Sempre insisto com o meu marido - fã de shoujo como eu - que ele deve escrever resenhas e outras coisas mais comentando suas impressões sobre animes e mangás. Ele enrola e foge, mas desta vez aceitou falar de Sade, o novo mangá da Conrad. Coloco a review aqui, porque estão dizendo que o traço de Sade seria algo próximo do "shoujo clássico". De quais autoras estão fanlando? Quais obras? Anos 70? 60? 80? Isso os resenhistas não dizem. Assim, creio que seria interessante tentar desmontar esta idéia. Torço para que o Kamugin (*Ele não me autorizou a usar seu nome real*) decida escrever mais. Quem quiser criticar ou elogiar, é só escrever. Eis o texto:
"Tendo concluído a leitura do mangá "Sade" de Senno Knife, publicado pela Conrad, gostaria de deixar minhas impressões: comparado à maioria dos hentai que se acham disponíveis na internet e alhures, é um mangá que se sobressai, nem tanto por suas qualidades, mas pelo baixo nível que marca essa produção atualmente. Claro que genialidade nunca foi a marca dos hentai, mas ouso dizer que antes, lá pelos anos oitenta e parte dos noventa, havia mais imaginação do que há hoje. Em noventa por cento dos hentai de hoje, há sexo hardcore já na primeira ou, no máximo, na segunda página e zero história ou desenvolvimento de personagens... é, sou um desses chatos que pensam que um hentai precisa ter história e mostrar algo mais que cenas de sexo. Em compensação pela falta de uma história, temos perversões barra pesada: tortura, mutilação e assassinato de mulheres e até, não raro, crianças.
O mangá Sade se propõe a ser a quadrinização de cinco contos distintos, três dos quais de autoria do famigerado Marquês de Sade (nome de quem se originou a palavra "sadismo", daí já se espera...). Mulheres torturadas e assassinadas estão presentes, mas "Sade" é um "soft-hentai" comparado a média e não impressiona em termos de perversões e torturas, pois a imaginação doentia de muitos autores de hoje deixariam o Marquês de Sade horrorizado, esse pobre ingênuo... Não li nenhum dos contos do Marquês, ou dos outros dois autores, embora já tenha assistido a um ou outro filme supostamente baseado em suas peripécias. Mas, sem medo de errar, eu diria que as estórias do mangá são grandes simplificações dos textos originais.
Senno Knife não é um bom contador de estórias ou mesmo um bom adaptador. Falta-lhe aquela dinâmica na qual alguns autores são tão versados. Sua narrativa visual é de mesmo nível daquela de nossos (bons) fanzineiros (Oiran do Estudio Seasons, por exemplo). Percebe-se que é um autor em maturação, ainda não domina a linguagem do mangá, mas possui um futuro promissor. Seu traço é bonito, o rosto das mulheres lembra o caracter design do anime Five Star Stories, mas falta leveza e movimento. Houve até quem confundisse o desenho com um traço shoujo! Mas isso é um absurdo originado de um conhecimento muito superficial daquilo que é realmente um "shoujo clássico".
As estórias acabam sendo muito curtas para que o leitor se envolva com as personagens ou construa a sua excitação de maneira satisfatória. Talvez se o volume contivesse apenas dois contos, no mesmo número de páginas, as estórias pudessem ser melhor trabalhadas em seus aspectos narrativos. No geral, me fez lembrar o amadorismo de Carlos Zéfiro, mas, da mesma forma que este, não de todo desprovido de qualidade e potencial.
Outro problema do mangá não é culpa do autor, mas sim dos tradutores e revisores da Conrad. Quatro das estórias se passam no século dezoito, a julgar pela indumentária e pela referência à revolução francesa, a última estória, "A História de "O"", se passa talvez na primeira metade do século vinte, tal como denunciam os carros e ambientação, porém não se pode precisar tempo e local pois a sessão de fotos de moda no início da estória é algo mais pertinente aos anos cinqüenta e sessenta no mínimo. O problema está na inadequação da linguagem ao tempo e local, as personagens fazem uso de expressões, palavras e gírias que de forma alguma são características das épocas representadas.
Não quero ser um chato preciosista, contudo acho que um mínimo de atenção se deve dar a esses detalhes. "Estou de olho nela", "a paixão me torra por dentro", "já estou molhada", etc. não eram expressões correntes no século XVIII, eu estou certo. Esse é um problema que se observa muito no mangá Lobo Solitário, da Panini. Eu sei que liguagem vulgar provavelmente existiu em todas as épocas e lugares, mas o linguajar de baixo calão do século XVIII certamente era outro bem diferente dos dias de hoje. Esses detalhes dizem muito sobre a precariedade de leitura dos revisores.
Por fim, algo que falta é uma nota dizendo quem é o autor, ou autora, mangás que já publicou, quando, onde, etc. Se não fica parecendo as piratarias que foram publicadas aqui no Brasil, que nem citavam o nome dos autores. A encadernação é boa, o papel também, apenas a capa deveria ter aquela película plástica protetora. Minha nota final é seis, talvez seis e meio até. "
Kamugin
1 pessoas comentaram:
Decididamente, seu marido deve escrever mais. Gostei muito da resenha, porque embora ele não tenha gostado, é informativa e não depreciativa. E me dá uma idéia da estória, que pelo comentário de que é mal construida, mal desenhada e mal traduzida, não vale meu rico dinheirinho.
Queria comprar, sabe? Pensei que era uma mistura de erotismo com alguma dose de romance, algo mais delicado (é, o traço me enganou; pela idéia não pelo desenho em si, também achei que tinha cara de fanzine).
A quem possa interessar, recomendo "O Jardim das Carícias - Um Conto Beduíno", é um romance anônimo que apesar do erotismo, ainda é um romance (um verdadeiro deleite!) e mostra um pouco da linguagem íntima, digamos assim, de uns dois ou três séculos atrás, mais ou menos, uma vez que não se sabe a data exata de seu lançamento(prefácio do editor). A linguagem aliás, não é nada vulgar, é tudo dito, e descrito, de uma forma a encantar o leitor.
Bom, sobre Sade, é só. Ei Valéria, fala pro seu marido escrever mais, um blog talvez? Gostei mesmo...
Jéssica, 22 anos
shoujo.fa@pop.com.br (não é plágio não, tá Valéria?)
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