Isso também é parte da discussão que eu postei aqui em outro tópico.
Do ponto de vista da CLAMP XXXHolic é feminino apesar de estar dentro de uma revista inegavelmente masculina... Mas eu estava me remetendo a idéia de mímesis de Luce Irigaray: existe uma cultura feminina, mas que nós mulheres somos pressionadas, por sobrevivência, a operarmos em dois níveis sempre: a nossa esfera feminina (*intimista, sentimental, detalhista, etc*), construída culturalmente (*e que ninguém veja como natural*) e que é vista como inferior pela cultura masculina como inferior e menor e a dita cultura universal (*masculina*) e seus códigos.
Vejam que o número maior de mulheres produzindo shounen mangá com sucesso - vide caso extremo de Rumiko Takahashi - pode evidenciar exatamente isso: para as mulheres é muito menos complicado falar aos homens, porque nós estamos temos que fazer esta ponte todos os dias, enquanto o oposto já não acontece com freqüência. No Japão, os homens abandonaram o shoujo mangá em massa não porque ele pagava menos por princípio, mas, sim porque não conseguiam mais falar às meninas que tinham crescido. Dialogar com crianças era fácil, com jovens mulheres e seu universo, nem tanto.
Durante muito tempo o shoujo mangá foi uma expressão inegável dessa dita cultura feminina, do mundo interior, dava voz às mulheres e tocava fundo em seus problemas - de forma deliberadamente crítica, ou não, ao mesmo tempo em que ajudava a construir culturalmente novas gerações de mulheres. Mas nada é estático, nem a sociedade e suas expressões culturais, nem a produção feminina, nem a maneira de ser mulher ou homem em uma dada cultura. Por isso, tanto o shoujo quanto o shounen mudam, tomam emprestadas características que antes pareciam não lhe pertencer.
Hoje existem homens que escrevem shoujo sob pseudônimo, mas acredito que sejam poucos. Tem um chamado George Asakura que ganhou o Kodansha Award de shoujo mangá recentemente. Antes dele, o único homem premiado que eu me lembre - já na época do shoujo mangá dominado por mulheres - é o Shinji Wada. Este, aliás, ainda continua roteirizando, foi anunciado mangá recente dele com arte da autora de Gakuen Heaven e Cantarella. Wada não é bom desenhista, mas cria histórias interessantes e foi quem criou o primeiro shoujo policial, Sukeban Deka. Outro exemplo recente é Deep Love, que muita gente tanto gostou, tem um homem como roterista, também. Ou seja, são homens que conseguem escrever para mulheres, que mostram que isso é plenamente possível sem nos tratar como idiotas como alguns novelistas da Globo, e recebem reconhecimento por isso.
Dentro da esfera dos feminismos, busca-se fazer a transição crítica, com o objetivo de perceber as construções de gênero, os preconceitos e desmontá-los. (Para discussão e aplicação do conceito de Mímesis, ver: PLATEAU, NAVARRO-SWAIN)
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