Eis o desfecho do caso de censura que venho acompanhando. A notícia está na Folha de São Paulo de hoje. Depois disso, virá o quê? Grupos religiosos agora vão decidir o que o conjunto da sociedade pode ou não ver, porque o Estado Laico não tem coragem de se posicionar. Eis o texto do jornal:
ARTE E FÉ - Não houve acordo sobre a retirada de obra da artista Márcia X
BB cancela a exposição "Erotica" em Brasília
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de três reuniões tensas, realizadas entre a semana passada e ontem, a direção do Banco do Brasil decidiu cancelar a exposição "Erotica - Os Sentidos na Arte" em Brasília. O motivo do cancelamento é o impasse causado pela censura a uma obra da artista plástica Márcia X que mostra dois pênis cruzados feitos com rosários religiosos. A mostra, que passou por São Paulo e pelo Rio, seria inaugurada no próximo dia 15.
Os diretores do Banco do Brasil não aceitaram a reintegração do trabalho de Márcia X na exposição. Com isso, colecionadores e artistas como Rosângela Rennó e Franklin Cassaro ameaçavam retirar suas obras da exposição. Não houve acordo.
"O Banco do Brasil lamenta esse desfecho, mas o considera um fato isolado, ao tempo em que ratifica sólido apoio à difusão da arte e da cultura, sempre com respeito à pluralidade e à diversidade", diz uma nota emitida pelo banco.
"Desenhando em Terços", o trabalho de Márcia X (1959-2005), foi retirado da mostra no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) do Rio no dia 19 de abril por causa das pressões de um grupo católico chamado Opus Christi. O Banco do Brasil diz ter recebido cerca de 800 e-mails com críticas à exposição, numa corrente coordenada pela Opus Christi.
A Folha apurou que religiosos da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) ligaram para diretores do banco e ameaçaram incluir a questão da obra de Márcia X em seus sermões. Grupos religiosos fizeram ameaças de encerrar contas e promover um boicote ao BB.
O conselho diretor do banco, formado pelo presidente e por sete vice-presidentes, julgou que havia uma ameaça à marca e aos negócios e optou pela censura. O temor principal era que o boicote adquirisse as proporções de uma bola de neve.
Ação judicial
O artista plástico Ricardo Ventura, viúvo de Márcia X, acha que a decisão do BB dará uma projeção que a obra talvez não tivesse se a exposição em Brasília fosse mantida: "Se o Banco do Brasil queria evitar que a obra fosse divulgada, o tiro saiu pela culatra. Já tem site na China comentando a censura ao trabalho".
O grupo de artistas ligado à galeria A Gentil Carioca, que coordenou o protesto contra o CCBB do Rio no último sábado, continuará a exigir que o banco faça uma retratação pública e assuma publicamente que praticou censura, segundo Márcio Botner.
"Se não houver a retratação, vamos processar o banco", anuncia Botner. "É chocante que o BB se dobre à pressão de um grupo obscurantista de católicos."
Um abaixo-assinado contra a censura à obra de Márcia X tem 800 assinaturas e o cancelamento da mostra em Brasília tende a aumentar o número de adesões, de acordo com ele.
Os artistas querem que o CCBB tenha autonomia para decidir as suas exposições.
A advogada da causa já foi escolhida. Trata-se de Deborah Sztajnberg, professora da Fundação Getúlio Vargas e do Ibmec, ambos no Rio. Será uma ação indenizatória, segundo ela, com o objetivo de "reparar os danos causados à imagem de Márcia X por essa decisão autoritária".
A ação será impetrada em nome de Ricardo Ventura, herdeiro da artista. "É um pesadelo, é um horror ter de recorrer à Justiça por causa disso, mas não podemos ficar quietos", diz ele.
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