sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Comentando To Touch The Sun



Hoje consegui colocar minhas mãos em um livro raro. Trata-se de To Touch the Sun de Barbara Leigh ou, na versão cafona e sem sentido nacional, Mel do Pecado. Aliás, quase não comecei a ler por causa do título cretino. Afinal, o que o título original tem a ver com o título brasileiro?! Enfim, To Touch the Sun é um romance Harlequin que a Sett e a Thalita me empurraram em formato e-book na sua cruzada de convencimento de que esses livros são legais. E alguns são mesmo. Esse em particular é um achado.

Ele foi publicado em 1991 nos EUA e em 1992 saiu pela Nova Cultural, na série Clássicos da Literatura Romântica, que não existe mais. Eu fiquei com preguiça de terminar de ler em e-book e fui atrás do livro. Como ele é uma edição antiga tem muitas fãs e tudo mais, quando aparece algum no Mercado Livre os preços são absurdos. Já vi ser vendido por R$30,00 no fim do leilão. Na época do dólar baixo, eu chutei o pau da barraca e comprei o livro em inglês e não me arrependi. E agora, consegui comprar este meu volume por míseros R$3,00? Pura sorte.

Estava eu observando a comunidade Adoro Romances e apareceu uma moça reclamando que depois de ter pago R$25,00 encontrou o livro em um sebo por R$3,00 e que isso era muito injusto. Eu concordo. Por melhor que seja, ele não vale R$25,00 ainda mais com as capas estropiadas que eu vi por aí. Mas enfim, quando li o post pensei “Vai que este livro está no Estante Virtual?”. E não é que estava! ^^ R$3,00 o livro e R$5,00 o correio. Nem acreditei! Mas já dei sorte assim antes, especialmente em sebos onde os funcionários, ou mesmo o livreiro, não sabiam o que tinham em mãos. Eles não sabem, eu sei. De qualquer forma, o vendedor ainda foi muito gentil e o livro chegou em 48 horas. Ainda hei de encontrar a primeira edição do Lobo Domado e Bodas de Fogo por um preço decente. Basta ter paciência.

Mas por que o livro é legal? To Touch The Sun tem agumas características que estão presentes em mangás como A Rosa de Versalhes e Utena, isto é, a heroína travestida que recusa qualquer enquadramento de genero. A história se passa no início do século XIV, na Inglaterra, governo de Eduardo II. Inglaterra em guerra com os escoceses, e isso, claro, não é novidade dentro desses romances Harlequin. A heroína, Druanna, ou Drue, foi junto com o irmão sobrevivente de um massacre. O pai, cavaleiro, decide levar os filhos pequenos consigo para o campo de batalha. A menina passa a ser um menino e se mostra um material bem melhor para se fazer um cavaleiro do que o irmão. Assim, o temporário começa a ser definitivo.

O pai acaba cedendo e ela mantém a identidade masculina mesmo na puberdade, o que se torna mais fácil quando, por causa de um acidente, ela deixa de menstruar. Como é uma moça e é visto por todos como um rapaz muito bonito, ela não pode ir para a corte de Eduardo II, notório homossexual, sem que sua identidade e vida corram riscos. O irmão vai para a corte seguir os passos tradicionais para se tornar um cavaleiro. Ela fica no campo de batalha e espera se tornar um por mérito e consegue.

Drue salva o rei de um ataque a traição e se torna um cavaleiro. Ela é vista como um homem, se vê como um homem e não tem nenhuma crise com isso. Depois do seu sucesso, seu pai desiste de tirá-la do meio dos soldados. O romance romântico começa quando ela captura um inimigo na malfadada batalha de Backnnockburn. Drue apaixonasse pelo sujeito, um irlandês chamado Connaught, e o sujeito acaba se apaixonando por ele. Sim, porque este ponto importante. Connaught sofre, porque se apaixonou por outro homem e acha que tem a mesma “doença” do rei.

Todos ficam aliviados quando a confusão é desfeita, mas, enquanto isso, o foco está nas angústias dos dois e nas torturas impostas por Eduardo II a Connaught. OK. Daí, depois de se sentir deprimido por ter sido captuado por uma mulher, e de alguns momentos de amor, Connaught decide levar Drue para conhecer seus filhinhos, quer casar com ela e “manda” que ela coloque um vestido, porque agora ela vai ser “sua” mulher. Aí o caldo entorna, porque Drue não quer ser a mulherzinha de ninguém e roda a baiana. Ela não cede, não sacrifica a sua identidade pelo amor de Connaught, não se anula. Ou o sujeito a aceita como “ele” é, ou nada. E o final do livro é muito legal, com os dois partindo para a batalha juntos.

Já vi quem dissesse que o livro é um romance gay disfarçado para ser publicado pelo selo Harlequin. Na verdade, romance gay disfarçado ou não, To Touch the Sun retrata um romance entre iguais. Drue é como Diadorin. Ela não estava vivendo como vivia por falta de opção. Ela era um cavaleiro e isso a fazia feliz. É assim com Oscar no mangá (*esqueçam o anime*) da Rosa de Versalhes. A discussão dos papéis de gênero neste livro é ótima e historicamente ele não escorrega mais do que a maioria dos romances históricos conceituados.

De resto, To Touch the Sun consegue me fazer ter simpatia por Eduardo II e Piers Gaveston, duas personagens que, normalmente, acho detestáveis. Vou explicar. Minha visão a respeito d Eduardo II foi moldada principalmente pela leitura da série Os Reis Malditos. Lá, ele é mau rei (*Em To Touch The Sun, ele também é*), covarde e maltrata a esposa, a Rainha Isabel, filha do Rei Filipe IV da França. Dá as jóias da Rainha para os amantes e a submete a mil humilhações. Piers Gaveston foi o primeiro amante dele e foi morto por uma conspiração de nobres com o apoio da Rainha.

Mais adiante, Isabel foge para a França e volta com um exército. É a segunda invasão bem sucedida da Inglaterra. Eduardo II tinha físico de guerreiro, mas era péssimo nesse aspecto e além de perder para a esposa, tomou muitas pancadas dos escoceses. Mas eis que a Barbara Leigh consegue compor uma cena dele com o Gaveston, e Drue como testemunha, na qual eu consegui ter peninha dele. Com toda a carga de aversão que eu sinto pela personagem, acho que isso é mais um dos méritos do livro.

Não pensem que eu não gosto de Eduardo II por causa da homossexualidade, o problema e a incompetência mesmo. Conseguiu colocar a perder boa parte da obra do pai, Eduardo I, que foi um dos grandes reis da Inglaterra na Idade Média. Eduardo II só não foi pior, porque cumpriu o primeiro dever de um rei que e deixar descendência. Ricardo, Coração de Leão nem isso fez e o trono foi parar no colo do João, sem Terra.

Enfim, a capinha aí em cima da edição americana, a brasileira tem a mesma imagem. Se você sentiu interesse depois dos meus comentários, passe em um sebo e tente encontrar o livro por um preço razoável. Vale a pena levá-lo para casa. Não é um romance convencional e daria um excelente mangá nas mãos de uma autora competente, ou um filme legal, se alguém decidisse filmar. Ah, e se não gostou, não tocaria em um Harlequin ainda mais co esse título Mel do Pecado, pelo menos dê uma olhada nos Reis Malditos, porque é literatura com “L” maiúsculo. Toda a coleção foi republicada recentemente e as edições anteriores devem sair baratinhas nos sebos por aí.

4 pessoas comentaram:

Nunca entendi esses tradutores brasileiros que tem um péssimo hábito de estragar os títulos, tanto de livros, quanto de filmes.

Até afasta as pessoas! Vai entender...

Você contou até o fim da história!!
Malvada!!!
:-P

Contei?! ^^ [cóf! cóf] Ah, estou te devendo Os Reis Malditos. Você será a primeira pessoa para quem eu gravo que poderá entender sem suporte de legendas.

Claro, isso porque minha orientadora não conseguiu botar nem para rodar no pc dela...

Olá! Eu resolvi comentar nesse seu post só depois de ler "To touch the sun"! Acabei ontem. Entre corrigir um erro de digitalização e outro, pode ter certeza que gostei muito da leitura! É um romance harlequin superior aos demais, que tem palavras que nunca nem tinha visto na vida e uma narrativa muito consistente, ao contrário das historinhas leves e pouco desenvolvidas que já tive a coragem de ler. Minha parte preferida vai do início até o momento em que Connaught é devolvido aos escoceses e depois, o final, realmente grandioso, a justificação do título muito poético do livro.
Agradeço por você ter apontado esse livro e comentado-o tão adequadamente.
Tenho que dizer que o que mais me atraiu na história foi a coisa de Drue ser uma moça cavaleiro. É uma das linhas de roteiro favoritas no meu imaginário, e pretendo escrever sobre isso.
É isso!
Beijos!

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