Antes que alguém pense mal de mim, explico: não gastaria um tostão com a revista Veja PORÉM eles me querem como cliente e estão me enviando cinco edições gratuitas. É isso, depois vai ser um inferno ficar tendo que dizer para os atendentes que não quero assinar, porque não concordo com a linha editorial da revista. Mas, claro, nem tudo que a Veja faz é ruim, seria radical demais.
Como não está disponível on line, escaneei da edição desta semana. É a mesma doença mostrada na série Welcome to NHK e parece que a receita de cura é a mesma: ponha o hikikomori fora de casa. Ele não vai morrer, vai se obrigar a interagir com o mundo. Agora, é uma doença que surge com a economia neoliberal e é algo grave.
Quem são os hikikomoris, jovens japoneses que se recusam a sair de casa e chegam a ficar até vinte anos trancafiados no quarto
Thaís Oyama, de Tóquio
Kazutaka Tashiro tinha 32 anos quando brigou com seu chefe e abandonou o emprego que tinha como instrutor de mergulho em uma escola de Tóquio. Por um ano, viveu só de bicos, pintando paredes. Ao final desse período, algo que ele não sabe definir aconteceu: "Um fio dentro de mim se quebrou”. Tashiro cortou relações com o mundo. Parou de trabalhar, de falar e de sair de casa. Trancou-se em seu quarto e lá permaneceu por dois anos sem nem sequer abrir a janela. O pai, com quem ele morava, depois de algum tempo não suportou a situação: vendeu a casa e deu ao filho parte do dinheiro, dizendo que, se ele quisesse continuar vivendo daquele jeito, que fosse viver sozinho. Tashiro, então, alugou um pequeno apartamento — onde continuou sua reclusão por mais oito anos: dormindo durante o dia, montando quebra-ca¬beças à noite e saindo para comprar comida de madrugada, de modo a não ser visto por vizinhos e não ter de falar com ninguém.
O governo japonês estima que existam entre 600 000 e 1 milhão de pessoas como Tashiro no Japão. Os hikihomoris, termo que significa “pessoas reclusas” ou “isoladas da sociedade são em 80% dos casos, homens. Metade deles tem mais de 30 anos, e quase todos registram, no período anterior ao início do enclausuramento, um fracasso de alguma ordem: perderam a namorada, falharam na tentativa de entrar na faculdade foram demitidos do emprego. “O gatilho que aciona 1 esse comportamento varia enormemente, mas a sensação de não conseguir corresponder à expectativa da família ou da sociedade está sempre presente no hikikomori”, diz o psiquiatra Tamaki Saito, criador do termo que serve para designar tanto o distúrbio quanto a pessoa que sofre dele. Até o início dos anos 90, não se falava em hikikomoris no Japão. Embora haja registros da existência deles desde os anos 70, só passaram a chamar atenção no fim da década de 90 — não por coincidência, o período em que a recessão e o desmantelamento do tradicional regime de trabalho japonês, aquele do emprego garantido e praticamente vitalício, produziram hordas de jovens sem trabalho fixo.
Numa sociedade influenciada sobremaneira pelo confucionismo, em que o estudo e o trabalho são valores supremos, esses jovens se transformaram numa nova espécie de pária, condição em que muitos hikikomoris de fato se encaixam. “É como se eles fossem peças que não passaram pelo controle de qualidade”, afirma o publicitário Masayuki Okuyama, cujo filho, Yoichi, se tornou recluso aos 15 anos. Nessa idade, ele parou de ir à escola. Mais tarde, deixou de sair de casa. Tempos depois, começou a atacar fisicamente os pais. Por mais de uma vez, Okuyama teve de chamar a polícia para contê-lo ou foi obrigado a dormir com a mulher em um hotel, para escapar das suas agressões. Há três anos, o publicitário tomou a decisão de expulsar o filho de casa. Hoje, Yoichi tem 28 anos, vive em um apartamento comprado pelos pais e não mantém nenhum contato com eles. “Eu não tinha outra opção. Havia violência na minha casa”, diz Okuyama. Mesmo nas situações que não envolvem agressão física, o publicitário acredita que afastar o hikikomori; dos pais pode ser a única opção para ele. Há famílias que mantêm filhos nessa situação por quinze ou mesmo vinte anos. No fim, eles acabam se transformando em bichos de estimação que você alimenta três vezes por dia.
Mandá-los embora, muitas vezes, é a única forma de forçá-los a voltar à vida, Okuyama diz, no entanto, ressentir-se do fato de que, no período em que Yoichi atravessava sua pior fase, a família não encontrou ninguém a quem pudesse pedir orientação. Foi pensando nisso que ele fundou há dois anos a Associação de Pais de Vítimas de Hikikomori. A organização já reúne 10000 pessoas em todo o Japão, e seu criador considera o número ainda pequeno. Não faz parte do estilo japonês procurar ajuda. As pessoas preferem esconder a situação com medo do que os vizinhos vão dizer', afirma.
O governo do Japão demorou a acordar para o problema. Só no ano passado é que programas de apoio aos hikikomoris passaram a funcionar de forma sistemática na rede pública, Além de serviços de aconselhamento de pais e oferta de estágio em empresas visando a reintegrar os hikikomoris ao trabalho, o governo criou postos de consulta voltados exclusivamente para tratar do assunto: são cinqüenta unidades instaladas em 26 províncias do país. No ano passado, esses postos atenderam 35000 pessoas — em sua maioria, familiares de hikikomoris, já que os próprios raramente vão à procura do serviço. Neste ano, entre os meses de abril e julho, o número de consultas subiu para 38000 — o equivalente a apenas 6% do contingente mínimo estimado de doentes. Bem à frente das ainda tímidas iniciativas governamentais estão algumas ONGs especializadas no assunto. A New Start, por exemplo, criou as “irmãs de aluguel”: estudantes de psicologia, artes e outras matérias que, contratadas para visitar hikikomoris em sua casa, têm como missão arrancá-los de lá — e, mais tarde, integrá-los aos programas de lazer e capacitação de emprego que a entidade mantém.
Foi por meio de uma dessas “irmãs de aluguel” que Kazutaka Tashiro saiu de sua reclusão de dez anos. Quando o dinheiro que recebeu do pai acabou, a ponto de ele não ter mais como comprar comida, Tashiro pensou em suicidar-se. Chegou a subir no parapeito da janela de seu quarto. Desesperado, decidiu pedir ajuda à mãe, que, por sua vez, procurou a New Start. A partir daí, uma “irmã de aluguel” passou a mandar cartas e postais a Tashiro. No começo, ele mal os abria. Foi só depois de oito meses de correspondências insistentes que ele concordou em receber uma visita da “irmã”. Hoje, considera-se recuperado e trabalha ele próprio como funcionário da New Start, ajudando na recuperação de outros hikikomoris. Sua história é uma das raras com final feliz. A taxa de recuperação entre os portadores do distúrbio, segundo especialistas, não chega a 30%.
Seriam os hikikomoris um produto exclusivo da competitiva sociedade japonesa? O psiquiatra Saito não acredita nisso. Ele conta que, há cinco anos, uma equipe da BBC, rede inglesa de televisão, esteve no Japão para produzir uma reportagem sobre o assunto. Quando o programa foi ao ar, a emissora recebeu dezenas de telefonemas de espectadores dizendo ter problema parecido na família. “Na Coréia do Sul e na Itália também há pessoas em situação semelhante. Recebo muitos e-mails de lá”, afirma Saito. “Todo país tem jovens com dificuldades de adaptação.” Mas há uma diferença. Para o jornalista Yutaka Shiokura, autor do livro Hikikomori, a juventude enfrenta uma realidade mais perversa no Japão: “A sociedade japonesa não tem espaço para as diferenças — é como um trem de um único vagão. Quem não consegue embarcar nele fica na plataforma para o resto da vida”.
Como não está disponível on line, escaneei da edição desta semana. É a mesma doença mostrada na série Welcome to NHK e parece que a receita de cura é a mesma: ponha o hikikomori fora de casa. Ele não vai morrer, vai se obrigar a interagir com o mundo. Agora, é uma doença que surge com a economia neoliberal e é algo grave.
Quem são os hikikomoris, jovens japoneses que se recusam a sair de casa e chegam a ficar até vinte anos trancafiados no quarto
Thaís Oyama, de Tóquio
Kazutaka Tashiro tinha 32 anos quando brigou com seu chefe e abandonou o emprego que tinha como instrutor de mergulho em uma escola de Tóquio. Por um ano, viveu só de bicos, pintando paredes. Ao final desse período, algo que ele não sabe definir aconteceu: "Um fio dentro de mim se quebrou”. Tashiro cortou relações com o mundo. Parou de trabalhar, de falar e de sair de casa. Trancou-se em seu quarto e lá permaneceu por dois anos sem nem sequer abrir a janela. O pai, com quem ele morava, depois de algum tempo não suportou a situação: vendeu a casa e deu ao filho parte do dinheiro, dizendo que, se ele quisesse continuar vivendo daquele jeito, que fosse viver sozinho. Tashiro, então, alugou um pequeno apartamento — onde continuou sua reclusão por mais oito anos: dormindo durante o dia, montando quebra-ca¬beças à noite e saindo para comprar comida de madrugada, de modo a não ser visto por vizinhos e não ter de falar com ninguém.
O governo japonês estima que existam entre 600 000 e 1 milhão de pessoas como Tashiro no Japão. Os hikihomoris, termo que significa “pessoas reclusas” ou “isoladas da sociedade são em 80% dos casos, homens. Metade deles tem mais de 30 anos, e quase todos registram, no período anterior ao início do enclausuramento, um fracasso de alguma ordem: perderam a namorada, falharam na tentativa de entrar na faculdade foram demitidos do emprego. “O gatilho que aciona 1 esse comportamento varia enormemente, mas a sensação de não conseguir corresponder à expectativa da família ou da sociedade está sempre presente no hikikomori”, diz o psiquiatra Tamaki Saito, criador do termo que serve para designar tanto o distúrbio quanto a pessoa que sofre dele. Até o início dos anos 90, não se falava em hikikomoris no Japão. Embora haja registros da existência deles desde os anos 70, só passaram a chamar atenção no fim da década de 90 — não por coincidência, o período em que a recessão e o desmantelamento do tradicional regime de trabalho japonês, aquele do emprego garantido e praticamente vitalício, produziram hordas de jovens sem trabalho fixo.
Numa sociedade influenciada sobremaneira pelo confucionismo, em que o estudo e o trabalho são valores supremos, esses jovens se transformaram numa nova espécie de pária, condição em que muitos hikikomoris de fato se encaixam. “É como se eles fossem peças que não passaram pelo controle de qualidade”, afirma o publicitário Masayuki Okuyama, cujo filho, Yoichi, se tornou recluso aos 15 anos. Nessa idade, ele parou de ir à escola. Mais tarde, deixou de sair de casa. Tempos depois, começou a atacar fisicamente os pais. Por mais de uma vez, Okuyama teve de chamar a polícia para contê-lo ou foi obrigado a dormir com a mulher em um hotel, para escapar das suas agressões. Há três anos, o publicitário tomou a decisão de expulsar o filho de casa. Hoje, Yoichi tem 28 anos, vive em um apartamento comprado pelos pais e não mantém nenhum contato com eles. “Eu não tinha outra opção. Havia violência na minha casa”, diz Okuyama. Mesmo nas situações que não envolvem agressão física, o publicitário acredita que afastar o hikikomori; dos pais pode ser a única opção para ele. Há famílias que mantêm filhos nessa situação por quinze ou mesmo vinte anos. No fim, eles acabam se transformando em bichos de estimação que você alimenta três vezes por dia.
Mandá-los embora, muitas vezes, é a única forma de forçá-los a voltar à vida, Okuyama diz, no entanto, ressentir-se do fato de que, no período em que Yoichi atravessava sua pior fase, a família não encontrou ninguém a quem pudesse pedir orientação. Foi pensando nisso que ele fundou há dois anos a Associação de Pais de Vítimas de Hikikomori. A organização já reúne 10000 pessoas em todo o Japão, e seu criador considera o número ainda pequeno. Não faz parte do estilo japonês procurar ajuda. As pessoas preferem esconder a situação com medo do que os vizinhos vão dizer', afirma.
O governo do Japão demorou a acordar para o problema. Só no ano passado é que programas de apoio aos hikikomoris passaram a funcionar de forma sistemática na rede pública, Além de serviços de aconselhamento de pais e oferta de estágio em empresas visando a reintegrar os hikikomoris ao trabalho, o governo criou postos de consulta voltados exclusivamente para tratar do assunto: são cinqüenta unidades instaladas em 26 províncias do país. No ano passado, esses postos atenderam 35000 pessoas — em sua maioria, familiares de hikikomoris, já que os próprios raramente vão à procura do serviço. Neste ano, entre os meses de abril e julho, o número de consultas subiu para 38000 — o equivalente a apenas 6% do contingente mínimo estimado de doentes. Bem à frente das ainda tímidas iniciativas governamentais estão algumas ONGs especializadas no assunto. A New Start, por exemplo, criou as “irmãs de aluguel”: estudantes de psicologia, artes e outras matérias que, contratadas para visitar hikikomoris em sua casa, têm como missão arrancá-los de lá — e, mais tarde, integrá-los aos programas de lazer e capacitação de emprego que a entidade mantém.
Foi por meio de uma dessas “irmãs de aluguel” que Kazutaka Tashiro saiu de sua reclusão de dez anos. Quando o dinheiro que recebeu do pai acabou, a ponto de ele não ter mais como comprar comida, Tashiro pensou em suicidar-se. Chegou a subir no parapeito da janela de seu quarto. Desesperado, decidiu pedir ajuda à mãe, que, por sua vez, procurou a New Start. A partir daí, uma “irmã de aluguel” passou a mandar cartas e postais a Tashiro. No começo, ele mal os abria. Foi só depois de oito meses de correspondências insistentes que ele concordou em receber uma visita da “irmã”. Hoje, considera-se recuperado e trabalha ele próprio como funcionário da New Start, ajudando na recuperação de outros hikikomoris. Sua história é uma das raras com final feliz. A taxa de recuperação entre os portadores do distúrbio, segundo especialistas, não chega a 30%.
Seriam os hikikomoris um produto exclusivo da competitiva sociedade japonesa? O psiquiatra Saito não acredita nisso. Ele conta que, há cinco anos, uma equipe da BBC, rede inglesa de televisão, esteve no Japão para produzir uma reportagem sobre o assunto. Quando o programa foi ao ar, a emissora recebeu dezenas de telefonemas de espectadores dizendo ter problema parecido na família. “Na Coréia do Sul e na Itália também há pessoas em situação semelhante. Recebo muitos e-mails de lá”, afirma Saito. “Todo país tem jovens com dificuldades de adaptação.” Mas há uma diferença. Para o jornalista Yutaka Shiokura, autor do livro Hikikomori, a juventude enfrenta uma realidade mais perversa no Japão: “A sociedade japonesa não tem espaço para as diferenças — é como um trem de um único vagão. Quem não consegue embarcar nele fica na plataforma para o resto da vida”.
(Veja, Seção Comportamento, 14 de novembro de 2007, p. 130-134.)
2 pessoas comentaram:
Bem interessante a matéria! Já tinha ouvido falar nisso, mas não conhecia esses termos e que apesar de pequena é bom saber q o governo japones esta oferecendo ajuda
Talvez o Hikikomori seja um termo japonês para FOBIA SOCIAL, uma doença bem conhecida pelo psiquiatras ocidentais hoje. Isso é um caso sério que deve ser tratado desde os primeiros sintomas com o apoio da família e não esperar 10,20 anos e expulsar o doente de casa esperando que ele volte ao normal milagrosamente. Sozinho e incompreendido, ele não vai conseguir vencer a inércia.
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