Como tenho um leitor que já perguntou duas vezes o que são mangás Harlequin, estou postando aqui a matéria que fiz para a Neo Tokyo no final de 2006 (*acho*). Não fiz a revisão da matéria, hoje eu já tenho algumas coletâneas (*exemplo*) aqui em casa e fui uma das que se confundiu misturando o traço da Chieko Hara (*é ela que fez a tal capa da edição de primavera*) com o da Yumiko Igarashi. E a Chiho Saitou de Utena é só capista. Se você comprar uma coletânea querendo um quadrinho dela no miolo, vai se arrepender.
Para os fãs da Deborah Simmons uma notícia boa: ela voltou a escrever. Este ano sai um livro dela; se passa na Época da Regência (*é o período de 1811 à 1820, antes do governo da Rainha Vitória, quando se passam alguns dos livros da Jane Austen*), mas ela disse ter retomado a saga dos De Burgh. Basta escrever para ela que ela responde em menos de 24 horas.
Deveria colocar no Shoujo House, mas só farei isso quando tiver tempo de atualizar. Para mais posts sobre mangás Harlequin, é só dar busca no blog, vai aparecer muita coisa, inclusive os rankins ga Taiyosha, pois em semana e lançamento o top ten dos josei traz pelo menos 4 ou 5 títulos Harlequin.
Estou envolvida com a pesquisa para fazer esta matéria faz uns oito meses. Até meados do ano passado, nunca tinha ouvido falar em mangá Harlequin e nem sequer sabia direito o que eram os livros Harlequin. Foi um caminho longo, tive que comprar alguns mangás, conversar com um monte de gente, ler alguns livros, vencer uma série de preconceitos e, sim, aprendi uma série de coisas interessantes e pretendo dividir com vocês.
O QUE É HARLEQUIN?
Os livros Harlequin são romances populares geralmente escritos por mulheres para mulheres. Nesse sentido, se aproximam dos shoujo-josei e suprem de certa forma uma lacuna. No Ocidente, quadrinhos são feitos em geral por homens e mesmo que nos EUA houvesse um número considerável de desenhistas e roteiristas, elas foram empurradas para fora do mercado. O que quero dizer é que no Japão, as mulheres fazem quadrinhos e escrevem, nos EUA e em outros países, elas só podem escrever... Ou nem isso.
O tema dos livros Harlequin é o amor romântico. Pode ser nos dias de hoje, com pessoas comuns, ou contando histórias ao estilo “cinderela” com sheiks de países árabes inexistentes ou magnatas gregos. Podem ser histórias de espionagem, ficção científica ou fantasia, desde que tenham um bom romance. Podem histórias com piratas, damas medievais ou cavaleiros; podem se passar nos EUA, na Escócia, na Austrália, na China ou na África, desde que o romance central seja muito bom. Comédia ou drama choroso, historinha água com açúcar ou picante, se o casal protagonista não convencer, o livro será rejeitado.
Já devem saber que estou falando dos romances de banca de jornal que muita gente olha com desprezo. Nem todos são Harlequin, mas a editora está presente no Brasil faz tempo; primeiro seus livros saíam pela Nova Cultural, agora, são publicados somente com o seu selo. Antes de me propor a escrever esta matéria, eu não tinha lido nenhum livro e tinha um preconceito ferrado contra eles, afinal “literatura de mulherzinha” é algo ruim, não é? Eis o ponto, mangá também é literatura popular, livros de faroeste, ficção científica, espionagem, e mesmo clássicos consagrados de hoje em dia, como Os Três Mosqueteiros, foram literatura popular e barata um dia... Por que o estigma maior é sempre maior com aquilo que é feito para mulheres?
HARLEQUIN ENTERPRISES: UMA EMPRESA BEM SUCEDIDA
A Harlequin é canadense e foi fundada em 1949. Nos seus primeiros tempos, todo tipo de romance popular saía com o selo Harlequin, mas depois de comprar definitivamente a editora de romances femininos Mills & Boon em 1971, o nome passou a se aplicar somente aos livros românticos para mulheres. Presente em vários países do mundo, inclusive o Brasil, a Harlequin publica mais de 100 livros todos os meses em cerca de 27 línguas. Alguns romances Harlequin já foram transformados em filmes e volta e meia são exibidos no canal por assinatura Hallmark.
É uma verdadeira linha de montagem, e assim como acontece com os mangás, nem todos os livros são magníficos, são passatempo ligeiro e a maioria será esquecida. Algumas autoras irão se destacar e angariar fãs em todo o mundo, como Deborah Simmons, que entrevistei para esta matéria, outras irão parar no seu primeiro livro, ou mudar de pseudônimo para tentar de novo. Quando se trata de um produto de massa, ou você vende ou não tem espaço.
Hoje a Harlequin Enterprises opera com vários selos além do Harlequin: Red Dress Ink para romances moderninhos ao estilo Bridget Jones, que em inglês são chamados de “Chick Lit”, thrillers e literatura em geral sob o selo MIRA; LUNA para os romances de fantasia, Steeple Hill e Steeple Hill Café para romances cristãos e Gold Eagle para livros de ação e aventura para homens. Cuidado, mesmo que você despreze os romances de banca, pode ter lido e gostado de algum produto da Harlequin!
UMA EDITORA PARA AS MULHERES
A Editora Japonesa Ohzora foi fundada em 1990 e publica várias antologias (shoujo, josei, shounen, seinen, etc), além de livros, volumes encadernados de mangá e outros tipos de revista, como a Diva’s. A editora se anuncia como a líder no mercado de quadrinhos para mulheres adultas no Japão, o que pode ser somente parte da propaganda.
A Ohzora mantém várias revistas femininas como a Pastel , a Missy, a Shiawase na Kekkon, a Young Love Comic Aya, Hi Mystery, a Ladys Comic Special Aya, a Cool-B (yaoi), entre outras. O interessante é que a maior atenção é para as mulheres adultas que, lá no Japão, continuam lendo mangá, desde que encontrem algo do seu interesse. Lembram da matéria de Nodame Cantabile (NT13)? Nela eu comentei que as revistas josei ou lady’s comics surgiram muito tarde no Japão, se comparado com as revistas seinen, mas elas existem e algumas são bem populares.
Seguindo esta linha de ação, em 1998, a Ohzora aproveitou-se do imenso sucesso dos romances Harlequin no Japão, e fez uma parceria inédita. Que tal transformar os livros em mangá? Pois é, quem nunca sonhou em ter seu livro favorito ou pelo menos um livro que gostasse em forma de mangá? E se o traço fosse de uma Chiho Saito, que tal? É isso que a Ohzora oferece, em sua antologia mensal Harlequin, na Bessatsu Harlequin que é bimestral, e nas edições especiais temáticas e edições para cada estação do ano.
De acordo com a editora, já foram mais de 250 livros convertidos em quadrinhos, e mais de 9 milhões de volumes encadernados. Parece pouco? Mas lembrem-se que esses quadrinhos não têm anime, nem dorama, mas não raro há algum Harlequin entre os josei mais vendidos do Japão. Um detalhe importante do material Harlequin é que os romances são sempre heterossexuais, já que os livros têm esse enfoque, não existe nenhuma influência yaoi/BL neles. Acaba sendo uma alternativa interessante para quem não curte o homoerotismo tão forte nos shoujo mangá.
QUEM DESENHA?
O nível das desenhistas dos romances Harlequin é variável. As três edições americanas que comprei são boa prova disso. Misao Hoshiai de Holding on to Alex tem um traço bonito e domina bem a narrativa de shoujo mangá; Yukino Hara de No Competition é mediana, tem bons momentos, mas não convence; e Kako Itoh de a Girl in a Million tem traço de fanzineira inexperiente o que termina de desqualificar o roteiro fraco demais. Há coisas para todos os gostos. Já Nanao Hidaka, que converteu a Saga de Burgh e outros livros de Deborah Simmons para mangá, faz um bom trabalho, mesmo tendo seus altos e baixos. Vocês mesmos podem avaliar pelas imagens da matéria.
A Ohzora contrata desde artistas iniciantes até estrelas do shoujo mangá para sua coletânea Harlequin. Querem ver? Dentre as mangá-kas que fazem ou fizeram Harlequin temos autoras clássicas Yumiko Igarashi, desenhista de Candy Candy e responsável pela capa da última edição de primavera, e Youko Hanabusa, autora de Lady Lady!!, Chieko Hara, Chiho Saitou (*que naturalmente já faz coisas ao estilo Harlequin*) foi responsável por várias capas, inclusive as duas últimas Bessatsu Harlequin, e a quase pornográfica Kayono fez pelo menos dois mangás.
O PROBLEMA DOS ROTEIROS
Como converter um livro que pode chegar a 400 páginas em um quadrinho com uma média de 140 páginas? Um dos pontos fracos de alguns mangás Harlequin são os roteiros. Conversei com algumas leitoras de romances que pegaram os mangás e a reclamação foi exatamente essa, o quadrinho é ruim porque o livro foi simplificado ao extremo. Mesmo sem ter lido os livros, suspeitava disso.
No Competition, por exemplo, parece ser uma história bem interessante, mesmo que clichê: a moça que se acha o patinho feio, porque sua irmã gêmea tem tudo que quer, assim não consegue perceber que é uma excelente pessoa, uma pintora talentosa, e, sim, uma mulher atraente. O resultado, no entanto, é muito aquém do esperado. Testei com minhas alunas –afinal, poderia ser rabugice minha – e elas não gostaram. Preferiram Holding on to Alex, que é de um machismo de doer, mas tem um roteiro que flui muito melhor e traço bem superior.
Será que todos os mangás Harlequin têm esse mesmo problema? Quando consegui ter acesso aos volumes japoneses da Saga De Burgh que são da coleção Harlequin Premium Comics, vi que não. Com cerca de 350 páginas, houve uma boa adaptação. Afinal, há espaço para colocar quase tudo, a maioria dos diálogos é mantida e pouca coisa foi mudada. Como tinha lido os livros, posso dizer sem medo que são bons exemplos de Harlequin mangá.
HARLEQUIN NOS EUA
Em 2005, a Dark Horse, uma das mais respeitadas editoras de quadrinhos dos EUA, anunciou uma parceira inédita com a Harlequin e a Ohzora. A editora iria publicar mangás Harlequin nos Estados Unidos. Sem experiência com shoujo e vendo o crescente interesse pelo gênero, queriam participar dos lucros que tinha Fruits Basket como propulsor. Acredito que a Harlequin também tenha percebido isso e sem know-how na área, buscou uma parceria forte.
O anúncio foi cheio com pompa e o press release provocou riso em vários sites especializados dos EUA, pois citava Ah! Megami-sama como shoujo, só para começar a lambança. Enfim, as coisas não começaram bem e o material selecionado foi muito irregular. Os mangás escolhidos padecem do problema do roteiro comprimido, e perdem feio para os shoujo e josei mangá “puros” que estão no mercado de lá.
Para se ter uma idéia, apesar de serem considerados josei/lady’s comics no Japão, a Dark Horse e a Harlequin decidiram dividir a coleção – Harlequin Ginger Blossom – em duas faixas, a rosa, para jovens leitoras e a violeta, para leitoras, nas palavras deles, “mais sofisticadas”. Pois bem, a única grande diferença entre uma e outra é ter ou não sexo, ou algo que pareça sexo. Veja que há livros Harlequin que tem muito sexo, outros fazem a linha “água com açúcar”. E a Dark Horse anuncia como “(...) um degrau de romantismo acima da mesmice que está nas prateleiras hoje em dia”.
Tudo o que li me pareceu muito pueril, antiquado e pouco relacionado com o tipo de mangá que tem feito sucesso nos EUA. Só publicaram histórias contemporâneas, nada de romances históricos, por enquanto. Em meados de 2006, a Harlequin assumiu sozinha a publicação e eliminou a série violeta, optando somente pelo material mais “leve”. Pergunto-me se eles estão se saindo bem nas vendas. Os EUA é o primeiro país onde os mangás Harlequin da Ohzora estão sendo publicados e só lamento que não tenham lançado nada com o traço de autoras consagradas como Chiho Saito ou Yumiko Igarashi.
MINHA EXPERIÊNCIA
Até os 30 anos nunca tinha lido nada da Harlequin. Na adolescência, a leve idéia de colocar as mãos em romances “melosos” (*Será?*) de banca de jornal seria degradante. Os títulos me pareciam horrorosos (*e alguns são mesmo!*) e chegava até a debochar de algumas amigas... Nenhuma estagnou na vida por conta dessa “mácula” em seu currículo. Daí, ano passado, descobri os tais mangás Harlequin, graças a duas amigas que liam mangá e romances de banca. Comecei com o material que estava saindo nos EUA, e detestei!
Holding on to Alex com seu mocinho possessivo e egoísta, e a heroína que desiste de ser bailarina porque o sujeito acha que qualquer coisa que ela faça sem ser em função dele é traição, me enojou. Tinha me proposto a não tentar de novo, mas como minhas amigas desconfiaram, eu precisava com algo que parecesse comigo. E elas estavam certas.
Assim como existe mangá para todos os gostos, há Harlequin para todos os gostos (*inclusive masculino*). Só para citar um exemplo, detesto mangás tipo Boku Wa Imouto ni Koi wo Suru e Hot Gimmick, mas seria leviandade dizer que porque não gosto deles todo shoujo mangá é ruim... Bem, tem gente que faz dessas coisas, vocês sabem! Assim, elas sugeriram Deborah Simmons e a Saga De Burgh e eu gostei. Devorei os livros e encomendei os mangás. Como já comentei, a adaptação foi bem feita e as 350 páginas, muitas delas coloridas, deram conta dos livros. Um deles foi convertido em dois volumes. Aliás, Deborah Simmons teve sete ou mais de seus livros transformados em mangá.
A Saga De Burgh se passa na Inglaterra, século XIII, governo de Eduardo I, um dos melhores períodos para usar em romances de qualquer espécie com a conquista de Gales e a luta contra os escoceses. Os De Burgh são sete irmãos (Dunstan, Simon, Stephen, Geoffrey, Robin, Reynold e Nicholas), mais o pai deles, o Conde Campion. São histórias com romance, alguma aventura, um pouco de sexo e muito humor.
Invariavelmente terminam com o casamento de um dos rapazes, a ponto de um dos irmãos começar a pensar que alguém enfeitiçou a família. Claro que eles são medievais muito limpinhos, mas fidelidade histórica é algo muito relativo tanto em romances quanto em mangá.
Quatro livros foram transformados em mangá até agora: O Lobo Domado (Taming the Wolf - Ookami wo Aishita Himegimi), O Anel de Noivado (The De Burgh Bride - Masei no Hanayome) e Coração de Guerreira (Robber Bride - Kishi to Onna Touzoku), e Um Lorde para Amar (My Lord De Burgh - Majo ni Sasageru Chikai), todos valem a pena. A Harlequin do Brasil não tem experiência com mangás, mas a relações públicas da empresa, Vírginia Rivera, disse que há interesse em publicá-los. Temo que acabem lançando o que está saindo nos EUA, material antiquado, ruim, e que não explora todas as potencialidades desse encontro entre literatura feminina e mangás para mulheres. Os leitores de mangá pensariam mal dos livros, e os leitores de Harlequin mal dos mangás.
ENTREVISTA COM DEBORAH SIMMONS
Eu enviei um e-mail para a autora, para saber sobre a adaptação de seus livros para formato mangá e ela foi muito gentil em responder. Nada mais justo do que concluir a matéria com parte de sua entrevista.
1) Por que você se tornou uma novelista?
- Deborah Simmons: Minha mãe era uma professora de inglês e escrevia poesias, assim ela esperava que seus filhos escrevessem, e depois da faculdade eu passei muitos anos trabalhando em um jornal. Como era fã de romances históricos, eu sempre imaginava que poderia escrever um. Mas somente quando fiquei em casa por conta do nascimento de minha filha que eu finalmente comecei um manuscrito. Chamava-se Heart's Masquerade, foi publicado pela Avon em 1989.
2) De onde você tira inspiração?
- DS: Das pesquisas que faço.
3) Qual o seu período favorito? Idade Média ou Regência?
- DS: Como alguns dos primeiros romances que li eram de Georgette Heyer, Eu tenho que dizer Regência. As roupas, a linguagem, e os costumes são tão divertidos de descrever (e ler) sobre.
4) Por que tantos de seus livros se passam na Inglaterra?
- DS: Acho que é porque muitos dos meus livros favoritos, de Heyer e Jane Austen, se passam lá.
5) Você foi consultada sobre a adaptação de seus livros para mangá no Japão? Você teve alguma participação no processo?
- DS: Eu não tive nenhuma voz ativa no processo. Mas Nanao Hidaka foi muito gentil e me enviou algumas imagens lindas e algumas cópias das novelas que ela ilustrou.
6) Você é leitora de quadrinhos? Se não é, Por quê?
- DS: Eu acho que sempre estive muito imersa em outros gêneros (romances, chick lit, livros de pesquisa, e biografias). O que você recomendaria como introdução ao gênero?
7) Você me disse [em e-mail anterior] que seus livros são muito famosos no Japão. Você sabe por quê? Você recebe muitas cartas de fãs do Japão? E do Brasil?
- DS: Eu realmente não faço idéia do que faz com que eu tenha tantos fãs no Japão e no Brasil. Meus livros também vendem bem na França e na Itália. Se ao menos eu fosse tão popular na América do Norte!
Agradeço muito a Sett e a Thalita pelo apoio e consultoria para fazer esta matéria.
LINKS:
Ohzora
Harlequin
Harlequin do Brasil
Comunidade Adoro Romances
Deborah Simmons
Para os fãs da Deborah Simmons uma notícia boa: ela voltou a escrever. Este ano sai um livro dela; se passa na Época da Regência (*é o período de 1811 à 1820, antes do governo da Rainha Vitória, quando se passam alguns dos livros da Jane Austen*), mas ela disse ter retomado a saga dos De Burgh. Basta escrever para ela que ela responde em menos de 24 horas.
Deveria colocar no Shoujo House, mas só farei isso quando tiver tempo de atualizar. Para mais posts sobre mangás Harlequin, é só dar busca no blog, vai aparecer muita coisa, inclusive os rankins ga Taiyosha, pois em semana e lançamento o top ten dos josei traz pelo menos 4 ou 5 títulos Harlequin.
Estou envolvida com a pesquisa para fazer esta matéria faz uns oito meses. Até meados do ano passado, nunca tinha ouvido falar em mangá Harlequin e nem sequer sabia direito o que eram os livros Harlequin. Foi um caminho longo, tive que comprar alguns mangás, conversar com um monte de gente, ler alguns livros, vencer uma série de preconceitos e, sim, aprendi uma série de coisas interessantes e pretendo dividir com vocês.
O QUE É HARLEQUIN?
Os livros Harlequin são romances populares geralmente escritos por mulheres para mulheres. Nesse sentido, se aproximam dos shoujo-josei e suprem de certa forma uma lacuna. No Ocidente, quadrinhos são feitos em geral por homens e mesmo que nos EUA houvesse um número considerável de desenhistas e roteiristas, elas foram empurradas para fora do mercado. O que quero dizer é que no Japão, as mulheres fazem quadrinhos e escrevem, nos EUA e em outros países, elas só podem escrever... Ou nem isso.
O tema dos livros Harlequin é o amor romântico. Pode ser nos dias de hoje, com pessoas comuns, ou contando histórias ao estilo “cinderela” com sheiks de países árabes inexistentes ou magnatas gregos. Podem ser histórias de espionagem, ficção científica ou fantasia, desde que tenham um bom romance. Podem histórias com piratas, damas medievais ou cavaleiros; podem se passar nos EUA, na Escócia, na Austrália, na China ou na África, desde que o romance central seja muito bom. Comédia ou drama choroso, historinha água com açúcar ou picante, se o casal protagonista não convencer, o livro será rejeitado.
Já devem saber que estou falando dos romances de banca de jornal que muita gente olha com desprezo. Nem todos são Harlequin, mas a editora está presente no Brasil faz tempo; primeiro seus livros saíam pela Nova Cultural, agora, são publicados somente com o seu selo. Antes de me propor a escrever esta matéria, eu não tinha lido nenhum livro e tinha um preconceito ferrado contra eles, afinal “literatura de mulherzinha” é algo ruim, não é? Eis o ponto, mangá também é literatura popular, livros de faroeste, ficção científica, espionagem, e mesmo clássicos consagrados de hoje em dia, como Os Três Mosqueteiros, foram literatura popular e barata um dia... Por que o estigma maior é sempre maior com aquilo que é feito para mulheres?
HARLEQUIN ENTERPRISES: UMA EMPRESA BEM SUCEDIDA
A Harlequin é canadense e foi fundada em 1949. Nos seus primeiros tempos, todo tipo de romance popular saía com o selo Harlequin, mas depois de comprar definitivamente a editora de romances femininos Mills & Boon em 1971, o nome passou a se aplicar somente aos livros românticos para mulheres. Presente em vários países do mundo, inclusive o Brasil, a Harlequin publica mais de 100 livros todos os meses em cerca de 27 línguas. Alguns romances Harlequin já foram transformados em filmes e volta e meia são exibidos no canal por assinatura Hallmark.
É uma verdadeira linha de montagem, e assim como acontece com os mangás, nem todos os livros são magníficos, são passatempo ligeiro e a maioria será esquecida. Algumas autoras irão se destacar e angariar fãs em todo o mundo, como Deborah Simmons, que entrevistei para esta matéria, outras irão parar no seu primeiro livro, ou mudar de pseudônimo para tentar de novo. Quando se trata de um produto de massa, ou você vende ou não tem espaço.
Hoje a Harlequin Enterprises opera com vários selos além do Harlequin: Red Dress Ink para romances moderninhos ao estilo Bridget Jones, que em inglês são chamados de “Chick Lit”, thrillers e literatura em geral sob o selo MIRA; LUNA para os romances de fantasia, Steeple Hill e Steeple Hill Café para romances cristãos e Gold Eagle para livros de ação e aventura para homens. Cuidado, mesmo que você despreze os romances de banca, pode ter lido e gostado de algum produto da Harlequin!
UMA EDITORA PARA AS MULHERES
A Editora Japonesa Ohzora foi fundada em 1990 e publica várias antologias (shoujo, josei, shounen, seinen, etc), além de livros, volumes encadernados de mangá e outros tipos de revista, como a Diva’s. A editora se anuncia como a líder no mercado de quadrinhos para mulheres adultas no Japão, o que pode ser somente parte da propaganda.
A Ohzora mantém várias revistas femininas como a Pastel , a Missy, a Shiawase na Kekkon, a Young Love Comic Aya, Hi Mystery, a Ladys Comic Special Aya, a Cool-B (yaoi), entre outras. O interessante é que a maior atenção é para as mulheres adultas que, lá no Japão, continuam lendo mangá, desde que encontrem algo do seu interesse. Lembram da matéria de Nodame Cantabile (NT13)? Nela eu comentei que as revistas josei ou lady’s comics surgiram muito tarde no Japão, se comparado com as revistas seinen, mas elas existem e algumas são bem populares.
Seguindo esta linha de ação, em 1998, a Ohzora aproveitou-se do imenso sucesso dos romances Harlequin no Japão, e fez uma parceria inédita. Que tal transformar os livros em mangá? Pois é, quem nunca sonhou em ter seu livro favorito ou pelo menos um livro que gostasse em forma de mangá? E se o traço fosse de uma Chiho Saito, que tal? É isso que a Ohzora oferece, em sua antologia mensal Harlequin, na Bessatsu Harlequin que é bimestral, e nas edições especiais temáticas e edições para cada estação do ano.
De acordo com a editora, já foram mais de 250 livros convertidos em quadrinhos, e mais de 9 milhões de volumes encadernados. Parece pouco? Mas lembrem-se que esses quadrinhos não têm anime, nem dorama, mas não raro há algum Harlequin entre os josei mais vendidos do Japão. Um detalhe importante do material Harlequin é que os romances são sempre heterossexuais, já que os livros têm esse enfoque, não existe nenhuma influência yaoi/BL neles. Acaba sendo uma alternativa interessante para quem não curte o homoerotismo tão forte nos shoujo mangá.
QUEM DESENHA?
O nível das desenhistas dos romances Harlequin é variável. As três edições americanas que comprei são boa prova disso. Misao Hoshiai de Holding on to Alex tem um traço bonito e domina bem a narrativa de shoujo mangá; Yukino Hara de No Competition é mediana, tem bons momentos, mas não convence; e Kako Itoh de a Girl in a Million tem traço de fanzineira inexperiente o que termina de desqualificar o roteiro fraco demais. Há coisas para todos os gostos. Já Nanao Hidaka, que converteu a Saga de Burgh e outros livros de Deborah Simmons para mangá, faz um bom trabalho, mesmo tendo seus altos e baixos. Vocês mesmos podem avaliar pelas imagens da matéria.
A Ohzora contrata desde artistas iniciantes até estrelas do shoujo mangá para sua coletânea Harlequin. Querem ver? Dentre as mangá-kas que fazem ou fizeram Harlequin temos autoras clássicas Yumiko Igarashi, desenhista de Candy Candy e responsável pela capa da última edição de primavera, e Youko Hanabusa, autora de Lady Lady!!, Chieko Hara, Chiho Saitou (*que naturalmente já faz coisas ao estilo Harlequin*) foi responsável por várias capas, inclusive as duas últimas Bessatsu Harlequin, e a quase pornográfica Kayono fez pelo menos dois mangás.
O PROBLEMA DOS ROTEIROS
Como converter um livro que pode chegar a 400 páginas em um quadrinho com uma média de 140 páginas? Um dos pontos fracos de alguns mangás Harlequin são os roteiros. Conversei com algumas leitoras de romances que pegaram os mangás e a reclamação foi exatamente essa, o quadrinho é ruim porque o livro foi simplificado ao extremo. Mesmo sem ter lido os livros, suspeitava disso.
No Competition, por exemplo, parece ser uma história bem interessante, mesmo que clichê: a moça que se acha o patinho feio, porque sua irmã gêmea tem tudo que quer, assim não consegue perceber que é uma excelente pessoa, uma pintora talentosa, e, sim, uma mulher atraente. O resultado, no entanto, é muito aquém do esperado. Testei com minhas alunas –afinal, poderia ser rabugice minha – e elas não gostaram. Preferiram Holding on to Alex, que é de um machismo de doer, mas tem um roteiro que flui muito melhor e traço bem superior.
Será que todos os mangás Harlequin têm esse mesmo problema? Quando consegui ter acesso aos volumes japoneses da Saga De Burgh que são da coleção Harlequin Premium Comics, vi que não. Com cerca de 350 páginas, houve uma boa adaptação. Afinal, há espaço para colocar quase tudo, a maioria dos diálogos é mantida e pouca coisa foi mudada. Como tinha lido os livros, posso dizer sem medo que são bons exemplos de Harlequin mangá.
HARLEQUIN NOS EUA
Em 2005, a Dark Horse, uma das mais respeitadas editoras de quadrinhos dos EUA, anunciou uma parceira inédita com a Harlequin e a Ohzora. A editora iria publicar mangás Harlequin nos Estados Unidos. Sem experiência com shoujo e vendo o crescente interesse pelo gênero, queriam participar dos lucros que tinha Fruits Basket como propulsor. Acredito que a Harlequin também tenha percebido isso e sem know-how na área, buscou uma parceria forte.
O anúncio foi cheio com pompa e o press release provocou riso em vários sites especializados dos EUA, pois citava Ah! Megami-sama como shoujo, só para começar a lambança. Enfim, as coisas não começaram bem e o material selecionado foi muito irregular. Os mangás escolhidos padecem do problema do roteiro comprimido, e perdem feio para os shoujo e josei mangá “puros” que estão no mercado de lá.
Para se ter uma idéia, apesar de serem considerados josei/lady’s comics no Japão, a Dark Horse e a Harlequin decidiram dividir a coleção – Harlequin Ginger Blossom – em duas faixas, a rosa, para jovens leitoras e a violeta, para leitoras, nas palavras deles, “mais sofisticadas”. Pois bem, a única grande diferença entre uma e outra é ter ou não sexo, ou algo que pareça sexo. Veja que há livros Harlequin que tem muito sexo, outros fazem a linha “água com açúcar”. E a Dark Horse anuncia como “(...) um degrau de romantismo acima da mesmice que está nas prateleiras hoje em dia”.
Tudo o que li me pareceu muito pueril, antiquado e pouco relacionado com o tipo de mangá que tem feito sucesso nos EUA. Só publicaram histórias contemporâneas, nada de romances históricos, por enquanto. Em meados de 2006, a Harlequin assumiu sozinha a publicação e eliminou a série violeta, optando somente pelo material mais “leve”. Pergunto-me se eles estão se saindo bem nas vendas. Os EUA é o primeiro país onde os mangás Harlequin da Ohzora estão sendo publicados e só lamento que não tenham lançado nada com o traço de autoras consagradas como Chiho Saito ou Yumiko Igarashi.
MINHA EXPERIÊNCIA
Até os 30 anos nunca tinha lido nada da Harlequin. Na adolescência, a leve idéia de colocar as mãos em romances “melosos” (*Será?*) de banca de jornal seria degradante. Os títulos me pareciam horrorosos (*e alguns são mesmo!*) e chegava até a debochar de algumas amigas... Nenhuma estagnou na vida por conta dessa “mácula” em seu currículo. Daí, ano passado, descobri os tais mangás Harlequin, graças a duas amigas que liam mangá e romances de banca. Comecei com o material que estava saindo nos EUA, e detestei!
Holding on to Alex com seu mocinho possessivo e egoísta, e a heroína que desiste de ser bailarina porque o sujeito acha que qualquer coisa que ela faça sem ser em função dele é traição, me enojou. Tinha me proposto a não tentar de novo, mas como minhas amigas desconfiaram, eu precisava com algo que parecesse comigo. E elas estavam certas.
Assim como existe mangá para todos os gostos, há Harlequin para todos os gostos (*inclusive masculino*). Só para citar um exemplo, detesto mangás tipo Boku Wa Imouto ni Koi wo Suru e Hot Gimmick, mas seria leviandade dizer que porque não gosto deles todo shoujo mangá é ruim... Bem, tem gente que faz dessas coisas, vocês sabem! Assim, elas sugeriram Deborah Simmons e a Saga De Burgh e eu gostei. Devorei os livros e encomendei os mangás. Como já comentei, a adaptação foi bem feita e as 350 páginas, muitas delas coloridas, deram conta dos livros. Um deles foi convertido em dois volumes. Aliás, Deborah Simmons teve sete ou mais de seus livros transformados em mangá.
A Saga De Burgh se passa na Inglaterra, século XIII, governo de Eduardo I, um dos melhores períodos para usar em romances de qualquer espécie com a conquista de Gales e a luta contra os escoceses. Os De Burgh são sete irmãos (Dunstan, Simon, Stephen, Geoffrey, Robin, Reynold e Nicholas), mais o pai deles, o Conde Campion. São histórias com romance, alguma aventura, um pouco de sexo e muito humor.
Invariavelmente terminam com o casamento de um dos rapazes, a ponto de um dos irmãos começar a pensar que alguém enfeitiçou a família. Claro que eles são medievais muito limpinhos, mas fidelidade histórica é algo muito relativo tanto em romances quanto em mangá.
Quatro livros foram transformados em mangá até agora: O Lobo Domado (Taming the Wolf - Ookami wo Aishita Himegimi), O Anel de Noivado (The De Burgh Bride - Masei no Hanayome) e Coração de Guerreira (Robber Bride - Kishi to Onna Touzoku), e Um Lorde para Amar (My Lord De Burgh - Majo ni Sasageru Chikai), todos valem a pena. A Harlequin do Brasil não tem experiência com mangás, mas a relações públicas da empresa, Vírginia Rivera, disse que há interesse em publicá-los. Temo que acabem lançando o que está saindo nos EUA, material antiquado, ruim, e que não explora todas as potencialidades desse encontro entre literatura feminina e mangás para mulheres. Os leitores de mangá pensariam mal dos livros, e os leitores de Harlequin mal dos mangás.
ENTREVISTA COM DEBORAH SIMMONS
Eu enviei um e-mail para a autora, para saber sobre a adaptação de seus livros para formato mangá e ela foi muito gentil em responder. Nada mais justo do que concluir a matéria com parte de sua entrevista.
1) Por que você se tornou uma novelista?
- Deborah Simmons: Minha mãe era uma professora de inglês e escrevia poesias, assim ela esperava que seus filhos escrevessem, e depois da faculdade eu passei muitos anos trabalhando em um jornal. Como era fã de romances históricos, eu sempre imaginava que poderia escrever um. Mas somente quando fiquei em casa por conta do nascimento de minha filha que eu finalmente comecei um manuscrito. Chamava-se Heart's Masquerade, foi publicado pela Avon em 1989.
2) De onde você tira inspiração?
- DS: Das pesquisas que faço.
3) Qual o seu período favorito? Idade Média ou Regência?
- DS: Como alguns dos primeiros romances que li eram de Georgette Heyer, Eu tenho que dizer Regência. As roupas, a linguagem, e os costumes são tão divertidos de descrever (e ler) sobre.
4) Por que tantos de seus livros se passam na Inglaterra?
- DS: Acho que é porque muitos dos meus livros favoritos, de Heyer e Jane Austen, se passam lá.
5) Você foi consultada sobre a adaptação de seus livros para mangá no Japão? Você teve alguma participação no processo?
- DS: Eu não tive nenhuma voz ativa no processo. Mas Nanao Hidaka foi muito gentil e me enviou algumas imagens lindas e algumas cópias das novelas que ela ilustrou.
6) Você é leitora de quadrinhos? Se não é, Por quê?
- DS: Eu acho que sempre estive muito imersa em outros gêneros (romances, chick lit, livros de pesquisa, e biografias). O que você recomendaria como introdução ao gênero?
7) Você me disse [em e-mail anterior] que seus livros são muito famosos no Japão. Você sabe por quê? Você recebe muitas cartas de fãs do Japão? E do Brasil?
- DS: Eu realmente não faço idéia do que faz com que eu tenha tantos fãs no Japão e no Brasil. Meus livros também vendem bem na França e na Itália. Se ao menos eu fosse tão popular na América do Norte!
Agradeço muito a Sett e a Thalita pelo apoio e consultoria para fazer esta matéria.
LINKS:
Ohzora
Harlequin
Harlequin do Brasil
Comunidade Adoro Romances
Deborah Simmons
8 pessoas comentaram:
Excelente matéria! Adorei, e agora finalmente sei o que é Harlequin.
Uma pergunta curiosa: O que você indicou de quadrinhos femininos para a Deborah Simmons?
Uma pena que a Ohzora se limite a publicar material feminino. Seria legal ver o material da Gold Eagle (que cai no gênero que os americanos chamam de Men's Adventure) adaptado. A maioria das mulheres teriam horror do que rola nessas histórias – não é muito diferente de mangás como golgo 13 – mas acredito que o sentimento seja mútuo da parte de muitos homens quanto aos romances harlequin. :)
Eu não me interessso muito por Harlequin mas a matéria está excelente. Bom trabalho Valéria ^^
Ótima matéria.Confesso que não sou muito fã do material da Herlequin.Já li alguma coisa,mas nunca cheguei a ser fã.
Algo que chamou minha ateção na sua matéria é o preconceito contra esse tipo de Literatura,afinal são livros feitos para se divertir,assim como alguns filmes e fanfics, não creio que as autoras tenham vontade de serem ''gênios da Literatura''.
Que bom que voce postou a materia aqui Valéria! ^^ Seu blog é bem visitado e vai ser uma oportunidade de muito gente se informar sobre os mangás harlequin. ^^
Que maravilha que a Deborah está voltando... to torcendo pra ela. Queria tanto ver esses mangás aqui *_* Deseja eles Valeria!!!!! srrsrsr
Ah! Seu gatinho melhorou?
OI VALÉRIA!!
Eu amei a matéria,pois leio CLÁSSICOS HISTÓRICOS há anos ^_^[sim,sou leitora da Harlequin e fanática por shoujomangá....]e fikei maravilhada com a combinação mangá+harlequin.Seria maravilhoso ter acesso a esses mangás \O/\O/
OBS: Fã fiel de Takarazuka tb,parabéns por suas matérias !!!
Obrigada, Nóka! :) Obrigada a todos e todas que passaram aqui. ^_^ Sett, o gatinho está novo em folha.
Realmente, pode ser que os livros da Harlequin sofram preconceito por serem voltados para mulheres. Mas, pela experiência que tive com eles (li uns 5, 6), os critico por serem muito, muito ruins. Personagens superficiais, enredo previsível, conflitos simples demais para gerar tanto problema. O mesmo que sinto ao ler autores como John Green e Nicholas Sparks: seus livros são péssimos. É óbvio que nenhum desses livros tem como objetivo ser um clássico da literatura, mas de qualquer forma não me interessam e nunca os indiquei para ninguém.
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