quarta-feira, 19 de abril de 2006

Comentando Tristão + Isolda (Tristan + Isolde - 2005)




Finalmente consegui assistir ao filme Tristan + Isolde, baseado em um das minhas histórias favoritas, o romance medieval Tristão e Isolda. Graças a minha amiga Jessie, que conseguiu os arquivos para download e, até, legendas excelentes em português, pude matar minha curiosidade.

Em dezembro, tinha falado dos meus temores quanto ao filme. Um diretor fraco, um Tristão que poderia ser pouco expressivo, uma Isolda mais velha do que deveria ser e, claro, um Marc muito jovem. Pois bem, o filme é bom, principalmente se comparado com coisas como Rei Arthur, mas mesmo assim, não é Tristão e Isolda. Digo isso, porque focaram muito mais em intrigas políticas e batalhas ausentes do original e, como se tornou regra hoje, retiraram toda a magia.

Não sei porque cargas d’água, os filmes atuais estão retirando os componentes mágicos das histórias em prol de uma narrativa realista absolutamente fake. Em Tróia, os deuses estão ausentes. Em Rei Arthur, o objetivo era mostrar “a verdade por trás do mito”. Este Tristão e Isolda não fica muito atrás, com a agravante de que a ausência do “filtro do amor” tira a legitimidade da “queda” do honrado cavaleiro. Nesse sentido, Isolda acaba sendo "a culpada" pela tragédia, porque mentiu quando não precisava. Isolda não merecia isso, e, é claro, a misoginia acaba tomando forma onde não existia.


No filme, Tristão não sofre ferida mágica, que é substituída por veneno de baiacu. Aliás, o gigante deixa de ser tio materno de Isolda, e se torna um chefe guerreiro a serviço do pai da princesa, alguém que deseja se casar com ela. Ser tio de Isolda - na época uma menina de 12 anos e não uma mulher feita - e ter sido morto por Tristão é que constituía impedimento sério ao amor dos dois no começo.

Já a mãe de Isolda – feiticeira poderosa – só aparece em rápida cena em sua pira funerária. Isolda é órfã, e ela mesma domina, não a magia, mas o conhecimento das ervas. Feiticeiras medievais – de verdade – deveriam fazer isso e não muito mais, só que estamos falando de mito, de encantamento.

Pois bem, sem a mãe de Isolda não temos filtro, nem a queda involuntária de Tristão, nem a desastrada Bragnae tendo que substituir sua senhora no leito conjugal. Aliás, este detalhe, o fato de Isolda ter perdido sua virgindade com Tristão – o que no filme acontece muito cedo – parece irrelevante e Marc nem se apercebe da coisa. Logo, o sacrifício de Bragnae, no filme uma mulher madura, inexiste.


Daí, vocês podem imaginar o que vem depois... Se não tem filtro, não existem os três anos na floresta, a devolução de Isolda, a ordália. Marc, ou Marke no filme, não é inconseqüente como nos originais, um cara capaz de trocar sua Isolda por uma canção, ou cruel, quando a castiga mandando-a viver entre os leprosos, mas galante, honrado, inteligente, um Rei com “R” maiúsculo e, para piorar, quase tão jovem de aparência quanto o sobrinho. Se tivesse que escolher, não perderia muito tempo me angustiando, Marc é muito mais interessante que Tristão. Mas eu sou uma velha e o filme tem como objetivo as adolescentes... Um... ainda assim acho que Marc ganha...

Já Tristão é o sujeito atormentado, mas ótimo guerreiro. Como não temos o filtro, ele acaba tendo o seu lado hiper-honrado meio manchado. Lhe deram o “sobrenome” de “Aragon”. Raios, de aonde tiraram isso? Tristão era de Leonese. Aragon entrou na história como? Ainda mais se pensarmos que este nome soa espanhol e não celta ou francês. Enfim, ele também não vai para a Bretanha Menor, não conhece o príncipe mulherendo Kaherdin que se torna seu grande amigo, nem se casa cam a irmão do príncipe, a outra Isolda, a das Mãos Brancas... Nem sofre outra ferida mágica... E o final lindíssimo dos dois, esqueçam.



O filme é ruim? Não, longe disso. Pareceu-me um século V muito convincente, mas do que o de outros filmes. Os figurinos ficaram bons, as locações idem. Tudo parece rústico, nada de século XIV fora do lugar. Essa parte tem méritos. A história também flui bem, com boas interpretações e a trama política de batalhas e conquistas foi bem urdida, com a discussão das rivalidades entre os pequenos reinos. A discussão sobre o que é necessário para que um senhor da guerra se torne um rei e como o adultério de Tristão e Isolda tira legitimidade de Marc também é interessante. Só que Marc não é o Rei Arthur que, por cortesia, deveria ser pelo menos citado. Mas, de novo repito, não é Tristão e Isolda, e isso me decepcionou.

Enfim, acho que o filme vai direto para vídeo, o que é uma pena. Se passasse no cinema, muita gente terminaria indo atrás do livro. Eu sei que não sou a única a fazer dessas coisas. Um lançamento só em DVD sempre tem menor impacto. Mas se sair, alugarei para ver os extras. De qualquer forma, se você quer um filme pseudomedieval interessante, é uma opção. Mas se quiser magia e mais fidelidade aos mitos – e eu nunca me imaginei dizendo isso – procure Excalibur.

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