Estou postando a coluna de hoje da Bia Abramo analisando as atuais telenovelas da Rede Globo. Ela deixou de fora a infeliz Ciranda de Pedra que terminou na sexta-feira. Por ser novela de época, ou assim se vender, decidi assistir. A experiência foi de altos e baixos. Começou muito ruim, com uma péssima escalação de elenco, uma alteração quase total da trama original, uma forçação de barra em cima da fundação de Brasília, depois houve uma sensível melhora, para se afundar aos poucos com um último capítulo ruim como raramente vi.
Analisando por cima: com o tempo, o talento de uma Leandra Leal se impôs e a sua personagem “nada a ver” passou a ser uma das atrações, junto com o sempre excelente Osmar Prado. Adorei o desempenho da atriz Hermila Guedes e devo tentar assistir os filmes que ela fez no cinema. Não sei se ela é nordestina de verdade, mas seu tipo físico convence, além de ter ótima química com o ator Cláudio Fontana, que até então nunca tinha me convencido com a sua sucessão de palyboys paulistanos sem função real na trama. Paola Oliveira também nunca esteve tão elegante (*e daria uma excelente Otávia se o original fosse seguido*) e Mônica Torres esteve muito bem. Sua morte nos privou de uma personagem madura e inteligente. Mas estes são os coadjuvantes, personagens - salvo Letícia - que não existiam ou tinham pouca relevância na trama original. O problema eram os protagonistas.
O par central, Ana Paula Arósio e Marcello Antony, além de muito jovem, não tinham química e sua trama foi esvaziada. A melhor parte da novela foi exatamente quando Laura volta para casa e as três atrizes limitadas que faziam suas filhas começaram a render... Pergunto-me se eram realmente tão fracas ou a direção de atores estava ruim demais. No fim, ninguém morreu, salvo uma irreconhecível Frau Herta. Aliás, Ana Beatriz Nogueira seria uma excelente Laura e com uma idade mais coerente. Mas isso, se seguissem o original...
Aquele final ridículo na ilha deserta, tudo muito branco e o salto de dez anos cretino e sem pé nem cabeça não teve função alguma na narrativa. De 1958 vão para 1968 com uma das filhas promotora, uma hippie (*adultos em 1958 já estariam muito “maduros” para embarcar nessa onda*) e outra militante política... claro, que ninguém sequer explicou de que partido ou linha... aliás, dez anos depois Virgínia já estaria com 27 anos... E com cara de 19 e no movimento estudantil. Aff... Ninguém envelheceu e forçaram tanto a barra no “onírico” com Laura e Daniel que fiquei me perguntando se eles estavam mortos, sonhando ou tinham usado drogas pesadas...
Foi isso, um quase lixo total como o final de Margarida e Eduardo. O rapaz descobrir que gostava dela (*por causa da tuberculose*) e não de Virgínia foi muita cretinice e ficou parecendo que o rapaz era volúvel e interesseiro... Enfim, no geral foi tudo muito aquém do que poderia ser. Ah, sim, no último capítulo sugeriram um romance gay para Letícia... Tudo, claro, muito discreto, isso porque o autor, Alcides Nogueira, que foi pedante ao extremo, disse que hoje em dia, ser homossexual não é problema no Brasil. Só se for no dele... Emfim, baixa qualidade = baixa audiência. Nota dez só para o figurino.
Leiam a coluna da Bia Abramo que ela levanta pontos fundamentais. Agora vou aproveitar o horário das seis para ver anime, ler um bom livro, assistir minhas minisséries inglesas ou Dr. Quinn (*consegui os torrents finalmente!*).
BIA ABRAMO
O realismo inverossímil da telenovela
A TELENOVELA brasileira vem sofrendo de algo que se pode chamar de "realismo inverossímil". Duas das novelas de maior audiência hoje no ar, "A Favorita" e "Três Irmãs", ambas na Globo, têm muitas semelhanças nesse sentido. O modelo de telenovela que se impôs nos anos 70 e 80 no Brasil parte do princípio que é da sua obrigação usar a ficção para discutir assuntos de relevância no mundo real e, de quebra, tentar representar o Brasil daquele momento.
Hoje, a telenovela continua apostando nesse certo realismo apoiado numa versão muito diluída do nacional-popular, mas perdeu um tanto a mão. O Brasil, afinal, se saiu muito mais diverso e complicado do que se imaginava, e não cabe mais na simplificação da telenovela.
O interessante é que essa espécie de crise do modelo "representativo" atingiu o cerne das narrativas. Seja por causa da pressão de produzir audiência de qualquer maneira, seja por uma certa ignorância ficcional, o fato é que esse realismo cada vez mais de araque vem acompanhado de narrativas esburacadas, personagens ruins, viravoltas previsíveis etc. Para ficar num exemplo simples, "A Favorita" e "Três Irmãs" têm situações geográficas completamente absurdas.
Na primeira, a cidade fictícia, pertíssimo de São Paulo a ponto de os personagens viverem trançando de lá para cá, tem ao mesmo tempo grandes fazendas e indústrias de porte para ter um movimento sindical significativo.
Para a segunda inventaram uma cidade onde os jovens falam e agem como se estivessem num shopping da Barra da Tijuca, os adultos parecem saídos de uma novela "nordestina" dos anos 70 e, bem, alguns personagens direto de um hospício dirigido em conjunto por Walt Disney e Dias Gomes.
Qual é o problema dessa geografia do autor doido? Se ainda, de fato, se quiser representar, de alguma forma, o Brasil, mesmo que numa chave interpretativa bem mais modesta do que já se quis, não adianta eleger temas aparentemente quentes e importantes e fazê-los entrar à força numa moldura ficcional esgarçada, sujeita às alavancagens de audiência e, de fato, incapaz de estabelecer relações empáticas com o público.
Claro que ficção, qualquer uma, exige alguma "suspensão da descrença", mas não a retirada total e absoluta de qualquer coerência, consistência e verossimilhança. Dessa maneira, deixa de ser ficção e torna-se um nada, recheado de comerciais.
biabramo.tv@uol.com.br
Analisando por cima: com o tempo, o talento de uma Leandra Leal se impôs e a sua personagem “nada a ver” passou a ser uma das atrações, junto com o sempre excelente Osmar Prado. Adorei o desempenho da atriz Hermila Guedes e devo tentar assistir os filmes que ela fez no cinema. Não sei se ela é nordestina de verdade, mas seu tipo físico convence, além de ter ótima química com o ator Cláudio Fontana, que até então nunca tinha me convencido com a sua sucessão de palyboys paulistanos sem função real na trama. Paola Oliveira também nunca esteve tão elegante (*e daria uma excelente Otávia se o original fosse seguido*) e Mônica Torres esteve muito bem. Sua morte nos privou de uma personagem madura e inteligente. Mas estes são os coadjuvantes, personagens - salvo Letícia - que não existiam ou tinham pouca relevância na trama original. O problema eram os protagonistas.
O par central, Ana Paula Arósio e Marcello Antony, além de muito jovem, não tinham química e sua trama foi esvaziada. A melhor parte da novela foi exatamente quando Laura volta para casa e as três atrizes limitadas que faziam suas filhas começaram a render... Pergunto-me se eram realmente tão fracas ou a direção de atores estava ruim demais. No fim, ninguém morreu, salvo uma irreconhecível Frau Herta. Aliás, Ana Beatriz Nogueira seria uma excelente Laura e com uma idade mais coerente. Mas isso, se seguissem o original...
Aquele final ridículo na ilha deserta, tudo muito branco e o salto de dez anos cretino e sem pé nem cabeça não teve função alguma na narrativa. De 1958 vão para 1968 com uma das filhas promotora, uma hippie (*adultos em 1958 já estariam muito “maduros” para embarcar nessa onda*) e outra militante política... claro, que ninguém sequer explicou de que partido ou linha... aliás, dez anos depois Virgínia já estaria com 27 anos... E com cara de 19 e no movimento estudantil. Aff... Ninguém envelheceu e forçaram tanto a barra no “onírico” com Laura e Daniel que fiquei me perguntando se eles estavam mortos, sonhando ou tinham usado drogas pesadas...
Foi isso, um quase lixo total como o final de Margarida e Eduardo. O rapaz descobrir que gostava dela (*por causa da tuberculose*) e não de Virgínia foi muita cretinice e ficou parecendo que o rapaz era volúvel e interesseiro... Enfim, no geral foi tudo muito aquém do que poderia ser. Ah, sim, no último capítulo sugeriram um romance gay para Letícia... Tudo, claro, muito discreto, isso porque o autor, Alcides Nogueira, que foi pedante ao extremo, disse que hoje em dia, ser homossexual não é problema no Brasil. Só se for no dele... Emfim, baixa qualidade = baixa audiência. Nota dez só para o figurino.
Leiam a coluna da Bia Abramo que ela levanta pontos fundamentais. Agora vou aproveitar o horário das seis para ver anime, ler um bom livro, assistir minhas minisséries inglesas ou Dr. Quinn (*consegui os torrents finalmente!*).
BIA ABRAMO
O realismo inverossímil da telenovela
A TELENOVELA brasileira vem sofrendo de algo que se pode chamar de "realismo inverossímil". Duas das novelas de maior audiência hoje no ar, "A Favorita" e "Três Irmãs", ambas na Globo, têm muitas semelhanças nesse sentido. O modelo de telenovela que se impôs nos anos 70 e 80 no Brasil parte do princípio que é da sua obrigação usar a ficção para discutir assuntos de relevância no mundo real e, de quebra, tentar representar o Brasil daquele momento.
Hoje, a telenovela continua apostando nesse certo realismo apoiado numa versão muito diluída do nacional-popular, mas perdeu um tanto a mão. O Brasil, afinal, se saiu muito mais diverso e complicado do que se imaginava, e não cabe mais na simplificação da telenovela.
O interessante é que essa espécie de crise do modelo "representativo" atingiu o cerne das narrativas. Seja por causa da pressão de produzir audiência de qualquer maneira, seja por uma certa ignorância ficcional, o fato é que esse realismo cada vez mais de araque vem acompanhado de narrativas esburacadas, personagens ruins, viravoltas previsíveis etc. Para ficar num exemplo simples, "A Favorita" e "Três Irmãs" têm situações geográficas completamente absurdas.
Na primeira, a cidade fictícia, pertíssimo de São Paulo a ponto de os personagens viverem trançando de lá para cá, tem ao mesmo tempo grandes fazendas e indústrias de porte para ter um movimento sindical significativo.
Para a segunda inventaram uma cidade onde os jovens falam e agem como se estivessem num shopping da Barra da Tijuca, os adultos parecem saídos de uma novela "nordestina" dos anos 70 e, bem, alguns personagens direto de um hospício dirigido em conjunto por Walt Disney e Dias Gomes.
Qual é o problema dessa geografia do autor doido? Se ainda, de fato, se quiser representar, de alguma forma, o Brasil, mesmo que numa chave interpretativa bem mais modesta do que já se quis, não adianta eleger temas aparentemente quentes e importantes e fazê-los entrar à força numa moldura ficcional esgarçada, sujeita às alavancagens de audiência e, de fato, incapaz de estabelecer relações empáticas com o público.
Claro que ficção, qualquer uma, exige alguma "suspensão da descrença", mas não a retirada total e absoluta de qualquer coerência, consistência e verossimilhança. Dessa maneira, deixa de ser ficção e torna-se um nada, recheado de comerciais.
biabramo.tv@uol.com.br
2 pessoas comentaram:
Concordo totalmente com vocês duas. Não acompanhei a novela fielmente por que já li o livro e achei a novela muito ruim... Assisti o final só pra ver o que ia acontecer mas não deu tempo de ver o início na sexta e quando vi as cenas da ilha realmente achei que Laura e Daniel tinham morrido ou endoidado e no fim mesmo, acho que viraram golfinhos... Ah, Hermila Guedes é Pernanbucana!
Já comentei com algumas pessoas que as novelas de época da Globo estão se apoiando no núcleo engraçado da trama, que costuma ter um espaço enorme. Basta fazer umas piadinhas bem bobas, botar música acelerada no fundo e rezar pro talento dos atores render algo... não é coisa só das novelas de época, mas delas principalmente.
A história do livro renderia uma excelente minissérie, se não fizessem concessões aos temas ousados. Mas até nessas estão ousando menos.
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