sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Comentando Ōoku: The Inner Chamber - volume 1



Hoje à tarde terminei de ler o tão esperado primeiro volume de Ōoku: The Inner Chamber (大奥), mangá de Fumi Yoshinaga que mistura fantasia e história. Eu amo os mangás de Yoshinaga, e quem freqüenta o blog já sabe bem disso. A cada mangá que leio, eu me surpreendo com sua capacidade de fazer algo diferente e, ainda assim, manter a identidade de sua obra. Engraçado, é que detestei o primeiro mangá dela que li, Gerard & Jacques, e demorei muito para tentar um outro. Aliás, não li nenhum de seus yaoi até agora. E é engraçado ler as críticas do Amazon e ver que geralmente quem não gosta de suas séries é porque espera que ela só faça mangá BL. Yoshinaga é um mangá-ka polivalente e sua faceta yaoi é somente uma de muitas.

Minha segunda tentativa foi com Antique Bakery, que era tão elogiado que terminei me forçando a ler. Foi uma ótima experiência. E Flower of Life terminou me convencendo de que Fumi Yoshinaga é uma das melhores mangá-kas de sua geração. Desde que soube de Ōoku, acredito que na primeira indicação ao Tezuka Awards, tive vontade de ler. Só que ninguém fez scanlations da série, e sabendo como o texto é rebuscado desconfio do motivo, e eu tive que me contentar em olhar a figuras em uma edição chinesa. Fiquei realmente feliz quando a VIZ anunciou a série.

Ōoku foi um dos primeiros títulos do selo VIZ Signature que tem aviso de “mature” (*para um público adulto*) na capa e é bem mais caro que os demais, custando $12,95. Obviamente, valeu cada centavo e eu gostaria de ter outro volume em mãos para continuar lendo. Em Ōoku, a arte de Yoshinaga está madura, limpa e, ao mesmo tempo, bonita. A série mistura História e questões de gênero com as sufocantes restrições das hierarquias japonesas. Terminado o primeiro volume, é difícil saber se as personagens que nele aparecem serão as protagonistas dos próximos capítulos, provavelmente, e eu acredito que o restante da série será um flashback mostrando como as mulheres chegaram ao poder depois da varíola vermelha (red pox).

Para quem não sabe (*e eu não sabia*), Ōoku é a área do castelo do shogun onde ficava o seu harém que foi extinto com a revolução Meiji de 1868. O verbete japonês da Wikipedia fala em três mil mulheres no seu auge e este é exatamente o número que Yoshinaga usa, para depois desmenti-lo dizendo se tratar de um exagero com o objetivo de aumentar a glória da governante. Sim, em Ōoku as mulheres governam, porque uma estranha doença dizimou uma parte considerável dos homens. Os que adoecem – geralmente meninos e homens jovens – morrem depois de muito sofrimento. Os mais velhos às vezes sobrevivem.

Com o decréscimo da população masculina para uma proporção de ¼, os filhos homens passam a ser tratados como um tesouro delicado e eles acabam sendo excluídos das funções públicas, poupados do trabalho pesado e, claro, do exercício do poder político e militar. Ter um marido somente seu é um luxo que poucas mulheres podem pagar e muitos homens vendem sua semente para mulheres que desejam ter filhos. Há quem prostitua seus filhos e o bairro do prazer é visitado por muitas mulheres que desejam engravidar.

O protagonista do primeiro volume é Yunoshin Mizuno, que pertence a uma família empobrecida de samurais. Ele ama a amiga de infância O-Nōbu, mas as condições econômicas de sua família e seus escrúpulos impedem de se declarar para ela. Mizuno é muito bonito e honrado e nunca cobra de nenhuma mulher com quem se deita. Um belo dia, sua família decide casá-lo, pois recebeu uma proposta irrecusável. Ele rejeita e suplica que a mãe lhe permita entrar para o harém do shogun, pois assim poderá ganhar dinheiro o suficiente para que a família possa viver bem e sua irmã consiga um marido. Ele sabe que será um grande sacrifício e a partir do momento que entrar no Ōoku, não poderá mais sair.

Um dos momentos mais tocantes do volume é quando ele se despede de O-Nōbu e é nela que ele pensa sempre que se vê diante de um problema ou quando descobre o quão corrompido é o hárém do shogun. Lá ele faz um amigo, Sugishita, um homem com mais de trinta anos, pertence também ao grupo dos samurais, mas é de uma categoria inferior a de Mizuno. Sugishita vê o Ōoku como seu lar, ainda que tenha que ser sempre um servo, pois a vida no mundo exterior foi muito cruel com ele. Gostei muito de Sugishita e espero que ele apareça nos próximos volumes.

No Ōoku há hierarquias e Mizuno começa como servo. No entanto, por ser ao mesmo tempo honrado, ético e ingênuo, além de muito bonito, ele atrai a atenção “negativa” de sujeitos muito ambiciosos e corrompidos. Aliás, um dos defeitos que alguns vêem nele é o fato de não se entregar aos prazeres homossexuais, muito comuns no ambiente do harém, especialmente quando a shogun é uma criança de sete anos que não pode fazer uso dele.

As coisas mudam quando a menina-shogun morre e o poder passa para Yoshimune, uma mulher inteligente, versada no uso das armas e extremamente austera. O caminho da nova Shogun se cruza com o de Mizuno, por ardil dos inimigos involuntários dele e o objetivo era destruí-lo. Não vou contar como a coisa termina, mas Yoshimune é a personagem mais interessante do mangá e Mizuno tem um final surpreendente.

Ao assumir o comando de um reino que está em paz faz muito tempo, ela encontra cofres quase vazios e decide cortas despesas, a começar pelo Ōoku. Isso causa profunda insatisfação, assim como o seu desprezo pelas tradições. Uma das coisas que intrigam Yoshimune é porque apesar das mulheres comandarem, todos os títulos continuarem no masculino, assim como os nomes dos clãs. Ela decide investigar e vai buscar o mais velho escriba do reino. Ele lhe diz que um dia os homens governaram e lhe entrega um livro, a Crônica de um Dia Agonizante. E ela começa a ler. Acredito que nos outros volumes Yoshinaga nos conte como a praga foi responsável por tantas mudanças.

Aqui acredito que Yoshinaga cometeu um deslize, pois 80 anos não seriam suficientes para promover mudanças tão profundas, como a dissolução do patriarcado, além do esquecimento total do que veio antes. Mas conhecendo a autora, é melhor não subestimá-la, afinal, não sabemos quais as cartas que ela tem na manga.

Eu não sei se Yoshinaga vai introduzir na sua história o contato com outras nações. A praga é japonesa? A série se passa no século XVIII e já no primeiro volume apareceu um capitão holandês. Os holandeses foram os únicos ocidentais que puderam manter relações comerciais com o Japão, ainda que todos os contatos fossem mediados por japoneses escolhidos à dedo pelo shogunato. Yoshinaga utilizou uma fonte que existe – as impressões desse capitão sobre o Japão – dentro da sua história. Afinal, foi depois deste encontro que Yoshimune decidiu investigar sobre o passado das relações entre homens e mulheres no Japão.

A edição da VIZ ficou muito bonita, as páginas de introdução são coloridas, a primeira é feita de um papel semitransparente. A capa tem orelha. Há muitas notas no fim e elas são necessárias, pois o fluxo de informação é enorme. E houve a escolha pelo uso de um inglês arcaico, com direito ao uso de tu (thou) e todas as conjugações, além de um vocabulário rebuscado. Pode dificultar a leitura de alguns, mas dá ao texto uma elegância que eu não imaginava que iria encontrar. Em suma, agora sei por que Ōoku tem recebido tanta atenção e duvido que não ganhe outros prêmios. E, para quem não tem esperança de ler, há a possibilidade do filme que já foi anunciado.

Esperança de sair aqui no Brasil? Não vejo nenhuma. Até acredito que seriua melhor popularizar o trabalho de Yoshinaga com outras obras, como Antique Bakery, e, depois, criar condições para Ōoku que não é um título para banca, mas para livraria.

8 pessoas comentaram:

já tinha ouvido falar da serie, e achei muito interessante... mas acho q não vou ter acesso a serie, já q meu ingles é bem pobrinho T_T

Pelo visto, vou ter mesmo que "quebrar o cofrinho" e pedir Ooku. US$12,95 é um pouco caro mas, pelo que você descreveu, vale a pena. =]

Também sou fã dos trabalhos da Yoshinaga-sensei, e fico feliz que pelo menos os americanos estão dando a devida atenção às suas obras.

Já aqui no Brasil, ne? Uma tristeza. =|

Olha, se você tiver condições, compre. Se morasse perto d emim, eu emprestaria.

De todos os mangás que eu já quis e quero colecionar, este Ôoku é o único que eu aprovaria que fosse lançado em "Edição Definitiva".

É verdade, o shogun tinha um harém e também um milhão de regras para fazer sexo com suas concubinas. Era um verdadeiro inferno! Tinha de ter gente presente durante o ato e tudo que era dito ficava registrado. Ele só tinha liberdade com a esposa oficinal. Tudo isso só para evitar conspirações. Por aí dá para ver o medo que o homens tinham das mulheres e sua capacidade de manipular informações. Tudo isso faz muito sentido quando se vê essa obra. Muito interessante! ^____^

Você comprou pela Cultura Valéria? Acho que é uma boa opção para treinar meu inglês.

Ah, sim, a "visita" da Shogun é toda monitorada... Mas pior era o destino do rapaz...

Kadu, eu comprei via Cultura. Peguei os dados e encomendei. Quando chegar outubro, encomendo o volume #2.

Ah, agora relendo esse texto percebo que minha edição não tem as páginas semitransparentes... acho que é por ser a quarta impressão do mangá. Que pena.
Mas é realmente muito bom. Fiquei muito apreensivo com o Mizuno e adorei a Yoshimune.
Bom, agora sabe lá quando vou conseguir a segunda edição... Mas não me arrependi de ter encomendado, amei. ♥

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