Todos sabem que eu estou atenta ao caso das charges, que apóio a liberdade de expressão e que abomino tanto quem passa a mão na cabeça dos fundamentalistas (*Os muçulmanos acreditam na religião e não são como nós!*Sei!*) quanto os próprios agentes da violência. Mas, enfim, recebi um excelente texto via Boletim Islâmico. Texto de muçulmano, não de simpatizante, ou analista acadêmico. E estou reproduzindo aqui, pois sei que as vozes dos muçulmanos que não são fundamentalistas nem deixam se arrastar por líderes políticos com interesses escusos precisam ser ouvidas. Vale a pena ler, porque a questão não é respeitar e ser respeitado e saber separar religião e política. Aqui vai o texto:
Reflectindo de Forma Islâmica
Por: M. Yiossuf Adamgy (Director da Revista Islâmica Portuguesa Al Furqán)
Enquanto que, uma vez mais, os Muçulmanos auto-permitem-se cair na ratoeira reaccionária que lhes foi montada, confirmando, assim, a tese dos cartoons ofensivos, ao reagirem furiosa e violentamente, consideremos preferível reflectir sobre a súplica do Profeta (s.a.w.), proferida nos primórdios do Islão, em Taif. Esta é a súplica (duá) por ele proferida, com as sandálias cobertas de sangue, feridas espalhadas pelo corpo e terrivelmente insultado, caluniado e ridicularizado pelos habitantes de Taif. O mais importante a reter, é que isto teve lugar após um longo boicote de três anos sofrido às mãos dos Coraichitas, em consequência do qual os Muçulmanos viram-se obrigados a comer erva e a viver em árvores.
O que foi dito pelo Profeta (a paz esteja com ele), ao abandonar a cidade de Taif:
“A Oração de Taif”
“Ó Allah! A Ti me queixo da minha fraqueza,
Da minha falta de recursos e da humilhação a que fui sujeito.
Ó Todo-Misericordioso para com aqueles que são misericordiosos;
Ó Senhor dos fracos e meu Senhor também.
A quem me confiaste Tu?
A uma pessoa distante, que me recebeu com hostilidade?
Ou a um inimigo, a quem concedeste poderes sobre aquilo que é a minha missão?
Nada me preocupa, desde que não estejas zangado comigo.
A Tua protecção é o que eu tenho de mais precioso.
É sob a luz do Teu Rosto que procuro refúgio,
Esse Rosto que faz com que toda a escuridão se dissipe
E regula todo e qualquer assunto deste e do Outro Mundo.
Receio ter-Te desagradado e que a Tua fúria recaia sobre mim.
É meu desejo agradar-Te e satisfazer-Te.
Não existe outro poder para além do Teu,
E ninguém é tão poderoso como Tu”.
Se aqueles que afirmam amar tanto o(s) Profeta(s), ao ponto de estarem dispostos a infringir o comportamento profético devido à raiva e à fúria cega que sentem, reflectissem um pouco a respeito desta oração, isso seria para eles uma luz orientadora e uma indicação clara de como um Muçulmano deve agir face à actual situação. Este é também o único caminho que permite a almas e corações atormentados encontrarem a paz, pois não será em piquetes ou em manifestações exageradas e com violência que a encontrarão. Tais actos não podem e não devem ser usados como métodos para a clarificação da nossa reverência para com o sagrado e o divino.
A quem foi que o Profeta (s.a.w.) disse o seguinte: “O Islão nada mais significa, a não ser possuidor de um bom carácter?”.
Estamos a readoptar às normas tribais pré-Islâmicas, as quais defendiam a vingança e a retaliação, quando devíamos encarar o sucedido como uma oportunidade para alterarmos a nossa maneira de sentir e agir, seguindo o exemplo do nosso bem amado Profeta, que se manteve calmo e compassivo face ao ódio e à inimizade de que era alvo.
Estaremos nós a ceder ao pior dos pecados, que é a violência gerada pela falta de esperança? Isto quando devíamos seguir o exemplo do Profeta (s.a.w.), que nunca a perdeu? E que, já fora de Ta’if, respondeu da seguinte forma: “Não, espero que um dia este povo adore a Allah somente”, quando o Anjo, em resposta à sua súplica, se ofereceu para destruir todas as montanhas em redor da cidade, reduzindo-a a pó?
A menos que possuamos a calma e a consciência do Profeta (s.a.w.) de Allah, segundo a qual, todo e qualquer acontecimento, favorável ou não, é representativo da oportunidade de fortalecermos o relacionamento que mantemos com Deus, continuaremos a ser vítima de todo e qualquer estratagema ou truque.
Em lugar de reagirmos com violência e fúria, deveríamos intensificar o nosso trabalho na partilha da bonita e misericordiosa mensagem do Islão, especialmente agora, que o Profeta (s.a.w.) é notícia nos meios de comunicação em massa. Permitamos que a oração proferida pelo Profeta (s.a.w.) em Taif seja publicada em jornais Europeus, como exemplo da sua magnanimidade e paciência.
Violência, ameaças de morte e fúria servem apenas para denunciar a falta de confiança no poder e na luz do Sagrado; confiança, essa, perfeitamente ilustrada pela experiência do Profeta (s.a.w.) no jardim exterior a Taif, quando pessoas que ouviram a sua oração sentiram-se movidas a aderir ao Islão. Além disso, e após este incidente, quando regressava a Meca, muitos que haviam ouvido a recitação do Alcorão por parte do Profeta (s.a.w.), aquando da sua oração nocturna, converteram-se também ao Islão. E, pouco depois da sua oração nocturna, o Profeta (s.a.w.) ascendeu ao Céu. De facto, após a tempestade vem a bonança.
Contudo, com o anúncio ontem feito por eminentes eruditos do Islão, intitulado “Um Dia de Ofensas”, receio que nada mais sejamos, a não ser sabotadores. Porque não “Um Dia para Recordar o Profeta”, ou “Um Dia de Características tremendamente Proféticas”? Porque não "Um Dia da Oração de Taif”?
Dado o momento que vivemos, recomendo que façamos circular “A Oração de Taif”, a qual servirá como antídoto de toda a loucura e veneno do turbilhão emocional a que assistimos. E manifestemos sim, forte e firmemente, o nosso protesto. Mas dentro da lei.
Que Allah nos oriente para aquilo que é justo e nos conceda a sorte imensa de olharmos os nossos inimigos como se de amigos chegados se tratassem (ver Alcorão, 41:34–36), e aos quais temos o dever de transmitir o amor e a mensagem de Allah e do Seu Profeta (s.a.w.). Ámen.
«Jamais poderão equiparar-se a bondade e a maldade! Retribui (ó Mohammad) o mal da melhor forma possível, e eis que aquele que nutria inimizade por ti converter-se-á em íntimo amigo! Porém a ninguém se concederá isso, senão aos tolerantes, e a ninguém se concederá isso, senão aos bem-aventurados. Quando Satanás te incitar à discórdia, ampara-te em Deus, porque Ele é o Omniouvinte, o Omnisciente.» — Alcorão, 41:34–36.
0 pessoas comentaram:
Postar um comentário