quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

All My Darling Daughters: Mais uma preciosidade de Fumi Yoshinaga



Eu sei que estou fazendo muitas resenhas de materiais de Fumi Yoshinaga nesses últimos tempos (1 - 2 - 3 - 4), mas, o que fazer se publicam tudo dela nos EUA e se gosto tanto dos seus mangás? Pois bem, o último mangá de Yoshinaga que li foi Aisubeki Musumetachi (愛すべき娘たち) ou All My Darling Daughters, título que aparece na capa da edição japonesa. O mangá teve seus capítulos publicados na revista Melody, a mesma que publica Ōoku, em 2002.

All My Darling Daughters tem como protagonista uma salarywoman chamada Yukiko que está perto dos 30 anos e ainda mora com sua mãe, Mari. Um belo dia, a mãe que tinha acabado de se recuperar de um câncer, decide se casar com um rapaz chamado Ken Ohashi que é ex-host, aspirante a ator em novelas históricos, e três anos mais novo que Yukiko. A filha não consegue suportar a presença do rapaz no apartamento que divide com a mãe e termina finalmente se mudando e casando com o namorado de longa data. Este é o início de um volume que trata das relações entre mães e filhas, de amizade entre mulheres, de amor, e de sonhos frustrados e realizados. Mais um presente de Fumi Yoshinaga para suas fãs.

Ah, quando terminei All My Darling Daughters eu estava com um meio sorriso na boca e a certeza de que tinha investido bem o meu dinheiro. Yoshinaga é uma das grandes mestras do shoujo/josei hoje, alguém que consegue fazer maravilhas com muito, muito pouco. All My Darling Daughters poderia ter vários volumes, eu queria conhecer mais de Yukiko e Mari, um volume é pouco, mas ao mesmo tempo é o bastante, pois ela não deixa uma ponta sequer solta.

Todas as resenhas americanas que li deram 10 para o mangá, em uma delas, a do Sequential Tart, a autora disse que o mangá a fez pensar em sua própria relação com a mãe. eu pensei muitas coisas, na minah relação com minha mãe e meu pai, nas amigas que tive, nos sonhos realizados e que não foram, nas escolhas erradas que algumas das minhas amigas fizeram... Enfim, se você é mulher e adulta dificilmente sairá ilesa depois de ler All My Darling Daughters.

A mulher que redescobre a vida ao lado do homem mais jovem, parece com a história de um vizinho dos meus pais, que depois de viúvo (*a mãe de Yukiko é viúva*) acaba conhecendo uma mulher bem mais jovem e retornando à vida, apesar da oposição dos filhos. Yukiko é mais madura do que os vizinhos lá dos meus pais, pois ela compreende que Ken – mais um daqueles rapazes adoráveis que só Yoshinaga sabe criar – é boa gente e quer o melhor para a mãe dela. E a moça confessa que sente ciúmes por "perder" a mãe que, apesar das muitas brigas, foi somente dela por muitos anos.

O novo casamento da mãe também obriga Yukiko a se posicionar diante da vida e tomar um rumo próprio. O casamento com um sujeito comum e imperfeito, como ela mesma, traz à tona as questões de gênero e insatisfações das mulheres japonesas (*e brasileiras, também*). Yukiko quer que o marido divida com ela as tarefas domésticas, afinal, os dois trabalham fora, mas ele nem sempre faz a sua parte. Mas ela insiste e eles se gostam, então, não é o fim do mundo. Mas é curioso ver que algumas amigas dela a criticam, pois, afinal, ela tem que estar muito contente porque tem um homem em casa, mesmo que ele use óculos, seja meio gordinho e às vezes esqueça de fazer o jantar quando é a sua vez.

Mas vou ser mais objetiva. O mangá tem cinco capítulos. O primeiro é o que introduz a tensão por causa do casamento da mãe de Yukiko. O segundo é o único que se propõe a ser cômico, pois mostra o drama do amigo de Ken, o marido de Mari, um jovem professor universitário que é assediado por uma aluna. A moça inicia um relacionamento muito “esquisito” e “degradante” com o sujeito. Como ele estava resistindo, ela ameaça fazer um escândalo e o rapaz, temendo por seu emprego, termina cedendo. Só que ele se apaixona por ela e quer que os dois tenham um relacionamento decente (*se eu descrever o que rola, vocês vão acabar concordando comigo*), mas a moça se acha tão insignificante, que prefere romper com ele. Ela prefere estar com os caras “errados”, que pisam nela e a humilham. Sim, isso acontece e é caso para tratamento. Ainda bem que Yoshinaga não cismou de fazer nada no estilo Oleanna ou A Professora de Piano, porque eu pensei que esse acabasse sendo o caminho.

Os capítulos três e quatro, talvez façam o contraponto com o dois. Eles falam da amiga mais bonita de Yukiko, uma arquiteta bem sucedida que não tem namorado e sofre pressão para arrumar um. Tímida, ela decide pedir ajuda a uma tia que é organizadora de Omiai – casamentos arranjados. Só que a moça sempre acha que os sujeitos que ela conhece – alguns detestáveis – são bons demais para ela. Quando finalmente ela se interessa por um rapaz muito inteligente e gentil, que sofreu um acidente e tem problemas físicos, a tia decide forçar a barra, porque acha que um rapaz com deficiências físicas não merece sua bela sobrinha.

O desdobramento da história é bem surpreendente e Yoshinaga apresenta a opção pela vida religiosa e o celibato de uma forma muito convincente. Afinal, a moça chega à conclusão de que amar uma pessoa é um ato egoísta e que ela nasceu para amar o máximo de pessoas que ela puder. Acaba se tornando freira católica, para a surpresa das amigas e dos parentes. Em nenhum momento, no entanto, Yoshinaga fala em Deus, na Igreja, nada, ela fala de conversão e tomada de consciência de uma missão maior a cumprir.

O quarto capítulo mostra Yukiko e duas de suas amigas de colégio, o sonho que elas tinham de mudar o mundo e lutar por oportunidades melhores para as mulheres. É nele que aparece o conflito de Yukiko com o marido por causa dos trabalhos domésticos. Este capítulo é profundamente triste, um pouco feminista, e toca em questões espinhosas. A amiga de Yukiko que tinha a postura mais assertiva e decidida, e que debochava dos sonhos modestos das amigas, termina sendo a que menos fez e terminou se conformando com a condição de dona de casa. E veja bem, apesar de ter se envolvido com homens muito errados, ela acabou casando com um sujeito bem intencionado, o tipo que você olha e acha que é uma boa pessoa, mas nada fez do que tinha planejado, e enterrou todos os seus sonhos e ambições. Não concluiu o colegial, não tinha profissão e só muito tarde Yukiko compreende que ela sofria de abusos domésticos (*talvez sexuais mesmo*) e isso foi a raiz tanto da sua raiva, quanto do seu fracasso. Mas as amigas não viam, a escola não via. E quantas vezes coisas assim acontecem do nosso lado e nós não queremos ver?

A própria Yukiko não atingiu todos os seus sonhos, um deles era entrar para o serviço público onde homens e mulheres recebem o mesmo salário por fazerem a mesma função, há estabilidade no emprego e ela poderia planejar melhor o futuro. Um... Parece Brasil, não é? Pois bem, ela termina descobrindo que a outra a amiga, que não fez o colegial com ela, pois tinha mais recursos e foi para uma escola particular, foi a que mais perto chegou dos planos da adolescência. Quando Yukiko consegue ter notícias, descobre que ela era a única que estava realmente lutando para tornar o mundo corporativo japonês um lugar melhor para as mulheres que virão depois dela.

Por fim, o último capítulo fala da relação de Mari, a mãe de Yukiko, com sua própria mãe e de como ela decidiu não repetir os mesmos erros. A mãe de Mari sempre dizia que ela era feia e dentuça, por conta disso, Mari não consegue se achar bonita – embora ela seja, e todos reconheçam isso – mas jurou que jamais faria algo assim com sua própria filha. E Yukiko por sua vez não é bonita, mas a mãe nunca lhe disse nada que pudesse destruir sua auto-estima. Acabamos descobrindo que a avó da protagonista não fazia isso por mal ou por não gostar da filha, mas porque não queria que ela se tornasse metida e orgulhosa. Só que Mari foi ferida e nunca conseguiu perodar a mãe, já Yukiko sempre gostou da avó, apesar da sua falta de tato. Aqui eu lembrei da minha infância e da minha relação com meus pais... Enfim, é um mangá que fala diretamente às leitoras, especialmente quando se tem maturidade suficiente para entender.

Minha nota para All My Darling Daughters é 10. Eu talvez tirasse o segundo capítulo, porque ele tenta fazer humor e destoa do todo. Mas é somente um talvez, pois ele também mostra um tipo de comportamento feminino, fruto da baixa auto-estima, que é muito recorrente, então, talvez Yoshinaga tenha muito mais visão que eu. Recomendo o mangá. É oneshot, então, você só gasta dinheiro uma vez, é um excelente custo benefício. O inglês é comum, nada dos preciosismos de Ōoku e a edição da VIZ traz as imagens coloridas. Se alguém quisesse, poderia simplesmente pegar o mangá e filmar, pois daria um excelente filme intimista. Se eu tivesse que ilustrar o que seria um josei realmente adulto daria All My Darling Daughters como exemplo completo. Fumi Yoshinaga realmente torna a minha vida mais interessante.

7 pessoas comentaram:

Nossa, fiquei interessadíssimo em ler este mangá agora... >.< Adoro esse tipo de história, sou homem, mas me dá tanto o que pensar...

Diego, apesar de ter colocado no feminino, eu tenho certeza de que All My Darling Daughters faria qualquer pessoa sensível e humana pensar. Só trogloditas e idiotas não conseguiriam apreciar essa obra.

Também estou me tornando uma grande fã da Yoshinaga, taí mais um para a minha lista, não sei quando vou ler...aiaiai.

Pretendo comprar alguns mangás dela assim que possível. *o*

Ah, e em tempo, é uma linda resenha, sempre que leio suas impressões sobre um mangá, tenho vontade de gastar todos meus tostões na Amazon. XD

A resenha tá ótima. Me pareceu que é um texto muito bom tbm pra quem está se tornando um adulto. É muito válido quando se consegue ser uma pessoa que aprende com exemplos dos outros. Pq seria diferente com um mangá? É um tipo de leitura/aprendizado.

Esse mangá é publicado nas bancas ou nas livrarias dos EUA?

P.S: Essa autora parece ter um talento quase literário...

Puxa, parece ser um excelente mangá. Tomara que algum dia saia por aqui.

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