domingo, 7 de março de 2010

Comentando o filme Direito de Amar



Ontem assisti A Single Man, filme de estréia de Tom Ford como diretor e produtor, e protagonizado por Colin Firth. Gravei no Shoujocast (*que daqui a pouco deve ir ao ar*) minhas impressões, mas acho que deixei escapar algumas coisas. Daí, senti a necessidade de comentar por escrito. Primeira coisa, o título do filme. Como A Single Man virou Direito de Amar? É para concorrer com Up in the Air que virou Amor sem escalas? E pior, a protagonista não luta pelo “direito de amar” em nenhum momento do filme, ele não luta contra nada em absoluto... Mas o que vai pela cabeça de quem nomeia as coisas? Talvez quisessem vender um grande drama romântico gay, coisa que o filme não é.

Para quem não sabe, o filme se passa em 1962 e conta a história do último dia na vida do professor universitário George Falconer. O drama de Falconer começou oito meses antes quando recebeu uma ligação avisando que seu companheiro de 16 anos, Jim, havia morrido em um acidente de carro. A ligação, dada furtivamente por um dos primos de Jim, anunciava a desgraça de ser homossexual naquele contexto: os pais do rapaz não queriam que Falconer fosse avisado, ele não era bem-vindo aos funerais e, claro, para o bem da sua imagem pública, ele não poderia expressar o seu luto, pesar e desespero. Invisível na sua dor, Falconer decide que não pode e não quer mais viver e planeja meticulosamente o seu último dia de vida.

Começado o filme, encontramos um Colin Firth que parece carregar as dores do mundo, cercado por gente insensível, vazia, alienada e tomada pelo medo irracional. Sim, 30 de novembro de 1962, o mundo estava no meio da crise dos mísseis e o mundo à beira da III Grande Guerra. Pois bem, certo de sua morte e de que a morte é o destino de todos, Falconer não está nem aí para a histeria. E ela é sugerida em vários momentos, como, por exemplo, no imenso cartaz do filme Psicose que aparece em uma das cenas.

Na universidade, Falconer pela primeira vez dá uma aula para seus alunos e alunas – obtusos, desinteressados, individualistas e/ou tímidos – sobre a sociedade do medo das minorias, que é o medo que alimenta a sociedade americana. Medo de quem? De Cuba tão pequenina (* e esse medo persiste, não é?*). Medo que transbordou no holocausto dos judeus. Medo de quem é diferente. Ele não toca nos gays, mas fala que para sobreviver minorias são invisíveis. Depois da cena, corra e pegue A História do Medo no Ocidente de Jean Delumeau para ler. É o melhor complemento. Já os alunos, salvo somente um, não entendem nada.

Mas além do medo, há a questão da violência. Cena mais bonita do filme: vizinho lourinho de Falconer pega uma bela borboleta que pousara sobre as flores do bem cuidado jardim de classe média. Tudo lindo e perfeito, não é? Cena seguinte, a criança mata a borboleta por prazer. Ela tem desprezo pela vida alheia, pela beleza e porta uma arma o tempo inteiro. É de brinquedo, mas logo, logo, será de verdade. E a cena da loja de armas, quando Falconer vai comprar as balas do revólver, expressa bem esse quadro da “sociedade da violência”. Complemento perfeito? Bowling fo Columbine do Michael Moore.

A perda do companheiro, os vizinhos insípidos, os alunos alienados, os colegas de trabalho paranóicos (*reconheci o protagonista de Pushing Daisies*) com a III Guerra e seus abrigos antimísseis perfeitos. Por que Falconer não tem um? Olha que você pode ficar de fora! Me lembrou aqueles testes da aula de psicologia da educação (*colegas meus me contaram, esse tipo de aula constrangedora eu não tive*): em caso de guerra de destruição em massa, quem você levaria para o abrigo? Na lista das possíveis escolhas sempre havia um homem gay e muitos alunos e alunas diziam que não o levariam consigo, mas poderiam levar o ladrão, o estuprador e outros. Gente normal, vocês sabem. Falconer não se importa. De que vale viver em um mundo sem beleza ou um mundo sem Jim?

Agora as outras duas personagens interessantes do filme: a amiga inglesa louca, Charley, e o aluno bonitinho e insistente, Kenny Potter. Charley interpretada por Julianne Moore rende, talvez, o melhor momento de interpretação do filme. Ela e Colin Firth fazem uma dupla excelente, as personagens, que em algum momento foram amantes quando estavam em Londres, estão ambas perdidas e deprimidas mostram bem os dramas da época.

Charley viveu um casamento de nove anos e teve um filho, é rica e refinada, mas não tem nada. Se fosse um homem teria a carreira. Falconer a aconselha a voltar para casa, Londres, e reconstruir a sua vida. Ela recusa e diz que ele era seu homem ideal e que ele não estaria sozinho se tivesse tido um amor (ela), se casado, e tido filhos. Até aí, o único momento de descontrole da personagem de Firth tinha sido a morte de Jim, que ele chorou no colo de Charley, mas o novo rompante é importante: como dizer que o amor que ele viveu, 16 anos de companheirismo e fidelidade, não era “de verdade”. Em que o casamento desfeito e o filho ausente dela eram mais reais que o que ele viveu? Se a questão dos direitos dos gays foi colocada abertamente em algum momento foi nesta cena. E direitos mínimos de terem suas vivências respeitadas, sua afetividade respeitada, de não serem invisíveis. Não vou continuar, Julianne Moore ganhou indicação para o Globo de Ouro, poderia ter levado para o Oscar, também.

Já Kenny é o aluno visivelmente queer de George. E como o gaydar desse pessoal funcionava bem nesse filme! Vide o espanhol lindinho que esbarrar no Firth em um dado momento (*ele e o Firth conversam em espanhol, uma graça*). Talvez, por questão de sobrevivência era necessário ter essa percepção bem aguçada, talvez, tenha sido forçação do filme. O fato é que é Kenny que traz um sopro de vida no dia da morte de George Falconer. E não pensem que rola sexo ou qualquer coisa. Todas as cenas de afetividade homoerótica são de Jim e George em flashback. Mas Kenny é um chato e ao mesmo tempo é uma gracinha (*parece um aluno que eu tenho*). E, no fim, o filme que é muito, muito triste, fica, de repente, muito feliz. E eu não posso dizer mais nada. Eu não chorei no filme, mas meia hora depois fui invadida por uma tristeza ou sei-lá-o-que tão grande que estou meio deprimida até agora. (*Da próxima vez, escolha uim filme pipoca*) Certeza da morte e a recuperação da vontade de viver ao se apreciar as pequenas coisas belas ao seu redor. É o tema do filme para mim.

Estão elogiando muito o Colin Firth, mas ele não vai ganhar o Oscar. Como já vi este homem fazer de tudo, seu magnífico desempenho como George Falconer não me surpreende. O que me deixou realmente assustada foi a capacidade do diretor, Tom Ford, em acertar de primeira. A fotografia do filme, a escolha das texturas, a velocidade da câmera, tudo é excelente, a combinação disso tudo com a bela música. O desempenho dos atores certamente dependeu do olhar e da mão do diretor. Como Tom Ford é estilista, o figurino foi dez. Sabe que foi muito injusto A Single Man não estar entre os dez indicados? É melhor que Educação. E injusto Tom Ford não receber indicação para diretor. Afinal, não indicaram o protagonista pereba de Guerra ao Terror para melhor ator?

Enfim, valeu o esforço de esquecer o cansaço e meu braço machucado (*caí feio na sexta à noite*) para ir assistir. (*Fora que prometi para mim mesma que vou ir ao cinema pelo menos três vezes por mês este ano*) O filme deve ficar somente uma semana em cartaz no Embracine (*fizeram o mesmo com Preciosa aqui perto de casa*), já que estreou em duas sessões somente e o Colin Firth não vai ganahr nada. Eu veria de novo e vou comprar o DVD, com certeza. Valeu a pena esperar, e valeu ter assistido. Me fez pensar até agora. E é filme para qualquer audiência, não é um filme gay na temática, embora o ponto de partida do drama (*o sofrimento de Falconer pela perda do companheiro*). É um filme protagonizado por uma personagem que é homossexual, é verdade, mas, acima de tudo, é uma história sobre alguém que perdeu o rumo com a morte da pessoa amada. Quanta gente que vive longos casamentos acaba se deixando morrer quando perde a esposa ou o marido. Vocês devem conhecer alguém. Eu certamente conheço.

4 pessoas comentaram:

Poxa...Amei a resenha! Tô muito curioso com esse filme, e partindo do elenco sensacional, não me espanta que esse filme seja ótimo! Gosto do Colin Firth, acho Giuliane Moore uma diva do cinema e o tal aluno dele eu já conhecia da série britânica adolescente "skins" que é muito boa! Pior que eu só vou ter dinheiro fds que vem :( Espero conseguir ver!

Olha, Valéria. Gostei muito de tudo que li sobre o filme e seus comentários me fazem querer ver aidna mais.
So acho que essa surpresa quanto ao Tom Ford ser bom não é tão surpresa assim, ele é estilista e já lidou muito com comerciais sejam campanhas em fotos, seja campanhas em comerciais de tv, catálogos de moda fazem parte da vida dele, então não é exatamente uma grande surpresa que ele tenha know-how técnico.

Eu não conheço nada do trabalho do Tom Ford. E fazer comercial não é a mesma coisa que fazer um filme de quase duas horas.

Vou fazer uma recomendação. Talvez vc goste. O documentário sobre o Isherwood (autor do livro A Single Man) e o parceiro dele, chamado Chris & Don: A Love Story. Ele escreveu A Single Man quando os dois tiveram uma crise no relacionamento. Ele não conseguia se imaginar solteiro depois de tanto tempo com uma pessoa só. Como ele iria recomençar? Daí o título do livro.

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