segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Entrevista com Riyoko Ikeda - Parte 10



Depois de meses, mais uma parte da entrevista de Riyoko Ikeda na última edição italiana da Rosa de Versalhes. Como os últimos dois volumes demoraram a sair e eu demorei a traduzir (por falta de tempo), fiz tudo o que estava no volume 5 de uma vez só. Aqui, Ikeda fala das escolhas que fez na maturidade, o fato de ter largado (parcialmente) a carreira de mangá-ka para se dedicar ao canto lírico. Para as partes anteriores da entrevista, é só clicar nos números a seguir: 1 - 2 - 3 - 4 - 5 - 6 - 7 - 8 - 9.
ENTREVISTADORA: Falemos de um fato pouco conhecido dos fãs estrangeiros, mas que na época provocou muita reação no Japão: em 1995, depois de quase trinta anos de carreira como uma das mangá-kas mais apreciadas do mundo, a senhora anunciou que deixaria os mangás para se inscrever em um curso de canto lírico na Universidade de Música de Tokyo. O que inspirou esta decisão?


RIYOKO IKEDA: Creio que uma pessoa, quando passa dos quarenta anos, passa por uma mudança radical na sua forma de comportar-se em relação ao tempo que passa: se até então estamos concentrados em lembrar o quanto fizemos ao longo dos anos, de um certo ponto para frente começamos a contar não mais o tempo que passou, mas aquele que nos resta. No meu caso, há aquilo que é associado a um estado de profundo desconforto físico-psicológico ligados a problemas típicos das mulheres da minha idade. Então, comecei a me perguntar se podia me sentir satisfeita de verdade com aquilo que havia feito até aquele momento, e se havia atingido todos os objetivos que me havia proposto. Me lembro que decidi escrever em uma folha de papel tudo aquilo que desde a infância tinha sempre sonhado em ser, de primeira mulher presidente do conselho [Nota da Tradutora: acho que de Estado.] do Japão à bailarina clássica, e depois de um atento exame fiz a escolha que me parecia mais realista: cantora lírica.

Naquela ocasião, fiquei impressionada pela forma como, completados os quarenta anos, parecia fútil e ingênuo o objetivo, ou melhor, a exigência, que fiz a mim mesma quando jovem que era escrever um mangá que deixasse meu nome na história. Em outras palavras, de repente, eu percebi que o trabalho de um único ser humano não tem valor diante da imensidão do universo e, portanto, o meu objetivo de vida deveria ser diferente daquele que me impus por tantos anos. [NT: Uai, ma sela deixou seu nome na história e em letras garrafais e neon, ela fez A Rosa de Versalhes!]

ENTREVISTADORA: Não teve medo de largar tudo para iniciar uma nova carreira?

RIYOKO IKEDA: Quando entrei na Universidade de Música as minhas companheiras tinham todas por volta dos vinte anos, e freqüentemente as ouvia falarem coisas assim “Ah, como sou velha, já tenho vinte e um anos!”. Tinha perfeita noção que para alguém de vinte anos, quem tem quarenta é um velho, e estava convencida que conseguiria superar os limites físicos relativos a minha idade com empenho e aplicação. Quanto ao nível mental, estava certa de que não é correto que com a idade a capacidade mental fica debilitada, tudo depende do tipo de exercício ao qual submetemos o nosso cérebro. Não por acaso, quando escrevi um livro falando dessa minha escolha, decidi abri-lo citando “A Velhice” de Cícero, um texto mostrando como até na Antiguidade não havia limites de idade para o estudo e os novos desafios.

Quando fiz esta escolha muitos jornais me cumprimentaram pela minha coragem em abandonar trinta anos de carreira, mas não foi um ato de coragem absoluta: tive muitos temores e dúvidas, mas no fim recorri a toda minha força de vontade e fiz a minha escolha, da qual hoje não me arrependo. E, além disso, não creio que exista alguma vida sem arrependimento: no curso de sua vida o ser humano se vê continuamente confrontado as várias escolhas. E se pergunta “o que seria de mim se daquela vez eu tivesse escolhido diferente?” é uma dúvida que nunca abandonará o homem, por isso vejo como total inutilidade hesitar diante de uma nova escolha de vida somente pelo temor do que poderá acontecer; mesmo que, eu confirmo, tenha sido eu mesma a primeira a ter milhares de dúvidas sobre minha decisão de deixar o mangá pelo canto lírico. Mas por certo hoje não posso dizer que estou arrependida!

ENTREVISTADORA: Isso significa então que a atividade de quadrinista foi para você uma escolha, mas não necessariamente um destino?

RIYOKO IKEDA: Desde menina amava os mangás mais do que todas as outras coisas; mas nunca tinha pensado que seria uma mangá-ka. Eu teria preferido escrever romances, sonho que ainda hoje não renunciei e devo agradecer aos mangás porque estes trinta anos me deram uma experiência e os conhecimentos essenciais sobre como se compõe uma boa história. Todavia, enquanto os meus colegas aprecem ter realizado os seus sonhos e vivem felizes e satisfeitos com sua carreira de quadrinista, pêra mim a sensação era um pouco diferente e a vontade de tentar outra coisa explodiu durante a minha maturidade.

ENTREVISTADORA: Se o remorso é uma presença inevitável em nossa vida, qual é o seu remorso ou arrependimento mais doloroso?

RIYOKO IKEDA: Sem dúvida, o de haver chegado, depois de trinta anos de ininterrupta carreira como mangá-ka, a uma idade na qual não posso mais desejar me tornar mãe. Um amor absolutamente incondicional, como aquele que uma mãe tem pelos seus próprios filhos, é uma experiência que infelizmente falta em minha vida e a esta falta estou totalmente resignada. [NT: Adoção p
arece ser tema tabu no Japão. Mas crianças para adoção há muitas.]

(Continua...)

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