sábado, 24 de dezembro de 2005

Entrevista com Buzz Dickson


O site Manga News publicou uma entrevista com Buzz Dixon chefe do Realbuzz Studios, responsável pelo "mangá" cristão Serenity que também tem resenha no site Manga News. Ele faz algumas análises interessante e, por isso, decidi postar. As colocações sobre as diferenças entre comics e mangá, a percepção de que shoujo mangá não é "só" romance, a crítica à indústria americana de quadrinhos que chutou as mulheres para fora e também ao fanatismo de alguns otakus, a citação à Trina Robbins, tudo isso torna a entrevista bem relevante. Ela está em três partes (1 - 2 - 3), só traduzi três perguntas.
MJ é sigla para Manga Johou, OK? Ah, Buzz Dixon defende com unhas e dentes seu "ganha pão", isto é, a possibilidade de fazer quadrinhos com conteúdo "cristão", que ele diz não ser evangelistíco, mas de formação de "valores" (*sei, sei...*), portanto, não se espantem. Eis os pedacinhos da entrevista:

MJ: Como um veterano da indústria (*de quadrinhos*), qual a sua opinião sobre a razão do desaparecimento dos quadrinhos para garotas na América dos anos 60? Você acha que a atual popularidade do shoujo mangá terá o mesmo destino?
BD: As garotas não desapareceram, elas foram chutadas para fora! Trina Robbins identificou que antes de 1960, 51% do público consumidor de quadrinhos era feminino. Muitas coisas aconteceram nos anos 60 que mudaram a indústria de quadrinhos. Primeiro, varejistas começaram a rejeitar os quadrinhos porque não os viam como rentáveis. Eles perdiam muito tempo estocando quadrinhos como eles faziam com revistas, mas os quadrinhos revertiam em somente 1/3 do lucro das revistas e exigiam a mesma quantidade de trabalho. Segundo, Stan Lee e os artistas da Marvel começaram a juntar novela, super-heróis e quadrinhos de monstros dando origem a um estilo geuíno no início dos anos 60, e uma das diferenças-chave entre eles e os quadrinhos da DC era que as histórias Marvel eram abertas e terminavam em ganchos com muitos crossovers; não somente isso tinha apelo junto aos fãs fiéis como também deu início ao nascente mercado de colecionadores de quadrinhos –você pode facilmente perder meia dúzia de quadrinhos do Super Homem e não se perder, mas se você não tem um único exemplar do Homem Aranha, você nunca terá certeza daquilo que perdeu.
Esses fatores estabeleceram novos padrões e tiveram impacto no mercado de venda direta, quando donos de lojas compravam quadrinhos como especuladores, na esperança de que eles se tornassem valiosos artigos de coleção em algum momento. Coroando o processo, muitas pessoas que entraram na indústria de quadrinhos nos anos 70 e 80 eram fãs da Marvel, e se eles não trabalhavam para a editora tentavam moldar o material que estavam fazendo a partir da perspectiva Marvel de quadrinhos. Por volta de 1975, 3/4 do mercado de quadrinhos era de do gênero super-herói dirigido à adolescentes do sexo masculino, e 75% deles eram títulos Marvel. No final dos anos 80, 90% de todos os quadrinhos eram de super-heróis criados por homens e para homens.
Eu não vejo isso acontecendo com o shoujo por várias razões. Primeiro, shoujo é vendido nas grandes lojas, que é onde as meninas adolescentes e pré-adolescentes compram livros e revistas. Segundo, não há mentalidade de colecionador nos mangás, assim, as vendas refletem com precisão aquilo que está interessando aos leitores. Finalmente, por tudo que foi citado acima, a próxima onda de fãs a entrar na indústria de quadrinhos serão otakus e, não, zumbis da Marvel. (Isso aqui deve ter ofendido todo mundo!).
MJ: Quando você diz “quadrinhos para garotas adolescentes”, você está falando de shoujo mangá? O que diferencia os “quadrinhos para garotas” de outros tipos de quadrinhos?
BD: Shoujo é definitivamente onde eu iria começar, embora existam outros gêneros de quadrinho com apelo junto ao público feminino. As grandes diferenças entre títulos para garotas e para garotos são precisamente aquilo que os mangás conseguem representar melhor que os quadrinhos americanos: a expressão das emoções e das relações interpessoais. Compare Sailor Moon com um típico quadrinho de super-heróis americano: Sailor Moon se centra muito menos nos beijos e em quem vai ficar com quem e mais na forma como as personagens se relacionam umas com as outras.
Dê uma olhada na imensa indústria de livros românticos. É um mundo alienígena para boa parte dos homens que lêem, mas atinge milhões de mulheres leitoras ao redor do mundo.

MJ: Como você acha que ele (*o quadrinho da RealBuzz Studios*) vai se sair em um mercado já carregado de quadrinhos para garotas adolescentes? O que vai distingui-lo do resto?
BD: Superficialmente, porque será a coisa que vai atrair o olhar do leitor primeiro, é que somos coloridos. Muita gente repudia mangás em cores, dizendo que os originais são em preto e branco, mas isso é o mesmo papo dos puristas que reclamavam dos filmes sonoros porque o cinema tinha que ser uma mídia absolutamente visual. Acredite em mim, se os japoneses pudessem bancar isso, eles fariam mangás totalmente coloridos. De forma similar, Serenity é feito no estilo coreano, o manwha, que se lê da esquerda para a direita, como os livros americanos, e esta é outra faceta desprezada algumas vezes pelos otakus.

Mais importante, é que nós vamos lidar com temas espirituais e religiosos, que são pontos em que muitos dos outros quadrinhos não querem tocar. Nós vivemos em uma época na qual as discussões teológicas relevantes são consideradas tabu, ainda que qualquer outro tópico seja gritado aos quatro ventos.

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