Esta é a oitava parte do terceiro capítulo, a anterior está aqui. Já estamos nos encaminhando para o final do capítulo, como vocês podem notar. Para quem não sabe do que se trata, estou postando uma história que venho escrevendo faz algum tempo. O primeiro capítulo se chama Ecos do Passado e o segundo Sem Olhar para Trás. Disse que iria postar continuamente até o final do capítulo 3 e fico sempre esperando comentários e sugestões, pois assim posso melhorar e mexer em coisas que não estejam funcionando. Estou mudando coisas em relação à versão original, mas, ainda assim, trata-se de um texto de mais de dez anos.
Ventos de Mudança
Capítulo 3: Sem Olhar Para Trás (Parte 8)
Capítulo 3: Sem Olhar Para Trás (Parte 8)
O salão estava completamente enfeitado com flores belíssimas, algo que em pleno inverno não seria possível. “Mais mágica!”, Alda pensou. Se ela mesma tivesse poderes, teria sentido o cheiro da magia que impregnava o ar. Era essa uma das evidências, um dos traços deixados e cada ser que usava mágica tinha sua própria marca, seu próprio odor. Ao visualizar todo o salão, seu olhar encontrou o de Lívio inesperadamente. Nos olhos negros do rapaz, ela pode ver um misto admiração e de tristeza, notou também o ferimento em sua face. O que teria acontecido? Lívio leu a apreensão no rosto de Alda e na sua aura, também. Sim, ele podia discernir os sentimentos que habitavam as pessoas, sentimentos, mas não pensamentos. Ele sustentou o olhar, mas manteve seu rosto impassível, quase indiferente, tentando esconder a angústia que estava dentro de si. “Como eu quisera nunca ter deitado os olhos sobre ela! Agora eu teria bem menos com que me preocupar...”, suspirou.
Alda desviou seu olhar, deveria honrar a todos os convidados, sempre mantendo em seu rosto um sorriso modesto e parcimonioso. Além disso, deveria proteger Lívio, sabia bem que ele estava se arriscando muito ao ajudá-la. A Rainha mostrou-se satisfeita e interpretou aquilo como uma conseqüência direta da conversa que haviam tido. Richard, porém, do canto onde se encontrava, estava intrigado.
Ao concentrar seus poderes mentais na moça não conseguiu ler nada, havia um imenso vazio, como se não houvesse ninguém ali. “Há algo muito estranho acontecendo! Essa moça está imune aos meus poderes! Mas como? Não importa! Devo avisar a Rainha, precavê-la contra o perigo iminente.” Era o que pretendia fazer realmente, só que ao olhar para a direção do trono, avistou o noivo e seu pai e teve um pensamento perverso: “Pensando bem, se Dominique confia tanto em seus novos aliados permitirei que eles mesmos resolvam esta situação. Ela merece uma lição, para aprender a não subestimar os inimigos e desprezar seus aliados mais fiéis para agradar um bárbaro imbecil.” Simplesmente, cruzou seus braços e ficou observando a noiva e seu pai caminharem em direção a Rainha. “De Mülle sempre foi um idiota inofensivo, mas essa mocinha parece ser feita de outro material. Vejamos o que vai acontecer... serei somente um observador... pelo menos, por enquanto....”
Humberto De Dorsos também vestia seu mais belo traje, recoberto com as pedras preciosas que roubara e que lhe conferiam um ar pesado, deselegante e exagerado para os padrões daquela Corte. Ao seu lado, seu velho pai vestia-se com igual “luxo”. Quando avistou a noiva, ele se sentiu invadir por uma estranha excitação, uma espécie de luxúria. Antevia a noite de núpcias e a vingança que prometera, conhecia o efeito aterrador que possuía sobre as mulheres, ainda mais, sobre as donzelas. Ao mesmo tempo, porém, pensava que se fosse gentil poderia, quem sabe, conquistar-lhe senão o amor, pelo menos o respeito, e que poderia até ter uma vida feliz, uma família. Afinal, não é para isso que as pessoas se casam? No entanto, seus bons pensamentos foram interrompidos por um comentário grosseiro de seu pai que só não foi entendido pelos outros porque estava em sua língua materna:
— “Cadeiras estreitas!”
— “O que?!” — Perguntou surpreendido, pois fora tirado de seus sonhos.
— “Ela não serve para parir filhos, tem quadris muito estreitos e retos. Com certeza, morrerá de parto.” — Falou como se fosse uma informação óbvia e banal.
— “Agora, não, pai!” — Interrompeu contrariado. — “Estou prestes a me casar e não pretendo pensar em ficar viúvo. Não quero ouvir falar de morte.” — Ele não dizia isso por estava horrorizado com a idéia, ou porque fosse lamentar a morte de Alda que, aliás, não era o tipo de mulher que o atraísse, mas, sim, porque era supersticioso e achava de mau agouro falar em morte no dia de seu casamento.
— “Só estou pensando no seu bem. Ela pode não servir para lhe dar filhos, mas vai servir para lhe dar riquezas. E depois que ela morrer, você se casa com outra qualquer que seja mais bonita e que possa gerar os seus herdeiros. E para isso que elas servem, quando não para uma coisa, pelo menos para a outra.
Quando De Mülle estava próximo o suficiente, Humberto desceu de onde estava e tomou Alda pelo braço, sem nem mesmo cumprimentar o sogro. O Marquês fingiu que não se importava e foi para o lugar que lhe havia sido designado.
— São ordens da Rainha, pai. — Konrad interveio também em voz baixa. Apesar de sentir o mesmo que seu pai, achava que sua crítica era pouco apropriada. — Antes de tudo devemos obediência à Realeza.
— Obediência tem limites, meu filho. Um dia aprenderá que a autoridade não se baseia somente no sangue. — Fez pausa. — O sangue, na verdade, nos traz responsabilidades dobradas, pois devemos ser esteio e exemplo para toda a comunidade. Quanto mais alto se está, meu filho, maior a queda. Não é a Coroa que faz o Rei, mas, sim, a cabeça que a sustenta. Nobreza de sangue só é válida quando acompanhada por nobreza de espírito. — Olhou bem nos olhos do rapaz. — Lembre-se disso.
— Tem uma forma muito perigosa de pensar, caro Conde. — Richard interveio de repente. — Deveria guardar suas idéias “extravagantes” para si mesmo ou pode por em risco o Senhor e sua Casa.
— E o Senhor, Sir Richard, deve guardar seus conselhos para si mesmo, pois pelo que me consta, não os requisitei. — O comentário fez com que Konrad empalidecesse. Como seu pai poderia ser tão rude quando Sir Richard só queria ajudá-lo?
— Tio, por favor! — Flora interveio com sua voz mais doce. — Sir Richard não fez por mal!
— Agradeço sua defesa, Senhora, mas o Conde tem razão. — Falou em tom falsamente humilde. — Eu é que devo desculpas por minha intromissão em assuntos que não me dizem respeito, mesmo que movido por excesso de zelo, com sua licença. — Disse isso e se afastou. Konrad o seguiu sem pedir licença a seu pai e o Conde ficou lamentando o fato de nunca conseguir se controlar quando Richard aparecia.
— Estamos aqui hoje para, em nome de Deus, unir estas duas criaturas... — Começou o sacerdote, um dos bispos que permanecera fiel á Rainha. Alda fingia atenção, mas o que ia em sua cabeça era a dúvida de se aquele casamento seria ou não válido, afinal, estavam sob interdito, logo nenhuma cerimônia religiosa poderia ser feita e os sacerdotes que não obedecessem, estariam excomungados. “Tudo não passa de uma farsa! Uma grande farsa! E hoje devo agir como a melhor de todas as atrizes.” A cerimônia seguiu conforme a regra e Alda se ouviu dizendo “sim” mecanicamente e ouviu o mesmo de Humberto De Dorsos.
Quase ao seu lado, um coração estava pesado e lamentava não poder impedir aquela cerimônia. O Marquês De Mülle temia que qualquer que fosse o plano de sua filha, ele poderia não ser bem sucedido e então sua vida estaria desgraçada para sempre. Após a cerimônia, todos se dirigiram para o grande salão, onde um banquete os esperava. Humberto pôs-se a beber como se nada mais importasse no mundo.
— Beba, também, Minha Esposa, vejo que não provou do vinho!
— Eu não bebo á noite, Meu Senhor, pois o vinho me dá pesadelos.
— Pesadelos!? Ora, mulher, quem disse que dormiremos esta noite! — Disse com um olhar lascivo e aproveitou para passar, ousadamente, a mão em Alda que, sentada a seu lado, não pode se esquivar. Apesar de tentar se controlar, ela ficou vermelha de vergonha, baixou a cabeça e cerrou os punhos, porque percebeu que suas mãos tremiam. Queria esmurrar-lhe ali mesmo. Tanto Lívio, quanto De Mülle, Konrad e De Sayers perceberam o ato e se sentiram profundamente ofendidos. “Como esse bruto ousa tocá-la dessa maneira na frente de todos!” Respirou fundo. “Controle-se, Lívio, nada pode fazer. Não é hora para rompantes infantis. Seja racional!”
— Seria melhor que bebesse, pois nada pior do que uma donzela assustada e sóbria, ainda por cima. Não é meu sogro? — De Mülle não respondeu a grosseria e foi o próprio pai de Humberto quem se intrometeu.
— Eu aconselho que pare de beber, meu filho, pois ao invés de consumar o casamento vai terminar desmaiando sobre a noiva e envergonhando nossa Casa! — Falou o pai do rapaz realmente preocupado, pois conhecia as bebedeiras de seu filho e o estado deplorável em que ficava depois.
— Deixe-me em paz, velho! — Gritou com grosseria. — Hoje é meu casamento e farei o que bem entender! E, no momento, o que quero é beber! Beber muito!
— Não deveria ficar olhando para a noiva, meu irmão. — Lucília falou para Lívio, em uma mesa oposta à dos noivos. — O noivo pode interpretar como uma ofensa. Lembre-se do que ocorreu hoje à tarde.
— Pouco me importa como interprete! — Falou abruptamente, dando vazão à sua raiva que era real. — Creio que neste estado ele é incapaz de interpretar qualquer coisa. — Falou com amargura. — Ela é o centro da festa e não existe ninguém que brilhe tanto como ela. Deve ser admirada.
— Que espantoso surto de valentia... Meu irmãozinho fala como um amante ofendido! Então aquele bárbaro tinha toda razão... — Debochou. — Chega a ser engraçado... Até chegarmos aqui você nunca tinha se interessado por mulher alguma, as desprezava até, e logo a primeira que foi olhar é essa, que jamais poderá ter! Ou melhor, a deseja porque nunca poderá tê-la, não é?
— Não diga tolices... — Lívio respondeu impaciente. Estava sentindo os efeitos de uma poção mágica que havia tomado. Sentia-se febril e irritadiço. “Talvez eu tenha errado a dose. Nunca tinha tentado fazer esta mistura antes.” — Eu tenho pena do destino que lhe reservaram, nada mais... Sentiria o mesmo por qualquer mulher que estivesse nesta situação... — Desconversou. — Inclusive você.
— Realmente, meu irmão, é surpreendente descobrir que mesmo você pode ser engraçado! — Bebeu um gole do excelente vinho que fora servido. — Vocês homens são todos ridículos!
— Um dia, minha irmã, vai amar alguém. É uma questão de tempo.
— Amar?! — Falou com ar debochado. — Deixo isso para os fracos e sonhadores como você! Os fortes, meu irmão, não amam, conquistam! Entre o poder e o amor, meu irmão, eu prefiro o poder, pois com ele, até isso que você chama “amor”, e eu chamo de eufemismo hipócrita para explicar a “luxúria” humana, estará a minha disposição. — Falou com desprezo. — Se deixar dominar pelos sentimentos é uma fraqueza deplorável! — Terminou com desdém.
— Fraqueza!? — Ele balançou a cabeça. — Tenho pena de você, se não aprender que tem um coração, ainda irá sofrer muito. — Disse levantando-se. — Com sua licença.
— Aonde vai?
— Meditar e rezar. — Falou com simplicidade. — Creio que mais do que nunca estou convencido de que meu destino não está na vida da Corte. — Fez pausa. — Se quiser me achar, estou na capela.
— Você é um tolo, realmente. — Ele deu de ombros e se foi, quando se viu fora das vistas de todos deu um profundo suspiro. “Acho que fui convincente em minha dor! Não sei de onde tiro coragem para participar desta loucura!” Suspirou “Não tente se enganar, Lívio, pois você sabe muito bem!” Depois, passou a mão sobre a testa que estava suada apesar do frio. “Espero que a poção tenha o seu efeito, pois o incômodo é bem grande.”
— Oh, meu Deus! O que eu fiz? — Fingiu-se culpada e preocupada com o vestido.
— Se não tirá-lo agora ficará completamente manchado, Senhora. — A criada vaticinou.
— Eu sei, eu sei! — Virou-se para Humberto com um olhar submisso. — Meu Senhor, permitiria que me retirasse e trocasse o vestido? — Humberto estava tão bêbado que não ouviu. — Meu Senhor!
— Ãn?! — Seu pai cochichou-lhe ao ouvido e ele aquiesceu. — Sim, vá! Mas não precisa retomar. Esteja pronta para me receber, Senhora, porque não vou me demorar!
— Eu estarei, Meu Senhor. — Aproximou-se da Rainha. — Majestade! — A Rainha levantou-se e a abraçou cordialmente, beijando-lhe as faces.
— Tem minha permissão e meu desejo de felicidades e... — Fez pausa e falou baixinho em seu ouvido: —... que tenha um filho dentro de nove meses. — Alda forçou um sorriso e foi falar com seu pai:
— Pai, sua benção! — Disse beijando-lhe as mãos, só que o Marquês, não se importando com o liquido pegajoso que iria manchar suas belas vestes, abraçou-a e beijou-a.
— Tem minha benção, em tudo o que fizer, filhinha!
— Obrigada, pai. — Afundou o rosto no peito de seu pai, por um momento, pois as lágrimas vinham em seus olhos e não queria que ninguém notasse. — Espero revê-lo em breve, Pai. — Falou em seu ouvido.
— Eu também, meu bem. — Fez pausa e a beijou de novo. — Deseja que eu faça algo, filhinha?
— Atrase-o, Pai. E só isso o que peço. — Sussurrou e se foi para a câmara nupcial.
Alda desviou seu olhar, deveria honrar a todos os convidados, sempre mantendo em seu rosto um sorriso modesto e parcimonioso. Além disso, deveria proteger Lívio, sabia bem que ele estava se arriscando muito ao ajudá-la. A Rainha mostrou-se satisfeita e interpretou aquilo como uma conseqüência direta da conversa que haviam tido. Richard, porém, do canto onde se encontrava, estava intrigado.
Ao concentrar seus poderes mentais na moça não conseguiu ler nada, havia um imenso vazio, como se não houvesse ninguém ali. “Há algo muito estranho acontecendo! Essa moça está imune aos meus poderes! Mas como? Não importa! Devo avisar a Rainha, precavê-la contra o perigo iminente.” Era o que pretendia fazer realmente, só que ao olhar para a direção do trono, avistou o noivo e seu pai e teve um pensamento perverso: “Pensando bem, se Dominique confia tanto em seus novos aliados permitirei que eles mesmos resolvam esta situação. Ela merece uma lição, para aprender a não subestimar os inimigos e desprezar seus aliados mais fiéis para agradar um bárbaro imbecil.” Simplesmente, cruzou seus braços e ficou observando a noiva e seu pai caminharem em direção a Rainha. “De Mülle sempre foi um idiota inofensivo, mas essa mocinha parece ser feita de outro material. Vejamos o que vai acontecer... serei somente um observador... pelo menos, por enquanto....”
Humberto De Dorsos também vestia seu mais belo traje, recoberto com as pedras preciosas que roubara e que lhe conferiam um ar pesado, deselegante e exagerado para os padrões daquela Corte. Ao seu lado, seu velho pai vestia-se com igual “luxo”. Quando avistou a noiva, ele se sentiu invadir por uma estranha excitação, uma espécie de luxúria. Antevia a noite de núpcias e a vingança que prometera, conhecia o efeito aterrador que possuía sobre as mulheres, ainda mais, sobre as donzelas. Ao mesmo tempo, porém, pensava que se fosse gentil poderia, quem sabe, conquistar-lhe senão o amor, pelo menos o respeito, e que poderia até ter uma vida feliz, uma família. Afinal, não é para isso que as pessoas se casam? No entanto, seus bons pensamentos foram interrompidos por um comentário grosseiro de seu pai que só não foi entendido pelos outros porque estava em sua língua materna:
— “Cadeiras estreitas!”
— “O que?!” — Perguntou surpreendido, pois fora tirado de seus sonhos.
— “Ela não serve para parir filhos, tem quadris muito estreitos e retos. Com certeza, morrerá de parto.” — Falou como se fosse uma informação óbvia e banal.
— “Agora, não, pai!” — Interrompeu contrariado. — “Estou prestes a me casar e não pretendo pensar em ficar viúvo. Não quero ouvir falar de morte.” — Ele não dizia isso por estava horrorizado com a idéia, ou porque fosse lamentar a morte de Alda que, aliás, não era o tipo de mulher que o atraísse, mas, sim, porque era supersticioso e achava de mau agouro falar em morte no dia de seu casamento.
— “Só estou pensando no seu bem. Ela pode não servir para lhe dar filhos, mas vai servir para lhe dar riquezas. E depois que ela morrer, você se casa com outra qualquer que seja mais bonita e que possa gerar os seus herdeiros. E para isso que elas servem, quando não para uma coisa, pelo menos para a outra.
Quando De Mülle estava próximo o suficiente, Humberto desceu de onde estava e tomou Alda pelo braço, sem nem mesmo cumprimentar o sogro. O Marquês fingiu que não se importava e foi para o lugar que lhe havia sido designado.
XXX
— Isto é um ultraje! — O Conde De Sayers resmungou entre dentes. — Louis deveria se envergonhar! Eu jamais permitiria que uma filha minha se casasse com um homem como esse. Ele é um... — São ordens da Rainha, pai. — Konrad interveio também em voz baixa. Apesar de sentir o mesmo que seu pai, achava que sua crítica era pouco apropriada. — Antes de tudo devemos obediência à Realeza.
— Obediência tem limites, meu filho. Um dia aprenderá que a autoridade não se baseia somente no sangue. — Fez pausa. — O sangue, na verdade, nos traz responsabilidades dobradas, pois devemos ser esteio e exemplo para toda a comunidade. Quanto mais alto se está, meu filho, maior a queda. Não é a Coroa que faz o Rei, mas, sim, a cabeça que a sustenta. Nobreza de sangue só é válida quando acompanhada por nobreza de espírito. — Olhou bem nos olhos do rapaz. — Lembre-se disso.
— Tem uma forma muito perigosa de pensar, caro Conde. — Richard interveio de repente. — Deveria guardar suas idéias “extravagantes” para si mesmo ou pode por em risco o Senhor e sua Casa.
— E o Senhor, Sir Richard, deve guardar seus conselhos para si mesmo, pois pelo que me consta, não os requisitei. — O comentário fez com que Konrad empalidecesse. Como seu pai poderia ser tão rude quando Sir Richard só queria ajudá-lo?
— Tio, por favor! — Flora interveio com sua voz mais doce. — Sir Richard não fez por mal!
— Agradeço sua defesa, Senhora, mas o Conde tem razão. — Falou em tom falsamente humilde. — Eu é que devo desculpas por minha intromissão em assuntos que não me dizem respeito, mesmo que movido por excesso de zelo, com sua licença. — Disse isso e se afastou. Konrad o seguiu sem pedir licença a seu pai e o Conde ficou lamentando o fato de nunca conseguir se controlar quando Richard aparecia.
— Estamos aqui hoje para, em nome de Deus, unir estas duas criaturas... — Começou o sacerdote, um dos bispos que permanecera fiel á Rainha. Alda fingia atenção, mas o que ia em sua cabeça era a dúvida de se aquele casamento seria ou não válido, afinal, estavam sob interdito, logo nenhuma cerimônia religiosa poderia ser feita e os sacerdotes que não obedecessem, estariam excomungados. “Tudo não passa de uma farsa! Uma grande farsa! E hoje devo agir como a melhor de todas as atrizes.” A cerimônia seguiu conforme a regra e Alda se ouviu dizendo “sim” mecanicamente e ouviu o mesmo de Humberto De Dorsos.
Quase ao seu lado, um coração estava pesado e lamentava não poder impedir aquela cerimônia. O Marquês De Mülle temia que qualquer que fosse o plano de sua filha, ele poderia não ser bem sucedido e então sua vida estaria desgraçada para sempre. Após a cerimônia, todos se dirigiram para o grande salão, onde um banquete os esperava. Humberto pôs-se a beber como se nada mais importasse no mundo.
— Beba, também, Minha Esposa, vejo que não provou do vinho!
— Eu não bebo á noite, Meu Senhor, pois o vinho me dá pesadelos.
— Pesadelos!? Ora, mulher, quem disse que dormiremos esta noite! — Disse com um olhar lascivo e aproveitou para passar, ousadamente, a mão em Alda que, sentada a seu lado, não pode se esquivar. Apesar de tentar se controlar, ela ficou vermelha de vergonha, baixou a cabeça e cerrou os punhos, porque percebeu que suas mãos tremiam. Queria esmurrar-lhe ali mesmo. Tanto Lívio, quanto De Mülle, Konrad e De Sayers perceberam o ato e se sentiram profundamente ofendidos. “Como esse bruto ousa tocá-la dessa maneira na frente de todos!” Respirou fundo. “Controle-se, Lívio, nada pode fazer. Não é hora para rompantes infantis. Seja racional!”
— Seria melhor que bebesse, pois nada pior do que uma donzela assustada e sóbria, ainda por cima. Não é meu sogro? — De Mülle não respondeu a grosseria e foi o próprio pai de Humberto quem se intrometeu.
— Eu aconselho que pare de beber, meu filho, pois ao invés de consumar o casamento vai terminar desmaiando sobre a noiva e envergonhando nossa Casa! — Falou o pai do rapaz realmente preocupado, pois conhecia as bebedeiras de seu filho e o estado deplorável em que ficava depois.
— Deixe-me em paz, velho! — Gritou com grosseria. — Hoje é meu casamento e farei o que bem entender! E, no momento, o que quero é beber! Beber muito!
— Não deveria ficar olhando para a noiva, meu irmão. — Lucília falou para Lívio, em uma mesa oposta à dos noivos. — O noivo pode interpretar como uma ofensa. Lembre-se do que ocorreu hoje à tarde.
— Pouco me importa como interprete! — Falou abruptamente, dando vazão à sua raiva que era real. — Creio que neste estado ele é incapaz de interpretar qualquer coisa. — Falou com amargura. — Ela é o centro da festa e não existe ninguém que brilhe tanto como ela. Deve ser admirada.
— Que espantoso surto de valentia... Meu irmãozinho fala como um amante ofendido! Então aquele bárbaro tinha toda razão... — Debochou. — Chega a ser engraçado... Até chegarmos aqui você nunca tinha se interessado por mulher alguma, as desprezava até, e logo a primeira que foi olhar é essa, que jamais poderá ter! Ou melhor, a deseja porque nunca poderá tê-la, não é?
— Não diga tolices... — Lívio respondeu impaciente. Estava sentindo os efeitos de uma poção mágica que havia tomado. Sentia-se febril e irritadiço. “Talvez eu tenha errado a dose. Nunca tinha tentado fazer esta mistura antes.” — Eu tenho pena do destino que lhe reservaram, nada mais... Sentiria o mesmo por qualquer mulher que estivesse nesta situação... — Desconversou. — Inclusive você.
— Realmente, meu irmão, é surpreendente descobrir que mesmo você pode ser engraçado! — Bebeu um gole do excelente vinho que fora servido. — Vocês homens são todos ridículos!
— Um dia, minha irmã, vai amar alguém. É uma questão de tempo.
— Amar?! — Falou com ar debochado. — Deixo isso para os fracos e sonhadores como você! Os fortes, meu irmão, não amam, conquistam! Entre o poder e o amor, meu irmão, eu prefiro o poder, pois com ele, até isso que você chama “amor”, e eu chamo de eufemismo hipócrita para explicar a “luxúria” humana, estará a minha disposição. — Falou com desprezo. — Se deixar dominar pelos sentimentos é uma fraqueza deplorável! — Terminou com desdém.
— Fraqueza!? — Ele balançou a cabeça. — Tenho pena de você, se não aprender que tem um coração, ainda irá sofrer muito. — Disse levantando-se. — Com sua licença.
— Aonde vai?
— Meditar e rezar. — Falou com simplicidade. — Creio que mais do que nunca estou convencido de que meu destino não está na vida da Corte. — Fez pausa. — Se quiser me achar, estou na capela.
— Você é um tolo, realmente. — Ele deu de ombros e se foi, quando se viu fora das vistas de todos deu um profundo suspiro. “Acho que fui convincente em minha dor! Não sei de onde tiro coragem para participar desta loucura!” Suspirou “Não tente se enganar, Lívio, pois você sabe muito bem!” Depois, passou a mão sobre a testa que estava suada apesar do frio. “Espero que a poção tenha o seu efeito, pois o incômodo é bem grande.”
XXX
Alda viu quando Lívio se retirou e sabia que deveria fazer o mesmo o mais rápido possível. Não poderia recuar agora ou o Príncipe Guilherme morreria no outro dia e ela teria que ser esposa daquele homem horrível que só fazia beber e dizer grosserias. A idéia de passar a noite de núpcias com ele lhe dava náuseas. Aguardou um pouco para que não associassem a ausência dos dois. Quando achou que a hora chegara, ergueu uma taça com hidromel, só que quando ia provar o líquido, a taça “escorregou” de sua mão e derramou-se sobre o vestido. Ela ergueu-se de um salto e pegou um guardanapo, tentando limpar-se, uma criada veio acudi-la.— Oh, meu Deus! O que eu fiz? — Fingiu-se culpada e preocupada com o vestido.
— Se não tirá-lo agora ficará completamente manchado, Senhora. — A criada vaticinou.
— Eu sei, eu sei! — Virou-se para Humberto com um olhar submisso. — Meu Senhor, permitiria que me retirasse e trocasse o vestido? — Humberto estava tão bêbado que não ouviu. — Meu Senhor!
— Ãn?! — Seu pai cochichou-lhe ao ouvido e ele aquiesceu. — Sim, vá! Mas não precisa retomar. Esteja pronta para me receber, Senhora, porque não vou me demorar!
— Eu estarei, Meu Senhor. — Aproximou-se da Rainha. — Majestade! — A Rainha levantou-se e a abraçou cordialmente, beijando-lhe as faces.
— Tem minha permissão e meu desejo de felicidades e... — Fez pausa e falou baixinho em seu ouvido: —... que tenha um filho dentro de nove meses. — Alda forçou um sorriso e foi falar com seu pai:
— Pai, sua benção! — Disse beijando-lhe as mãos, só que o Marquês, não se importando com o liquido pegajoso que iria manchar suas belas vestes, abraçou-a e beijou-a.
— Tem minha benção, em tudo o que fizer, filhinha!
— Obrigada, pai. — Afundou o rosto no peito de seu pai, por um momento, pois as lágrimas vinham em seus olhos e não queria que ninguém notasse. — Espero revê-lo em breve, Pai. — Falou em seu ouvido.
— Eu também, meu bem. — Fez pausa e a beijou de novo. — Deseja que eu faça algo, filhinha?
— Atrase-o, Pai. E só isso o que peço. — Sussurrou e se foi para a câmara nupcial.
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