segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Corações partidos, polegares doloridos: os best-sellers do Japão estão nos celulares


Mais uma matéria sobre romances de celular, dessa vez do New York Times. A tradução está no site da UOL, só para assinantes.

Corações partidos, polegares doloridos: os best-sellers do Japão estão nos celulares

Norimitsu Onishi
Em Tóquio

Até recentemente, romances transmitidos por telefone celular -compostos nas teclas dos telefones por garotas brandindo ágeis polegares e lidos por fãs em suas pequenas telas- eram menosprezados no Japão como um subgênero que não fazia jus ao país que deu ao mundo seu primeiro romance "A História de Genji", há um milênio. Então, no mês passado, a seleção de fim de ano dos best-sellers mostrou que os "romances de celulares", reeditados na forma de livros, não só se infiltraram no mercado como estão dominando o setor.

Entre os 10 romances mais vendidos no ano passado, cinco eram originalmente romances de telefone celular, em sua maior parte histórias de amor escritas com as frases curtas características das mensagens de texto, mas contendo pouco do enredo ou do desenvolvimento de personagens encontrados em romances tradicionais. Além disso, os três primeiros lugares foram ocupados por romancistas estreantes, incendiando os debates nos meios de comunicação e na "blogosfera".

"Será que os romances de celular vão 'matar o autor'?" indaga em sua capa a famosa revista literária Bungaku-kai, na edição de janeiro. Os fãs exaltam os romances como o novo gênero literário criado e consumido por uma geração cujos hábitos de leitura se constituíam principalmente de mangás, as histórias em quadrinhos. Os críticos dizem que a predominância de romances de celulares, com sua limitada qualidade literária, pode acelerar o declínio da literatura japonesa.

Sejam quais forem seus talentos literários, os romancistas de celular estão colhendo o tipo de vendas com o qual muitos dos romancistas mais experientes, tradicionais limitam-se apenas a sonhar.

Uma dessas estrelas é uma mulher de 21 anos, chamada Rin, que escreveu "Se você" num período de seis meses no último ano do secundário. Enquanto se dirigia para seu trabalho de meio período ou sempre que tivesse um momento livre, ela digitava as passagens em seu celular e as enviava para um site popular, para candidatos a autor.

Depois que os leitores de telefones celulares votaram dando o primeiro lugar ao seu romance, sua história do trágico amor entre duas amigas de infância foi transformado em um livro de capa dura e 142 páginas no ano passado. Vendeu 400.000 cópias e tornou-se o quinto romance mais vendido de 2007, segundo uma relação da importante distribuidora de livros Tohan, considerada referência no mercado.

"Minha mãe nem sabia que eu estava escrevendo um romance," disse Rin, que como muitos romancistas de celular usa apenas um nome. "Quando eu disse a ela 'eu estou lançando um livro, ' ela teve uma resposta do tipo 'o quê? '"

"Ela só acreditou quando o livro foi lançado e apareceu nas livrarias."

Histórico
O romance de celular nasceu em 2000, depois que um site para quem faz home pages, o Maho no i-rando, percebeu que muitos usuários estavam escrevendo romances em seus blogs; ele preparou seu software para permitir que os usuários baixassem seus trabalhos em andamento e os leitores pudessem comentar, criando o romance em série para telefones celulares. Mas o número de usuários que enviou os arquivos com os romances só começou a explodir há dois ou três anos e o número de romances relacionados no site chegou a um milhão no mês passado, segundo o Maho no i-rando.

O "boom" parece ter sido incentivado por um acontecimento que não teve nada a ver com cultura ou romances, mas sim com a decisão das empresas de telefonia celular de oferecer a transmissão de pacotes de dados, tais como mensagens de texto, como parte das tarifas mensais fixas. A maior provedora, a Docomo, começou a oferecer o serviço em meados de 2004.

"As contas de celulares daqueles usuários estavam chegando aos US$ 1.000, portanto muitos deles passaram a deixar de usar o serviço e não se ouvia mais falar delas por um bom tempo," disse Shigeru Matsushima, editor que supervisiona o site de envio de arquivos de livros na Starts Publishing, líder na reedição de romances para celulares.

O barateamento dos custos de celulares coincidiu com o amadurecimento de uma geração de japoneses para os quais os celulares, mais que os computadores, fazem parte integrante de suas vidas, desde os primeiros anos de escola. Eles lêem os romances em seus celulares, mesmo que o mesmo site possa também ser acessado pelo computador. Digitam mensagens de textos com seus polegares numa velocidade alucinante e usam expressões e emoticons, tais como sorrisos e notas musicais, cujo sentido escapa a alguém com mais de 25 anos.

"Não é que eles tinham vontade de escrever e aconteceu de o celular estar ao alcance," disse Chiaki Ishihara, um especialista em literatura japonesa na Universidade Waseda, que estudou os romances de celular. "Acontece que na troca de e-mails, essa ferramenta chamada celular aos poucos gerou entre eles a vontade de escrever."

Na verdade, muitos romancistas de celular jamais haviam escrito ficção antes e muitos de seus leitores jamais haviam lido romances antes, segundo os editores.

Os escritores de celular não recebem pela obra, não importa quantos milhões de vezes seus romances sejam lidos online. O pagamento, se existir, vem quando os romances são reproduzidos e vendidos como livros tradicionais. Os leitores têm acesso livre aos sites com os romances, ou pagam no máximo US$1 a US$2 por mês, mas os sites ganham a maior parte de seu lucro com a publicidade.

Estilo próprio
Os críticos dizem que os romances devem muito a um gênero que é devorado pelos jovens: as histórias em quadrinhos. Nos romances de celulares, há uma tendência de pouco desenvolvimento tanto dos personagens como das descrições, e os parágrafos são em geral fragmentados, basicamente diálogos.

"Tradicionalmente, os japoneses descrevem emocionalmente uma cena, como ' O trem saiu do longo túnel passando pelo país das neves, '" disse Mika Naito, romancista, referindo-se à famosa frase de abertura de "País das Neves", de Yasunari Kawabata.

"Nos romances de celulares, isso não é necessário," disse Naito, de 36 anos, que recentemente começou a escrever romances de celulares, a pedido de seu editor. "Se você o limita a um determinado lugar, os leitores não terão condições de ter a sensação de familiaridade."

Escritos na primeira pessoa, muitos dos romances de celular parecem diários. Quase todos os autores são jovens mulheres mergulhadas em assuntos do coração, descendentes espirituais, talvez, de Shikibu Murasaki, a dama de honra da realeza do século 11, que escreveu "A História de Genji."

"Love Sky", o romance de estréia de uma jovem chamada Mika, foi lido por 20 milhões de pessoas nos celulares ou computadores, segundo o Maho no i-rando, onde foi publicado primeiro. Um dramalhão que traz sexo entre adolescentes, estupro, gravidez e uma doença mortal -imprescindível no gênero- o romance acabou captando o comportamento da geração jovem, seus tiques verbais e a onipresença do telefone celular. Reeditado na forma de livro, tornou-se o romance mais vendido no ano passado e foi transformado em filme.

Dada o predomínio dos romances de celular no mercado, os críticos não mais os menosprezam, embora alguns digam que eles deveriam ser classificados junto dos quadrinhos ou música popular.

Rin disse que os romances comuns não emocionam os integrantes de sua geração.

"Eles não lêem obras de escritores profissionais porque suas frases são muito difíceis de entender, suas expressões são intencionalmente prolixas, e as histórias não lhes dizem respeito," ela afirma. "Ao mesmo tempo, eu compreendo porque os japoneses mais velhos não querem reconhecer tais trabalhos como romances. Os parágrafos e as frases são muito simples, as histórias previsíveis demais. Mas eu gostaria que o romance de celular fosse reconhecido como gênero."

Do celular para o computador
Uma vez que a popularidade do gênero leva um número cada vez maior de pessoas a escreverem romances de celular, porém, uma questão existencial coloca: pode uma obra ser chamada um romance de celular, se não for composta em um telefone celular, mas em um computador, ou inconcebível, manuscrita?

"Quando uma obra é escrita em um computador, o número de linhas varia e o ritmo é diferente do que quando é escrita num celular," disse Keiko Kanematsu, da Gama Books, uma editora de romances de celular. "Alguns fãs de pornografia não considerariam isso um romance de celular."

E existem ainda os que afirmam que um gênero não pode ser definido pela ferramenta usada na escrita.

Naito, a romancista, disse que escreve num computador e envia o texto para o seu próprio celular, onde revisa o conteúdo. Ao contrário dos romancistas estreantes, de adolescentes até uns 20 anos de idade, Naito disse que se sente mais à vontade escrevendo num computador.

Mas pelo menos um integrante da geração celular fez a troca para os computadores. Há um ano, uma das jovens estrelas da Starts Publishing, Chaco, abandonou o celular, mesmo conseguindo digitar com maior rapidez usando o polegar.

"Por escrever usando o celular, sua unha chegou a entrar na carne, sangrando," disse Matsushima, da Starts.

"Desde que ela mudou para o computador," ele acrescentou, "seu vocabulário se enriqueceu e suas frases também ficaram maiores."

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