônimos neutros ou masculinos para venderem seus livros, para serem respeitadas pelo que escrevem, para conseguirem especo em gêneros tidos como masculinos. Isso era muito é comum na ficção científica, e isso no século XX, não na época em que Jane Austen assinava “a Lady” para não envergonhar a família. Um homem não precisaria se esconder. Mas “J.K.” não é um esconderijo? Só que faz muito tempo que Rowling não precisa mais dele.
Falando nisso, essa semana passei por uma experiência meio surreal. Estava lendo no ônibus The Jane Austen Book Club, um romance sobre um grupo de leitores de Jane Austen, e na hora em que o mp4 tocava o tema da série Pride & Prejudice de 1995, fui abordada por uma senhora idosa. Aquelas senhorinhas muito gentis e arrumadas que são comuns em bairros como Copacabana no Rio de Janeiro. Ela parecia com a minha tia avó favorita. Ela sentou do meu lado e puxou conversa. Perguntou se eu estava lendo uma biografia de Jane Austen, se desculpou por estar atrapalhando. Ela achou que estava confundindo a Jane Austen com outra autora. Esclareci que não e ela começou a falar que leu todos os livros dela e citou o básico (Orgulho & Preconceito, Razão & Sensibilidade), disse que viu todos os filmes. Depois, baixou a voz e perguntou “Mas ela era mulher mesmo, não era?”. Eu fiquei surpresa e respondi que “Sim, Jane Austen com certeza era mulher”. Ela suspirou aliviada, eu me controlei para não rir, se desculpou de novo e me deixou lendo o livro, apesar de eu estar doida para conversar com ela.
Talvez a dúvida seja pelo fato dela fazer tanto sucesso ainda hoje. Daí, deve ser homem. Dito isso, eu realmente acredito que a maioria das autoras de shoujo e josei sejam mulheres, e que no Japão não deve ser tão complicado para os homens produzirem mangás femininos. Simplesmente, muitos abandonaram o barco ao longo dos anos 1970, entre outras coisas porque achavam que estavam fazendo algo “menos importante” ou para camuflar que não estavam dando conta de falar para meninas adolescentes e jovens mulheres com a mesma facilidade com que falavam com crianças antes. Mas se, por acaso, realmente houver uma discriminação, lembrem-se do seguinte: segundo o Matt Thorn, a maioria dos editores, mesmo das revistas femininas, são homens. Logo, seriam homens que acreditam que homens não são capazes de produzir mangás para mulheres. Bizarro, não?
Já publiquei aqui no blog entrevistas e materiazinhas nas quais Hagio Moto, Machiko Satonaka e outras grandes pioneiras falam sobre isso. Para quem acha que estou exagerando, basta pegar o capítulo sobre shoujo do livro Mangá de Paul Gravett que saiu aqui no Brasil. Ele também fala sobre isso. Mas acho que o que muita gente aqui no Brasil e no Ocidente ainda estranha é o fato de mulheres poderem viver de quadrinhos no Japão, de serem respeitadas por isso, de produzirem para outras mulheres e para homens, também. E, pior, de muitos homens fora do Japão gostarem das suas histórias. Ora, bolas, muitas devem ser homens. A outra saída é esconder os rótulos, assim, ninguém tem que explicar o que é “shoujo”, “josei” ou “yaoi”, mas isso já daria assunto para outro post.
P.S.: Obviamente, não eram somente as mulheres que tinham que se esconder. Escritores judeus ou negros muitas vezes também tinham que fazer este jogo. Sobre esse assunto recomendo o excelente episódio de Deep Space Nine chamado Far Beyond the Stars em que temos a tripulação da estação em uma realidade paralela (?) na qual o Capião Sisko é um escritor relativamente bem sucedido de um semanário de ficção científica, até que cisma de dizer que o capitão de sua estação espacial é negro. Algo inaceitável, porque os leitores não iriam "se identificar" com o herói. Na mesma revista trabalha uma mulher que usa como pseudônimo K.C. Hunter, pois assim os leitores também não iriam saber que era uma mulher, afinal, ficção científica não é coisa de mulher. Lembra J.K. Rowling em alguma coisa? Se não me engano o mesmo drama é descrito em Billy Bat de Takashi Nagasaki e Naoki Urasawa , só que o autor do mangá dentro do mangá é nipo-americano.
14 pessoas comentaram:
Muito bom este post. É difícil acreditar que ainda tenha gente com um pensamento tão limitado.
Poxa, faz tempo que não comento aqui, mas agora tenho que parar para elogiar este excelente post. Isso me lembra como sinto falta de suas colunas no Anime Pró. Será que um dia elas voltam? Abraços.
Incrível como vc distorceu a minha pergunta. Me desculpe mas as vezes eu acho que vc está naquelas gincanas da Xuxa pensando que a vida é uma grande competição de meninos contra meninas.
Meu objetivo com a pergunta foi perguntar se vc acha que pode haver homens assinando como mulheres nas revistas shoujo, simples assim, sem segundas intenções e sem querer desqualificar o trabalho de ninguém, nenhuma mulher (ou homem). Até porque acredito que mulheres e homens são iguais e têm capacidades iguais dadas as devidas diferenças fisiológicas.
Para a sua informação, sim, há muita gente que suspeita que vários autores de shonen mangá que assinam como homem sejam mulheres. Quer um exemplo? Tsugumi Ohba, autor de Death Note. Qualquer um que leu a série já escutou falar nos boatos do autor ser uma mulher (o que foi posteriormente refutado, já que se sabe hoje em dia que era o autor de uns gags mangás que não deram certo na Jump, talvez ele tenha mudado o penname para não associarem as novas obras aos fracassos anteriores).
Como eu li Harry Potter e acompanhei o fenômeno desde o seu começo posso dizer que desde que saiu o primeiro livro da série foi amplamente divulgado que a autora era uma mulher (e lembre-se que há a foto da autora no livro).
É bom lembrar que teve um homem que usava o nome Sidney Sheldon e esse homem escreveu uma vintena de livros e deve ser o autor mais bem sucedido do século passado, já que todos os seus livros vendiam como água tanto para homens quanto para mulheres. Livros esses que eram quase sempre protagonizados por mulheres e são sucesso de público até hoje. Se os homens não conseguem emular mulheres tão bem porque o Sidney Sheldon vendeu centenas de milhões de livros e agradou tantos homens e mulheres?
Eu concordo com você nas suas colocações, mas o objetivo da minha pergunta não era esse mesmo, e penso o oposto que homens que tentem entrar para a carreira de shoujo mangaká podem ser discriminados por serem homens.
Conheço pelo menos 5 homens (heterossexuais) que lêem revistas como Nova (ok, não é o melhor dos parâmetros, mas foi o que me veio à mente agora) para tentarem entender as mulheres, porque eles amam suas parceiras e querem entender as suas motivações e mesmo o que as satisfazem (o mais engraçado é que quando um dos meus amigos me disse isso uma amiga que estava perto de nós escutando a conversa riu da cara dele).
Trabalhando com empréstimo domiciliar de livros lidando com o público há mais de 5 anos e emprestando cerca de 20 livros por dia eu nunca ouvi nesse tempo todo alguém reclamar que não iria levar um livro porque tinha sido escrito por um homem ou uma mulher.
Kadu, com todo o respeito, eu não escrevi esse post para desqualificar a sua pergunta, mas para ilustrar uma questão. Aliás, o causo da senhora da pergunta aconteceu esta semana e não foi invenção minha.
Se a J.K.Roling lançou seu primeiro livro na Inglaterra - sabe, no inciozinho quando pagaram muito pouco por ele - e já sabiam que era mulher porque ela tinah ampla divulgação na mídia desde o primeiro sia (*coisa que nãoa conteceu*), ótimo. Mas isso não invalida o que eu pontuei.
Quanto a discriminar autores, isso existe e é muito comum, ou ninguém precisaria ao longo da história esconder quem é. Os casos da ficção científica (negros, mulheres), os casos das mulheres autoras são históricos e comprovados e você como bibliotecário deveria conhecê-los.
Que bom que seus leitores NUNCA discriminam, deve ser um ótimo mundo esse que você vive, mas você como conhecedor desse mundinho dos fãs d emangá sabe que isso é muito comum. E Sidney sheldon, exatamente por escrever livros para mulheres, sempre foi alvo de chacota. Claro, que com os bolsos cheios, dane-se o mundo.
E, na boa, se alguém achava que o autor de Death Note com aquela misoginia toda era mulher, é um idiota. Porque como meu marido falou aqui do lado acabou de dizer "Death Note é coisa de homem que odeia e tem nojo de mulehr e gosta de homem". Pena que ele nunca se dê ao trabalho de escrever por aqui, mas eu pedi, talvez ele até se d~e ao trabalho, afinal, vão dizer que eu estou distorcendo as palavras dele, porque acho que estou "naquelas gincanas da Xuxa pensando que a vida é uma grande competição de meninos contra meninas".
E de uma próxima vez, assine a pergunta, pois não custa nada.
Só para completar, tenho as edições inglesas de HP aqui. Não falo das edições nacionais que foram traduzidas depois do boom. Você acompanha o fenômeno desde quando? tem as edições inglesas ou as nacionais?
Nenhuma das edições inglesas que tenho aqui, e que são ou reedições das originais ou primeiras edições, nem as paperback, nem as hardcover dizem que J.K.Rwling é mulher, trazem foto ou biografia da autora. NADA!!!! E, ainda assim, literatura infanto juvenil é terreno onde as mulheres não tem grandes problemas faz pelo menos 1 século, mais até.
Aind assim, ela escolheu um pen name neutro.
Desculpe, eu me irritei na hora pq o sentido da minha pergunta foi outro. Não assinei a pergunta pq não lembrei de fazê-lo na hora. Não sou bibliotecário, sou assistente de biblioteca, sou licenciado em biologia, mas prefiro lidar com livros do que com alunos (não sei como você tem paciência).
Acompanho o boom de Harry Potter desde pouco antes do livro ser publicado por aqui, não tenho as edições inglesas (só no trabalho), mas na época do boom todo mundo já tinha visto entrevistas com ela. Acredito que desde o primeiro livro ter se tornado um sucesso ninguém tenha alguma dúvida.
Realmente as mulheres vão muito bem na literatura infanto-juvenil, acredito até que devem ser maioria. De cabeça me lembro da Condessa de Ségur que escreveu literatura infanto-juvenil já no começo do século XIX. Da nossa literatura a escritora mais antiga que eu me lembro é a Sra. Maria Dupré (aka Sra. Leandro Dupré rsrsrs), mas não consigo lembrar de mais ninguém produzindo literatura infanto-juvenil antes dela, só Monteiro Lobato.
Sobre Death Note, com todo o "òdio às mulheres" ou não sempre vi comentários de que o autor era uma mulher (fora outros que não lembro agora). Acho que não é absurdo dizer que há muitas mulheres que acham(foram ensinadas) que o próprio sexo inferior e criam seus filhos para serem machistas. Além de tudo essa posição misógina pode ser muito bem uma posição editorial, autores não fazem tudo que querem. Boa parte dos eromangás e feita por mulheres e ninguém suporia que são mulheres escrevendo sobre mulheres-objetificadas etc.
Pois é, mas quando o primeiro livro saiu, a autoria não deve ter ficado clara. "J.K.", usar iniciais, sempre foi uma saída para tentar dar ar neutro ao que não era.
Quanto à Death Note, realmente, acho muito difícil que mesmo a masi misógina das mulheres pudesse escrever aquilo. Porque não é como no steamy shoujo, que você coloca a protagonista idiota-objetificada, em Deth note o autor faz questão de humilhar, ele coloca mulheres altamente competentes para depois destruí-las mostrando, sempre, que elas não são coisa alguma, não valem nada, não são capazes de nada diante de seus personagens homens. é mais que machismo, e não parece machismo típico "de mulher". Se você me entende.
Mas não queria que você ficasse aborrecido. Não me zanguei com a pergunta em si, só via oportunidade de escrever um post mesmo. Mais até porque convergiu com o "causo" da velhinha do ônibus.
Sei que não concordamos em muita coisa, mas acho vc um dos melhores leitores do meu blog. Não tem o título de meu "inimigo de estimação", porque não chega a tanto, e porque ele pertence ao Lancaster mesmo. ^_^
Ah, o post de josei, eu escrevi por causa da sua correção no Twitter.
Que isso Valéria, eu só me aborreci em um primeiro momento (acho que foi o calor do momento). Gosto de você, acho suas opiniões um tanto radicais as vezes, mas concordo em boa parte.
Quando eu vejo algo que não concordo e acredito que minha opinião pode ser construtiva de alguma forma eu falo, porque acredito que através da exposição das nossas ideias nós nos tornamos pessoas melhores. Tentar conhecer o ponto de vista alheio é essencial já que nós seres humanos somos animais gregários.
Sobre Death Note eu prefiro não comentar muito, mas não são só as mulheres que não prestam, os homens tbm não prestam. Antes do L morrer fica bem claro que ele só não usa das mesmas artimanhas (assassinatos) por causa de regras dos joguinhos mentais dele.
E eu nem acho essas mulheres retratadas em Death Note tão irreais assim no Japão que é uma sociedade tão desigual.
Você está esquecendo da agente do FBI. Ela não é japonesa, e ela é transformada no que foi...
Já com os homens, a coisa é diferente.
Quanta gente que curtiu Karekano, o anime, acreditava que o autor era homem? Afinal, a série era tão dinâmica, tão legal que não poderia ser coisa de mulher, mesmo sendo shoujo!
Aposto que esse pessoal deve dar os créditos de tudo que tem de bom em Karekano ao diretor-de-Evangelion-marido-da-Moyoko-Anno-que-eu-esqueci-o-nome. :P Mas as melhores sacadas quem escreveu foi a Tsuda...
Bem, sobre autores de shoujo homens, acho que a coisa deve complicar quando o público alvo são meninas entre sei lá, seus 8~13 anos? Por causa do contato entre o leitor e o autor, talvez essas meninas não se sintam à vontade de compartilhar suas opiniões e sentimentos com um homem. Sei lá, vai saber que tipo de mensagens essas pessoas compartilham com os autores de mangá. XD
Mas não sei se tem muitos homens escrevendo shoujo/josei mangá no Japão, deve ser bem raro. Até entre os títulos shounens mais famosos tem várias autoras que são mulheres. :P As autoras de Full Metal Alchemist, D.Gray-MaN e Saint Onii-san são mulheres, e deve ter mais um monte, mas eu tô bem desatualizado. (Ah, meio nada a ver, mas a autora de D.N.Angel, Yukiru Sugisaki, é mulher, por algum motivo eu e todas pessoas que perguntei achavam que tudo nos mangás dela fazia parecer que se tratava de um autor homem.)
E na verdade tem algumas histórias no Japão que tratam desses homens que usam um ator pra se passar por "autora do mangá". Talvez exista uma vergonha de se expor como autor de shoujo mangá? Não sei... Acho que como dita o "senso comum", shoujo mangá trata obrigatoriamente de histórias de amor e intimidades femininas, talvez algumas pessoas se sintam envergonhadas de mostrar que conseguem pensar e conhecem tão bem o lado feminino, mas claro, eu digo isso como sendo um conceito comum entre as massas. A primeira história tratando isso que vi foi o dorama Himitsu no Hanazono (O Segredo de Hanazono/O Jardim Secreto) onde uma moça que trabalhava numa revista de moda é transferida pro setor de mangás e tem que se tornar editora de uma famosa mangaká shoujo (Hanazono Yuri, jardim de lírios :P), mas descobre que na verdade essa mangaká são 4 irmãos homens. Eventualmente essa moça é obrigada a se apresentar como a autora dos mangás. A segunda história que vi foi Kame no Naku Koe (O Choro da Tartaruga) da Nishi Keiko :D onde um cara com uma imagem de sério e másculo escreve secretamente histórias shoujo, mas nunca teve coragem de enviá-las pras editores nem de mostrá-las pra ninguém e um dia ele encontra uma estudante colegial louca da cabeça que fica muito emocionada com a história que ele escreveu e o arrasta até Tóquio pra apresentar o mangá numa editora, mas ela acaba se passando como a autora das histórias. E a terceira é Otomen, mas acho q eu não preciso explicar. XD
Bem, eu vou deixar o link pra raw do capítulo 1 de Kame no Naku Koe. Infelizmente só tenho isso. Pude ler o resto porque comprei o mangá... ._. (Só tem 1 volume.) -> http://www.4shared.com/file/Ij_jwzIr/Zasshi_Scans_NISHI_Keiko_Kame_.html
Ah e tem várias mangakás casadas e mães. :P De cabeça me lembro da Reiko Shimizu (autora de Himitsu e Kaguya Hime) e da Karuho Shiina (a autora de A Decepção da Década, ops, digo... Kimi ni Todoke).
Eita, acho que esse comentário tá uma bagunça, mas whatever. XD
Excelente post!
Achei engraçado saber que algumas pessoas acharam que o autor de Death Note é mulher...! Sempre achei uma série tão masculina, em tantos sentidos.
A muito bem paga Rumiko Takahashi desenha para homens.Há alguns homens no ramo do BL/yaoi e eles usam nomes masculinos mesmo, por mais que possa "pegar mal" que um homem escreva histórias gays para mulheres.
Ou será que no BL seria o contrário e pensar que um homem está desenhando e escrevendo seria mais empolgante?
De qualquer forma, as grandes estrelas do BL são mulheres e algumas delas até bem jovens e bonitas.
Acho que o que acontece no caso de Jewel Sachibana, é o que acontece quando qualquer autor(a) de BL não identifica o seu gênero. O mais imediato é que pensemos ser uma mulher.
Aliás tem um BL meio PWP que trata desse assunto (acho que é bem comum no mundo yaoi), o Sensitive Pornograph.
Um desenhista de mangá é "apaixonado" pelo trabalho de alguém que ele presume ser uma autora (já que desenha um yuri tão lindo e sensual) e depois descobre que a tal mangaka é um rapaz!
Em Kirepapa a premissa é parecida, um escritor adora o trabalho de outra "autora" e por aí vai.
"Como eu li Harry Potter e acompanhei o fenômeno desde o seu começo posso dizer que desde que saiu o primeiro livro da série foi amplamente divulgado que a autora era uma mulher (e lembre-se que há a foto da autora no livro)."
...acompanhou desde o começo onde?? Aqui no Brasil? Quando Já era sucesso lá??
Pois então, fique sabendo que J. K. Rowling deixou o nome dela abreviado desta forma porque o editor dela disse que se soubessem que ela era mulher, não iam querer comprar o livro!
Ághata, até desconfiava que seria isso. Mas você sabe se existe link para essa entrevista dela pór aí? Seria interessante para colocar aqui no post.
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