segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Comentando Austrália: Leve dois filmes pelo preço de um



Eu tenho muitos filmes pendentes, muitos que não assisti nos últimos três anos. Um deles foi Austrália. Como o filme foi anunciado como um épico histórico achava que era o meu tipo de filme. Fora isso, ainda levaria o Hugh Jackman de bônus. Tá certo, ele vale o filme inteiro, vide o ruinzinho Kate & Leopold, para mim o filme onde ele está mais bonito. Mas voltando ao ponto, Australia é um filme curioso, porque você leva dois pelo preço de um. Vou dar o resumo da história e, depois, eu explico.

Em 1939, a esnobe Lady Sarah Ashley (Nicole Kidman) viaja para o norte da Austrália para pressionar seu marido a vender sua deficitária fazenda de gado. Chegando à Darwin, ela deve se encontrar com “Drover” (Hugh Jackman) que a levará até a fazenda, Faraway Downs. Os dois se desentendem o caminho todo, pois ele é um rústico australiano e ela uma dondoca mimada, ou assim parece. Chegando à fazenda, ela descobre que seu marido foi morto e é recebida pelo capataz, Neil Fletcher (David Wenham). Durante a noite, ela conhece o menino mestiço, Nullah, que denuncia os abusos e os roubos de Fletcher. Ele, na verdade, trabalhava para Lesley 'King' Carney (Bryan Brown), que quer monopolizar o negócio e comprar a fazenda de Sarah.

Após dispensar Fletcher, Sarah precisa de alguém para levar seu gado até Darwin, pois ela precisa vendê-lo para o exército. Para isso, ela precisa de Drover e seus homens, mas como o efetivo é pequeno, a própria Sarah e mesmo o pequeno Nullah precisam ajudar. A viagem é precária, mas suficiente não somente para que Sarah e Drover passem a se respeitar e se apaixonem, como também para que ela e Nullah desenvolvam um forte vínculo afetivo. Mas o menino pode ser levado a qualquer momento pelo governo, e Sarah não consegue conviver bem com a cultura aborígene e as necessidades de Nullah. A II Guerra chega, o relacionamento de Drover e Sarah entra em crise e Fletcher, agora herdeiro do “rei do gado”, leva adiante uma vingança contra ela fazendo o pequeno Nullah sofrer.

Vamos lá, Austrália parece querer beber em um gênero de cinema que praticamente morreu durante a II Guerra, o Southern movie. Se o Western era para homens, o Southern era para mulheres e tinha em protagonistas fortes (e mimadas) como Scarlett O’Hara e Julie Marsden (de Jezebel) sua principal atração. Na verdade, se bem me lembro, Austrália tentou se vender como um E o Vento Levou do século XXI, coisa que não se concretizou. A começar por uma escolha equivocada: por que colocar uma atriz australiana para fazer uma inglesa? Mas isso é problema menor, aliás, estou falando bobagem, já que a beldade sulista, Scarlett O'Hara era uma atriz inglesa. O problema é a falta de coesão e rumo firme do roteiro.

Na verdade, o filme não se decide. O início tenta emular aquelas comédias românticas antigas, com a mocinha e o mocinho cabeça dura se bicando o tempo inteiro, com piadinhas sem graça para mostrar o quanto ela não conhecia a Austrália e seu povo Só que o confronto pareceu artificial ao extremo, e Sarah parece mimada e não forte, a meu ver. Além disso, há uma desnecessária cena do Hugh Jackman tomando banho que, dado o início chatinho, nem valeu de fanservice, por conta da forçação da situação dos dois.

Quando Sarah chega na fazenda e toma pé na situação, o filme começou a parecer um pouco com Entre Dois Amores, mas Nicole Kidman não é Meryl Streep, de resto, a situação é muito parecida. A dondoca começa a mostrar que pode ser uma mulher forte. E, ao mesmo tempo, exploram o aspecto maternal de sua personalidade ao aproximá-la do menino. O elo entre os dois, a música Over the Rainbow de O Mágico de OZ, a magia dos aborígenes, tudo isso traz para a trama um caráter sobrenatural com algo de fábula. Afinal, o narrador é o menino, pelo menos na primeira parte do filme, que é a melhor.

A trama do menino foi muito bem amarrada, e explicaram de forma bem razoável a política de limpeza racial australiana que consistia em colocar crianças mestiças em colônias, normalmente nas mãos de religiosos, forçando-as à aculturação e treinando-as para trabalhos manuais. “Gerações roubadas” é o nome usado para essas crianças, e descobri recentemente que algo semelhante foi feito pelos ingleses no Canadá. De qualquer forma, o melhor filme sobre a questão é Geração Roubada (Rabbit-Proof Fence), Austrália é só um rascunho da questão.

A jornada de Drover, Sarah e mais quatro míseros vaqueiros (*uma idosa, a avó de Nullah, entre eles*) até Darwin levando 1500 cabeças de gado é a parte mais emocionante do filme e a mais bem articulada em termos de roteiro. No caminho, o vilão, Fletcher, prepara uma série de armadilhas para o grupo. A parte do estouro da boiada foi o ponto alto, o momento de maior tensão, com tudo o que uma boa seqüência de ação precisa ter. E é durante a viagem que fica evidente a química entre Kidman e Jackman, que o romance deslancha, ainda que não com as demonstrações que muita gente espera ver em um filme romântico. Tudo bem orquestrado. Sarah e Drover, cada um a sua maneira, passam a se respeitar, admirar e, em seguida, amar.

Depois de muitas agruras, eles chegam até Darwin, confrontam o vilão e vendem o gado para o exército. O capitão, que tinha uma quedinha por Sarah e desprezava Carney, fica enrolando para assinar o contrato com o vilão e torcendo por eles. Tudo encaixadinho, Drover e os outros homens reconhecem o valor de Sarah, pois depois de ter tocado a boiada pelo deserto. ela é um homem como outro qualquer. Tá, eles receberam no caminho uma ajuda fundamental do avô aborígene de Nullah, acusado injustamente de assassinato. E vamos caminhando para o final com o baile (onde o Hugh Jackman está lindo), Nullah assistindo O Mágico de OZ e a humilhação final de Fletcher. Poderia terminar ali, mas não acaba, e já tínhamos até então mais de 1 hora e meia, um clímax e tanto, a parte do estouro da boiada, a derrota dos vilões, o crescimento do menino, a mocinha e o mocinho reconhecendo o valor um do outro e se acertando. O que acontece então? Começa outro filme.

Então, o romance épico, que começou como comédia, ganha tons de filme de guerra. A Austrália está na iminência de ser atacada pelos japoneses e Fletcher se torna o grande vilão. Ao que parece Carney – que foi o marido horroroso da Meggy em Pássaros Feridos – era um capitalista truculento, mas ainda tinha princípios, já Fletcher não tem nenhum. Ele deseja a fazenda, quer se vingar de Sarah e, para isso, usa o menino, que é, na verdade seu filho.

O conflito racial, que poderia render um filme, daí, talvez, termos três filmes e não dois, é um dos eixos de Austrália. A política racista que discrimina e humilha os aborígenes, o desprezo pelos mestiços, a violência sexual contra as mulheres nativas, tudo está lá. Drover é discriminado simplesmente por manter relações de amizade com os aborígenes, e mesmo a guerra e sua miséria não é capaz de desmontar um sistema que prevaleceu oficialmente até 1973.

Nullah é capturado mandado para uma das missões, mas os padres parecem muito bonzinhos se comparados com os protestantes de Geração Roubada. Aliás, se não fosse a violência de tirá-los do lar e colocá-los – no caso de Nullah – bem no caminho dos japoneses, até que a missão não me pareceria tão ruim. O outro ponto é a relação de Nullah com King George, seu avô aborígene, acusado injustamente de assassinar o marido de Sarah. Mas não se trata de aversão da protagonista pelo velho, mas do medo de perder o menino para a cultura aborígene.

Nessa parte do filme, Sarah parece perder um pouco da força e da inteligência e se deixa chantagear por Fletcher. Se ela era uma "lady" com conexões na Inglaterra, por que não usa isso contra o vilão? Vê-la acuada e chantageada por causa de Nullah não me agradou. Em Darwin, o capitão tem a chance de tentar uma aproximação tímida, já que Drover teve medo de assumir o seu papel de marido e pai, e se enfiou em uma missão de seis meses nos cafundós australianos com uma imensa boiada. Sua fuga marca a virada da segunda parte do filme e seu retorno o final da história.

Austrália não é um filme ruim, está longe disso até, mas um roteiro mais enxuto, menos gente metendo a mão, renderia um filme mais coeso. Quase três horas de filme poderiam, também, se desdobrar em seis horas ou mais de uma excelente minissérie com um roteiro bem mais robusto. Fora isso, o filme oferece as belíssimas paisagens australianas e tem uma trilha sonora muito bonita, destaque para a música By the Boab Tree, que troca nos créditos. E Jackman e Kidman formam um belo casal, apesar dos clichês e da tentativa de revisitar os filmes da década de 1930 e 1940. Quando o filme estiver em promoção nas Americanas ou no Submarino, devo comprar.

Ah, aluguei Austrália em Blue Ray aqui no notebook novo, mas não senti grande diferença entre a imagem do DVD e a da nova mídia. É isso. O Shoujo Café vai acabar virando um blog de cinema, também.

5 pessoas comentaram:

Eu gosto das suas resenhas sobre filmes, não vejo problemas em ter mais destas (ou comentários de novelas, séries, feminismo, etc).

Apenas sinto um pouco de falta do shoujocast.

Bom, por mais problemas que este filme tenha, já parece mais interessante do que pensei que fosse.

Numa tela menor do que 32" o Blu-ray não vai mostrar diferença, Valéria.

Eu também já assisti um DVD em Blu-ray numa tela maior que 32" e a diferença também não me pareceu muita

Puxa, fiquei com vontade de assistir esse filme.
Como a Tanko disse, eu quoto, sinto falta do Shoujocast. Você fala muito bem (professora de colégio militar, é claro que tem que saber falar e explicar as coisas muito bem xd).

Eu não me importo se o seu blog tiver uma sessão de cinema. Se vc estiver disposta, eu vou achar bem legal.

Na época que esse filme saiu eu ignorei, porque ouvi falar bem mal dele, que era fraco e blá blá blá (e como não é de hoje que a dupla do filme tem se metido em projetos fraquinhos, eu acreditei). Capaz de eu dar uma chance assim que tiver tempo.

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