terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Comentando Ōoku volume #2: Melhor Impossível!!



Não posso deixar para mais tarde, preciso comentar Ōoku: The Inner Chamber (大奥) #2. Comecei a ler faz algum tempo e fiquei enrolando, pois as primeiras páginas me pareceram muito difíceis. O ritmo lento, o inglês arcaico complicado de digerir, mas passado o primeiro momento e a dúvida se Ōoku realmente era tudo aquilo, foi impossível parar. Entendo a reclamação dos americanos, a escolha do inglês arcaico é uma faca de dois gumes, pois se consegue estabelecer o devido afastamento em relação ao passado, também torna a leitura mais complexa do que precisava ser. Enfim, Ōoku não é Black Bird que você lê em quinze minutos, é uma obra literária mesmo, complexa e exigente. E quer saber porque eu estava achando mais difícil? É que os monges do início do volume supostamente estariam falando na variante de Kyoto, mais elaborada e pomposa. Daí, é como subir dois degraus acima no inglês que já era pedreira. Mas prefiro o discurso dos monges ao arcaico coloquial que me aparece lá para frente.

Que forma péssima de começar uma resenha, não é? Mas traduz um pouco da ansiedade em falar do livro. Vamos por as coisas em ordem agora. Quando terminou o primeiro volume a Shogun Yoshimune estava lendo a “Crônica de um Dia Agonizante”, o livro que narra como a varíola vermelha dizimou boa parte da população masculina e as mulheres passaram a ocupar os postos que eram dos homens, ainda que usando os títulos no masculino. Aqui, pontuo de novo o único calcanhar de Aquiles da obra: 80 anos é muito pouco para que se esqueçam costumes, tradições e modos de vida, para que tudo seja reformado. Mas, se conseguir esquecer isso, Ōoku ganharia uma nota maior que 10.

Pois bem, o volume #2 começa em 1634, dois anos após o começo da epidemia e cerca de 30 anos depois do início do Shogunato, e mostra a morte do Shogun Iemitsu, contaminado pela varíola vermelha. Sua ama, Lady Kasuga, chefe do Ōoku, e que tinha muita ascendência sobre ele, começa a tecer um plano para evitar que o país mergulhe em uma nova guerra civil, que o sangue dos Tokugawa desapareça e que o Shogunato seja destruído.

Daí temos um salto e vemos o jovem, inteligente, nobre e belo abade Arikoto, do monastério Keiko-in, se deslocando para prestar sua reverência ao Shogun. O rapaz é extremamente virtuoso e piedoso e fica chocado com a destruição feita pela varíola vermelha. Em Kyoto, a doença ainda não tinha se espalhado tanto. Chegando ao palácio do Shogun, ele é primeiro convidado a ficar, depois sua partida é retardada por ardis, por fim, lhe oferecem prostitutas para distrair e ele seus monges. Diante da resistência do jovem que se recusa a capitular, um de seus monges é morto diante de seus olhos, assim como uma das cortesãs, e seu noviço será o próximo. Arikoto é obrigado pela violência a abdicar de seu voto de castidade (*deve se deitar com uma das prostitutas*) e ficar no Ōoku, pois Lady Kasuga o escolheu para ser amante do Shogun, um homem de 37 anos que tinha preferência por rapazes bonitos. Mas antes disso, seu cabelo precisa crescer e ele precisa aprender as maneiras do Ōoku.

Qual não é a surpresa ao se descobrir que, na verdade, Lady Kasuga conseguira manter em segredo a morte do Shogun usando seu próprio filho como kagemusha. Na verdade, o Shogun é uma moça de 17 anos, obrigada a se vestir como um rapaz. Filha bastarda do Shogun, em uma das poucas vezes que se deitou com uma mulher (*ele estupra uma moça da cidade só por diversão*), ela é a única esperança da linhagem Tokugawa. Ela não tem nome, oficialmente não existe, somente uma meia dúzia de cortesãos sabe da verdade e os seletos membros do Ōoku, nesse momento, quatro homens, um deles Arikoto.

Eu achei que seria difícil gostar do segundo volume sem a presença de Yoshimune e das outras personagens do volume #1. Estava enganada. Mesmo a terrível (*sim, a mulher é capaz de tudo e é um gênio do planejamento político*) Lady Kasuga é uma personagem apaixonante, no seu amor incondicional pelo Shogun Iemitsu e, por conseguinte, por sua filha. Arikoto nem se fala, o sujeito é de uma nobreza tão grande, no sentido de elevação moral mesmo, que poucas vezes senti tanta pena de uma personagem literária, cheguei a imaginar que ele iria se matar ou ser morto mais cedo ou mais tarde.

Se tivesse lido as notas do fim antes de concluir o volume, saberia que ele realmente existiu, mas era ela. E que foi uma abadessa transformada à força em amante do Shogun Iemitsu. Dito isso, e já li o resumo do volume #3 (*Só em abril... *TRISTE*), sei que é ele que vai ser a mente que vai transformar o Ōoku naquilo que ele se tornou. Ou seja, é ele quem vai, junto ao a filha de Iemitsu estabelecer o sistema que vimos no volume #1.

A moça filha do Shogun (*sujeitinho desprezível*) no início parece uma menina mimada, mais uma das obras de Lady Kasuga, mas, na verdade, é uma criatura assustada e solitária. (*a seqüência em que ela é tirada da mãe...*) Não posso contar os motivos, pois o spoiler pode tirar o prazer da leitura, mas é reconfortante saber que Arikoto e ela vão formar efetivamente um casal. O romance dos dois – e eles terminam o volume sem sequer se beijarem – é construído com extrema delicadeza e marcado por momentos de forte tensão. Como disse no volume #1, o Ōoku é um lugar de corrupção.

O resuminho do volume #3 já sinaliza que Arikoto e a filha do Shogun não conseguiram ter filhos homens. E é importante frisar isso, porque ainda se trata de salvar o regime, ninguém está tentando colocar as mulheres no poder, ainda que Lady Kasuga seja de fato a governante. A filha do Shogun terá que se deitar com vários homens para cumprir seu dever, e dever é uma palavra chave neste volume, acredito que o fiel noviço de Arikoto será um deles. Acho (*certeza não tenho*), que é ele adulto na capa do volume #4, ou pelo menos, parece.

De qualquer forma, sabemos que por mais que Lady Kasuga queira que as coisas continuem funcionando da mesma maneira, e a burocracia pode garantir isso por um tempo, o mundo está mudando. Em um dos breves momentos fora do Ōoku, vemos uma família de pequenos senhores de terra, lamentando a perda do patriarca. A mãe do morto diz que o neto, uma criança, assumirá seu posto. A mãe do menino diz que não, que ela irá assumir, tomar o arado se necessário. A velha fica chocada, mas a mulher avisa que não há mais homens suficientes, as mulheres terão que assumir seus papéis e que é ridículo acreditar que um menino pequeno possa fazer o trabalho melhor que uma mulher adulta.

Sabe aquilo que me revoltou no terceiro filme da Trilogia do Anel? Pois é, aqui ninguém vai dar arma até na mão de um garoto de 8 anos, porque mulheres adultas não servem para lutar. Aliás, bastava pegar a História, mas parece que repetir cantilenas misóginas é mais fácil. E veja que nessa seqüência que descrevo de Ōoku, é um confronto entre duas mulheres, testemunhadas pelas crianças, meninos e meninas, pois as mulheres têm um papel enorme na construção dos papéis de gênero e na perpetuação das desigualdades que tornam suas vidas miseráveis. Ponto para Yoshinaga!

Até os motivos para isolamento do Japão são explicados neste volume: é preciso manter a notícia de que os homens estão morrendo fora do alcance dos estrangeiros. Lady Kasuga dá o veredito: vamos culpar os cristãos e dizer que o Shogun quer o monopólio do comércio exterior. Só repetindo, nesse momento, a peste não se espalhou ainda, há o risco de que Edo – capital do Shogunato – seja invadida e que exploda uma guerra civil caso os outros grandes senhores saibam que o Shogun morreu. Aliás, o que morre de gente nesse volume para que o segredo seja guardado é assustador.

Agora, só uma coisa para fechar: é muito curioso ver que, até o momento, Yoshinaga esteja descrevendo somente romances heterossexuais no Ōoku. As relações homossexuais descritas ou são substitutivas (*só há homens no Ōoku*), ou marcadas pela violência (*e acho que ela fez uma homenagem ao momento mais cruel de Tooma no Shinzou neste volume*), ou pervertidas. Não existe em Ōoku até o momento homossexual simpático, como o Ono de Antique Bakery, não sei o que virá depois, claro.

Mas que ninguém pense que se trata de um material homofóbico ou de um elogio conservador à heteronormatividade. Simplesmente, a posição de passivo – neste caso mulher ou um rapazinho – é uma posição inferior, desprezível para um samurai. Arikoto tem que sofrer essa acusação, porque todos os que não sabem o segredo acreditam que ele se vendeu para o Shogun, que ele se colocou em posição de mulher. E, neste momento, o único elogio: o amante de Nobunaga, que não foi Shogun, mas ajudou a montar o sistema, servia o senhor da guerra somo amante e serviçal (*o termo em japonês é o-koshō, em inglês eles usam catamite*), só que pegava em armas e ia para o campo de batalha com ele. Arikoto é um monge, não um guerreiro, além disso, é “belo como uma mulher”, logo, ele é o “passivo” e, portanto, em uma sociedade patriarcal, desprezível.

Enfim, é um volume emocionante, violento demais, e, ao mesmo tempo, carregado de beleza e lirismo. Se este volume fosse o primeiro, não faria diferença, pois ela consegue contar a história da doença outra vez sem ser repetitiva. O que me faz imaginar o que farão no filme, porque eu quero Arikoto, a filha do Shogun e Lady Kasuga na tela, também!!! Ōoku poderia sair em revista seinen. Admiro ainda mais a Fumi Yoshinaga, porque ela poderia ter dado maior visibilidade a sua obra e ainda assim não o fez. Ou foram os editores que perderam a chance? Porque se estivesse em uma revista seinen, duvido que não tivéssemos scanlations.

5 pessoas comentaram:

E cada vez fico mais triste por não termos nada da Yoshinaga por aqui.

Eu estava namorando pelo site da Livraria Cultura...aaain...lá vou eu! XD Espero não me enrolar nesse inglês arcaico. =P

Cada vez mais me interesso em ler Ōoku. Em qual revista japonesa a série é lançada?

Acho que nem preciso dizer que estou com vontade de comprar esse mangá.

Vou ler com certeza e se gostar, compro na hora. =)

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